SANTOS NARCISO SOBRE CRISTÓVÃO DE AGUIAR

A minha página ” Leituras do Atlântico” de hoje, 11 Out 21, e já evocando o 7º Dia da Morte de Cristóvão de Aguiar.
De “Raiz Comovida” à “Tabuada do Tempo”
Cristóvão de Aguiar… sem adeus!
Cristóvão de Aguiar (1940-1921) morreu no passado dia 5 deste mês de Outubro. É um dos grandes nomes da Literatura Açoriana, conceito que ele mesmo não aceitava e que tem expoente máximo em “Raiz Comovida”, um dos mais belos romances da nossa Literatura. Irreverente quanto baste e polémico, como, por exemplo, no livro “Passageiro em Trânsito”, sentia alguma hostilidade em seu redor. Ele mesmo, em Maio de 2015, me confidenciava, em mensagem que me mandou a propósito da referência que fiz à homenagem que lhe foi prestada no Porto, pelos 50 anos de carreira literária: “O meu amigo corre o risco de perder algumas amizades em São Miguel e outras ilhas, incluindo a chamada diáspora, se continua a elogiar-me da maneira como o tem feito! Não estou muito habituado a ser tratado tão bem… Claro que faz cócegas no ego, lá isso… Só encontro uma expressão, por acaso transmontana, com que lhe agradecer: “O meu muito bem-haja, mas tanto não mereço”…
E recordo também de ter escrito, aqui neste espaço de Leituras do Atlântico, em Maio de 2015: “Naturalmente que a apresentação desta obra não poderia ficar só pela cidade invicta. Foi pelo próprio Cristóvão de Aguiar que soube que está agendado o seu lançamento na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, no dia 15 de Junho pelas 18 horas, com apresentação pelo Prof. Carlos Riley, da Universidade dos Açores. Talvez pelas limitações físicas que me amarram a casa, talvez por não ler o suficiente da informação regional, ou talvez por não serem mesmo divulgadas, pouca referência tenho visto por cá a este acontecimento. Mas estou certo que a proximidade temporal, (ainda falta quase um mês), fará com que seja devidamente publicitado, não por Cristóvão de Aguiar, mas pela cultura e literatura que eu só entendo quando liberta de teias e interesses”.
Da história dessa apresentação em Ponta Delgada fala com toda a frontalidade Fernando Ranha, editor da VerAçor, que na rede social facebook, em comentário à minha nota evocativa da memória de Cristóvão de Aguiar, escreveu o seguinte: “A última vez que o vi, marcou-me muito.Foi na BPARPD; estava anunciado o lançamento de livros dele, chegou com uma mala de roupa cheia de livros, penso que terei sido o único que lhe comprei livros. Não me lembro de ter visto lá nenhum dos da escrita de São Miguel, nem daqueles que enchem a boca dizendo que são os grandes defensores dos escritores açoreanos. Deixo aqui o meu respeito pelo escritor e pelo Homem”.
Acho importante deixar este registo, porque considero que o momento da morte nunca deve ser tempo de branqueamento, nem de vãos endeusamentos.
Cristóvão de Aguiar é um dos nossos maiores como mostram estas breves linhas de seu filho Luís Aguiar: “Cristóvão de Aguiar é Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, foi reconhecido com a insígnia Autonómica de Reconhecimento da Região Autónoma dos Açores e recebeu a medalha de mérito municipal do concelho da Ribeira Grande, ilha de São Miguel, de onde é natural.
Os seus 40 anos de vida literária receberam uma homenagem da Reitoria da Universidade de Coimbra, através da edição de uma publicação onde é reconhecido como um escritor de mérito. Cristóvão de Aguiar foi, ainda, homenageado pela Universidade do Minho e pela Secretaria Regional da Cultura dos Açores, por ocasião dos 50 anos de vida literária, com a edição das suas obras completas entre 2015 e 2020, que teve a chancela das Edições Afrontamento.
Venceu, entre outros, o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa, o Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores/Câmara Municipal do Porto e o Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra.
Na sua vasta obra literária, destacam-se a trilogia romanesca Raiz Comovida, o Braço Tatuado — narrativa militar aplicada, onde relata a sua experiência como combatente na Guiné durante a Guerra Colonial — e Relação de Bordo, conjunto de diários que abrange os anos de 1965 a 2015.
Traduziu A Riqueza das Nações, de Adam Smith, edição da Fundação Calouste Gulbenkian”.
E, em jeito de homenagem ao grande escritor pico-pedrense, considero que cabem aqui, de forma especial, as palavras de Isabel Fernandes, Editora do Jornal As Artes Entre as Letras que dedicou, na sua edição de 15 de Abril de 2015, cinco pesadas páginas ao escritor homenageado então na Casa-Museu Guerra Junqueiro, no Porto, numa iniciativa da Casa dos Açores do Norte e do Departamento de Estudos Românticos da Universidade do Minho, em colaboração com a Direcção do Curso de Línguas e Literaturas Europeias do Instituto de Letras e Ciências Humanas. Escrevia ela, com todas as letras, que “Cristóvão de Aguiar é, sem sombra de dúvida, o maior escritor da literatura açoriana, e um nome de referência no panorama literário português”. Se o adjectivo “maior” pode ser subjectivo, a mim, deu-me muito mais prazer que a autora do texto o tenha enquadrado dentro da “Literatura açoriana”. Sim, porque esta tem sido uma polémica de muitos anos e com muitos intervenientes e Cristóvão de Aguiar, ele mesmo, posicionou-se contra essa ideia de “Literatura Açoriana”. E será curioso notar aqui que, o assunto foi abordado pelo então Secretário regional da Educação do Governo dos Açores, na intervenção proferida no Porto, a encerrar a sessão de homenagem ao escritor que diz que “não escrevo, faço croché com as palavras”. Disse Avelino Meneses: “Com clarividência e com razoabilidade, Cristóvão de Aguiar duvida da existência de uma literatura açoriana, preferindo falar de uma escrita de expressão insular com raízes continentais e com extensão atlântica, constituindo tudo isto o universo dúbio da lusofonia”. O Secretário Regional que representava o Presidente do Governo açoriano na cerimónia, acrescentou ainda que a identidade açoriana é, pois, “muito complexa”, chegando, por vezes, a ser a “negação de uma identidade”, daí que “a mundividência” constitua “uma importante faceta da Açorianidade, que comunga e acentua o caráter universalista da cultura portuguesa”.
Na altura, escrevi que Cristóvão de Aguiar é assim mesmo, irreverente q. b. nos seus 75 anos, mas com uma característica que é traço comum de toda a sua obra, aqui lapidarmente definida por Avelino Meneses: “a defesa dos oprimidos” e, também, a “omnipresença de temas açorianos”, o que, por vezes, foi expresso “numa linguagem de sabor dialectal e regionalista”.
A melhor homenagem que se pode fazer a Cristóvão de Aguiar é promover a leitura dos seus livros e isto compete aos agentes culturais.
E recordo-me de ele mesmo, no seu livro “O Coração da Memória”, dedicado a José Medeiros Ferreira, falecido a 18 de Março de 2014, ter citado Pessoa: “ O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
É isto mesmo que agora se pode dizer de Cristóvão de Aguiar e sem qualquer adeus: mais um nome inesquecível para a memória açoriana!
Santos Narciso
Amanhã,( 12 de Outubro de 2021), no Diário dos Açores, um brilhante texto do meu Amigo Duarte Miranda merece leitura atenta. Grato pela referência que faz a meus anteriores trabalhos sobre Cristóvão de Aguiar. A não perder também o artigo de Mota Amaral, intitulado “Luís Cristóvão”
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