SALVEM O SNS

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Nas últimas duas semanas o número de pessoas com responsabilidade ou visibilidade pública em Universidades, direcções de hospitais, juristas, nenhum deles em qualquer organização negacionaista, tomaram posição pública contra o confinamento e o estado de emergência. O desgaste do Governo que não fez o que podia de facto salvar vidas – reforçar o SNS e proteger os lares – é evidente, sobretudo com o colapso das PMEs, e da saúde não COVID. Nunca António Costa foi tão questionado, depois de um longo reinado em que governou sem que lhe fossem pedidas explicações sustentadas sobre as decisões. Incluo-me entre aqueles, na vertente da história do trabalho e da sociologia do país – o mapa hoje dos concelhos a vermelho é claro: a expansão dos contágios dá-se na zona industrial do país e nos municípios muito envelhecidos, com surtos em lares. Confinar pessoas e restaurantes ao fim de semana é inútil e prejudicial. As medidas ameaçam o Estado democrático. E há milhares pessoas a morrer porque o pânico foi lançado e têm medo de ir aos hospitais. Também me incluo nos que, desde Março, defendem o reforço dos cuidados médicos, e a requisição civil de hospitais e laboratórios privados para combater a doença.
Que me recorde, rapidamente, temos neste campo, das críticas às medidas, cada um com reflexões e opiniões distintas, Jorge Torgal, Maria José Morgado, Manuel Alegre, Santana Castilho, Garcia Pereira e, só nesta semana, vários directores de grande parte dos hospitais que lidam com oncologia e dezenas de médicos, entre eles intensivistas e anestesistas, pediatras e cardiologistas, e ainda colégios médicos e directores de faculdades. Hoje no JN um psiquiatra tenta usar o meu nome como isco para um artigo onde pede que todos os críticos que se calem e, com pouco talento retórico, nos coloca a todos em grupos negacionistas. Isto é, na dúvida, como o paciente não está a reagir (não nos sujeitamos a medidas sem evidências), passa-se a dose de 10 mg para 500 mg: vamos dizer que todos os críticos são negacionistas, vegans, terraplanistas, amigos de extra terrestres, e assim calaremos os cientistas críticos por medo de serem confundidos com grupos que negam a ciência.
Vejam, estudo o SNS há dez anos e, pelo lugar que o meu trabalho ocupa, tenho muita consciência do que digo ou não. E muita tranquilidade. Este artigo, na sua forma ad hominem, é um sinal do desgaste político evidente destas medidas, quando alguém usa a técnica do algoritmo (usar o nome de uma figura pública, na primeira linha) para depois falar de outros – negacionistas, grupos pela verdade – e no fim pedir por favor “Calem-se todos, tenham uma opinião desde que seja a favor”. Sendo o articulista psiquiatra confesso que me recordei com humor de um belo livro O Alienista, de Machado de Assis. Há no romance um psiquiatra que quer tratar toda a cidade e, passado pouco tempo, estão todos dentro do seu manicómio, diagnosticados com alguma doença, e só ele está cá fora.
Sr. Dr., tenha calma por favor. A vida em sociedade tem cores brilhantes e a vida académica, científica e intelectual, por sinal, é das mais ricas em cores. Não existe consenso, o consenso é anti científico. Mas, sobretudo, compreenda algo: não estamos todos com vontade de frequentar o seu manicómio.
Respeitosos cumprimentos
Raquel Varela
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