SANTA MARIA, HISTÓRIAS DE AMOR DO TRADUTOR AÇORIANO

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O tradutor açoriano
O meu querido avô António tinha muitas namoradas. Ou na linguagem da minha infância, amantes. Para além de homem bonito tinha bom feitio, sustentava “inúmeras” famílias e tinha fama de rico. O que que ainda “lhe trazia” mais trabalho – ou sucesso- no ramo do amor, por assim dizer.
Uma das amantes, das menos conhecidas, tinha sido um caso durante a construção do aeroporto de Santa Maria. Ela era casada com um militar americano e depois voltou para a América. Durante quase quarenta anos a senhora (vergonhosamente bonita)nunca mais deu sinal de vida. Até que no princípio dos anos oitenta, já viúva, decidiu escrever. Só que ela escrevia em inglês. E o meu avô decidiu que eu faria as traduções nas cartas de resposta. Só que ele adoeceu, com gravidade, e pediu-me para escrever o que “me apetecesse”. Mas sem “tom poético ”. Obviamente que não resisti à tentação. Do “tom poético”.
Tempos antes eu tinha publicado poemas (horríveis)num jornal e o ilustre escritor Dias de Melo, que estava, na altura, em Santa Maria, tinha lido “a coisa”. Provavelmente por misericórdia…E disse que não percebia nada dos meus “poemas”… E só perguntou ao meu avô: isto é contra ou a favor dos comunistas? Certamente contra os “neo-realistas”…
O “meu tom poético” não tinha futuro. No entanto sou teimoso.
E a doce amante escrevia muito. E eu, nas respostas, ainda escrevia mais, em inglês, para uma cidade perdida no “state of Louisiana”, na América.
As respostas às cartas da amante procuravam os lugares-comuns regionais (doença incurável) numa versão de intelectual açoriano em penitência. Deixo apenas alguns exemplos.
A memória do nosso amor é um barco de nevoeiro onde o basalto encontra a fecundidade do passado.
Os aviões partiram mas as gaivotas cantam o Espírito Santo na leveza dos sentimentos.
As hortênsias e o mar ainda sufocam por ti.
O meu neto António é tímido, por natureza, mas está disponível para ir à “Louisiana” declamar poemas.
Foto: Bar António, Vila do Porto, ilha de Santa Maria, 1944.
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