Maquiavélico, eu?

João Rendeiro anda a gozar connosco.

Começou a gozar quando cometeu os crimes pelos quais viria a ser julgado, continuou a gozar quando se pôs na alheta depois de ser condenado, e diabos me carreguem se não continua a gozar na forma como foi apanhado.

Burla qualificada, fraude fiscal, abuso de confiança, branqueamento de capitais, falsidade informática e falsificação. Entre 2003 e 2008, apropriou-se indevidamente de uma quantia superior a 13 milhões e seiscentos mil euros.

Pisgou-se quando já devia estar na prisão e, longe, declarou-se injustiçado, garantindo que não volta a Portugal sem ser ilibado ou indultado pelo Presidente da República. Reclama inocência mas depois acrescenta que os seus crimes até nem são muitos, quando comparados com os de Ricardo Salgado. Entretanto, foi envolvendo o motorista nas suas tramoias e vendeu ilegalmente oito quadros por mais de um milhão de euros.

Encheu todos os noticiários quando fugiu e volta a estar em todas as estações quando foi apanhado.

Vivia em hotéis de luxo e, segundo a Polícia Judiciária, gastava quantias exorbitantes para encriptar todas as comunicações, de modo a não ser possível descobrir o seu paradeiro.

A mulher foi detida e, para não ficar em prisão preventiva, lá disse que o marido estava na África do Sul. Entretanto, Rendeiro dá uma entrevista à CNN-Portugal.

Um homem que foi banqueiro tantos anos e conseguiu enganar tanta gente, é certamente inteligente. Para além disso, tem muito dinheiro. Pode pagar aos melhores advogados, aqui e na África do Sul.

E é por isso que eu acho que ele continua a gozar connosco.

Não creio que “a Maria”, como Rendeiro chama a mulher, tivesse desvendado o paradeiro do marido sem o consentimento deste. Nenhum juiz substituiria a medida de coação prisão preventiva por prisão domiciliária a troco de uma colaboração tão frágil. Ainda por cima quando a lei dá à esposa de Rendeiro o direito a ficar calada para não incriminar o marido. Na minha opinião, ela falou porque Rendeiro quis que ela falasse, nos termos em que o fez.

Por outro lado, por que Rendeiro aceita dar uma entrevista à CNN-Portugal? Por dinheiro certamente não terá sido. Por vaidade também não me parece. Para limpar a sua imagem seria impossível. Creio que concedeu tal entrevista de propósito, com um fito.

Entretanto, um homem que empregou “quantias exorbitantes” para encriptar todas as suas comunicações, deixa-se filmar sem ser em fundo neutro? Quando duas folhas de papel de cenário são bem baratas e o branco não fala? Escolhe como fundo cortinas castanhas, numa altura em que já se sabia que estava na África do Sul? Qualquer aprendiz de detective começaria as suas buscas pelos hotéis que tivessem cortinas daquelas…

A soma de tudo isto leva-me à conclusão de que Rendeiro queria ser apanhado. Ou porque sabe de antemão que não será extraditado, ou porque tem qualquer truque na manga, aconselhado por causídicos espertos e inteligentes. Então João Vale e Azevedo não anda a gozar com a justiça portuguesa há anos, dizendo-se pobre mas vivendo em luxo?

Está a nossa PJ toda contente com o seu feito. Está o Governo todo satisfeito porque enquanto se falar da eficácia da PJ não se fala da ineficácia dos tribunais. Estão todas as televisões animadíssimas, com centenas de comentadores, peritos, investigadores e analistas de plantão. E, a rir disto tudo, lá na África do Sul, está João Rendeiro…

António Bulcão

(publicada hoje no Diário Insular)