RIO DE ONOR: A MÍTICA ALDEIA RAIANA

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Rio de Onor: A mítica aldeia raiana

Chegou o tempo de falar de Rio de Onor, a mítica aldeia raiana. Mítica porque foi alvo de vários estudos etnográficos como o famoso estudo de Jorge Dias (Rio de Onor. Comunitarismo agro-pastoril) e linguísticos. As práticas comunitárias em Rio de Onor têm sido objecto de inúmeras reportagens em televisão e a sua particularidade de se tratar de uma aldeia transfronteiriça ou se quiser, duas aldeias gémeas: a portuguesa de Rio de Onor e a espanhola de Rihonor.

Hoje vamos falar apenas em fronteiras porque falar em Rio de Onor vai muito mais além do que um simples ‘post’ no blogue. De facto existem tantos tópicos que podem ser tratados (ponto de vista histórico, etnografia, história recente, linguística, tradições, etc.) que quase poderíamos escrever um blogue em exclusivo sobre a(s) aldeia(s).

Rio de Onor está situada no limite fronteiriço que separa a região da Sanábria, na província de Zamora, e o Nordeste Transmontano, dentro do Parque Natural de Montesinho, sendo que a aldeia portuguesa está considerada como uma «aldeia preservada». O nome da aldeia serve também para dar nome ao rio que a atravessa, se bem que o rio também é conhecido como rio Contensa. Este rio abeira-se às casas que fazem parte de Rio de Onor de Cima, as mais tradicionais, erguendo-se sobranceira, a igreja matriz. Do outro lado apenas há umas poucas casas modernas no caminho à fronteira. Já em Rio de Onor de Baixo, passado o açude existente e o moinho, hoje em desuso, há uma ponte que parece de factura medieval que separa os dois bairros da aldeia portuguesa.

A fronteira está delimitada pelos marcos fronteiriços, o próprio rio e a ribeira de Regassores, que já aparece nas Inquirições de 1258, mandadas pelo rei D. Afonso III, designado como riuulum de Açores. Mas na realidade nunca houve fronteira aqui. Até ao dia de hoje as relações entre os vizinhos de ambos os lados da fronteira são relações de família. Os casamentos mistos são frequentes como frequentes são as deslocações de um e do outro lado da fronteira para trabalhar nos campos de lavoura.

O livre trânsito foi a realidade quotidiana de sempre e hoje ninguém daria pela diferença entre um e o outro lado da fronteira a não ser por alguns pormenores como a calçada portuguesa em Rio de Onor de Baixo frente ao pavimento de betão de Rio de Onor de Cima. As casas tradicionais respondem a um mesmo padrão: casas de xisto com telhado também de xisto, com andar térreo que normalmente serve de curral e um primeiro piso que serve de habitação com escadaria e varanda em madeira.

Mas a fronteira não se vê por lado nenhum. Resulta anedótico o facto de ter existido uma corrente que dividia ambas as aldeias de 1975 a 1990. Pelos vistos, depois do 25 de Abril de 1974 existiu o temor de que as tropas de Franco entrassem em Portugal por este ponto fronteiriço. Diz-se ainda que foi para controlar o contrabando e evitar uma emigração maciça nos tempos do PREC (como se não houvesse já tantos emigrantes portugueses que fugiram da guerra colonial e da pobreza…). De qualquer forma parece que um tenente chamado Pinheiro coloca na fronteira uma corrente para impedir a passagem de viaturas motorizadas, o que vai causar inúmeros incómodos a população local, acostumada como estava à passagem com carros de bois, vacas, ovelhas ou tractores. Não foi até o 24 de Agosto de 1990 que puderam passar normalmente carros e tractores como numa estrada qualquer.

Disso hoje não resta nada em Ruidenore, nome que recebe a aldeia no dialecto rionorês, um dialecto de base asturo-leonesa que apresenta alguns traços do português transmontano e que foi definido por Maria José de Moura Santos no seu clássico estudo sobre os falares fronteiriços de Trás-os-Montes publicado em 1966 como um dos falares raianos melhor caracterizados, enquanto recentemente o filólogo espanhol Xavier Frías Conde que o situa dentro do dialecto sanabrés do Sul, dentro do sub-sistema de dialectos da língua asturo-leonesa.

Quem visitar hoje Rio de Onor desfrutará de belas paisagens, apreciará uma tradição etnográfica ímpar, mas sobretudo, travará boas e animadas conversas com os naturais do lugar. Não verá fronteira nenhuma. Pena que alguém, em 2008 tenha destacado na parte espanhola o sinal de estado que não existe do lado português e que é o único pormenor que afeia o lugar. Não faz sentido numa aldeia sem fronteiras muito antes da tão badalada Europa sem fronteiras. Mágoa!

in:historiasdaraia.blogspot.pt

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