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Rosélio Reis
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Isabel Biscaia
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A evacuação do aeroporto
Houve em Santa Maria um outro 25 de Abril com muita importância política de que pouca gente se lembra, sendo que quase ninguém teve conhecimento do seu significado, da sua utilidade e do seu contexto. A informação era escassa e protegida pela censura oficial que reinava e era determinante para que o português comum não se “alarmasse”. Ainda hoje em dia pouca gente consegue arranjar uma explicação: porque se deu a evacuação do aeroporto de Santa Maria?
Santa Maria e, na generalidade, Portugal e o arquipélago dos Açores com a Base das Lajes e o aeroporto de Santa Maria, sempre foram aliados dos Estados Unidos. E ninguém ignorava que estes dois aeroportos seriam pontos-chave a eliminar no caso de surgir uma convulsão entre os Estados Unidos e a União Soviética, países em que reinava, desde 1945, uma guerra fria. Era mais do que natural que, no caso de essa guerra “aquecer”, seria uma estratégia da União Soviética fazer desaparecer aqueles dois pontos.
Entretanto, a falta de liberdade de imprensa escamoteou os contornos noticiosos que poderiam ter originado um grande conflito entre as duas partes e ter levado ao deflagrar da pior guerra que se pode imaginar: a invasão da Baía dos Porcos em Cuba.
Kennedy tinha tomado o poder há pouco tempo nos Estados Unidos. Foi quase de imediato confrontado com uma situação muito melindrosa que estava sendo desenvolvida pela sua polícia secreta: acabar com o domínio de Fidel Castro em Cuba. Para isso a C.I.A. havia recorrido à vasta colónia de exilados cubanos que viviam nos Estados Unidos, na Florida. Foi tudo feito com recurso à intriga em que, através de imagens falsas, se procurou demonstrar que teriam sido os cubanos de Cuba a dar início ao processo. E foi assim que se partiu, com todo o armamento necessário e com o apoio camuflado da armada e da força aérea dos E.U.A., para uma invasão que deu para o torto, em meados de Abril de 1961. Sofreu uma estrondosa derrota esta operação frente ao exército de Fidel Castro. Os Estados Unidos tiveram que pagar fortunas pela libertação dos seus cidadãos que tinham intervindo na operação. A maior parte dos apoiantes cubanos foram sumariamente executados ou levaram penas de prisão que chegaram aos 30 anos.
O pior estava para vir. Fidel Castro pediu apoio à União Soviética, para evitar futuras aventuras dos Estados Unidos. Khrutschev não se fez rogado e prometeu instalar uma base de mísseis nucleares balísticos em território cubano. Era uma proteção extra para o regime cubano que poderia, em 15 minutos, dada a curta distância a que fica o território inimigo, lançar uma ataque de dimensões gigantescas. A construção da base viria a ser detetada quase de imediato pelos aviões de espionagem americanos U2. O clima entre as duas superpotências viria a azedar de tal modo que, quando uma frota da URSS já caminhava para Cuba para instalar os mísseis, acabou por regressar à base, numa atitude de extrema cautela e de ponderação perante as ameaças dos Estados Unidos. Isso levou à obrigação do desmantelamento por parte dos EUA das bases de mísseis na Turquia e ao compromisso de nunca tentar invadir Cuba.
É nesse contexto, e no clima de insegurança que se viveu naquele período, que se inseriu o exercício de evacuação do aeroporto de Santa Maria. No dia 10 de Outubro de 1961 rebentou um foguete no açucareiro. Era o sinal combinado. Toda a gente saiu de casa, fechou as portas à chave e ficou a aguardar o transporte que se fez de imediato para o local combinado. Numa operação bem organizada pela direção do aeroporto, todo o pessoal é levado para um lugar ermo no caminho do Monteiro, entre São Pedro e Almagreira. O destacamento militar alojado na Bela Vista foi chamado a colaborar e a gerir a segurança da operação. Também ficou responsável por fazer a patrulha de todo o aeroporto e das habitações abandonadas. Cumpria-se assim a Ordem de Serviço nº 37, de 25 de Abril de 1961, que dizia, na sua parte final:
“Todo o resto da operação deverá executar-se completamente, à excepção feita do transporte de doentes e pessoas idosas, recomendando-se a toda a população o maior esforço, boa vontade e confiança, para que esta operação decorra de maneira eficiente e se possa garantir uma execução perfeita em situações de emergência que venham a surgir. Assinado: Alexandre Negrão.”
Todo o pessoal achou piada ao exercício que decorreu com grande êxito. E, passados que são quase 60 anos sobre a operação, ainda pouca gente saberá quais foram os reais motivos para que a mesma se fizesse.
O meu agradecimento à Isabel Biscaia e ao Memórias de Santa Maria que me cederam algumas fotos e alguma informação.





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- Na verdade, a distância a que fica o Monteiro não dava nenhuma garantia de segurança em caso de ataque nuclear. Nem em parte nenhuma da ilha… Nem sequer S,Miguel estaria seguro. Mas no caso de um ataque tradicional já não digo o mesmo!