REFLETIR SOBRE A PANDEMIA E CONFINAMENTO

Views: 0

O número de infectados não pára de aumentar em Portugal e os hospitais, pelo que vou ouvindo, estão a rebentar pelas costuras.
A previsão é que assim continue para lá de Fevereiro e parece, mais ou menos óbvio, que o confinamento não trouxe grande coisa. Há quem defenda que é porque não é realmente um confinamento, ou seja, porque as excepções permitem que se passe o dia na rua de uma forma ou de outra. E há quem considere que os mortos ou utentes nas urgências são pessoas que já estavam confinadas antes do decreto. E eu acrescentaria ainda na discussão, aquela parcela de gente que não tem no confinamento uma hipótese sequer.
Não é muito fácil chegar a uma conclusão sem números ou estatísticas, pelo que tenderei a ver realidades de outros países e a comparar com a portuguesa. Façamos pois um exercício lúdico, eventualmente mais interessante do que andar na rua a fotografar estranhos para dizer que, tal como nós, estavam a desrespeitar o confinamento mas com uma moral menor porque somos nós que o determinamos.
Segundo dados do NCHS (National Center for Health Statistics), em 330 000 mortes por Covid nos EUA, cerca de 32% aconteceram em pessoas com mais de 85 anos, 27% entre os 75 e 84 e, outros 21% entre os 65 e 74. Portanto, cerca de 80% das mortes ocorreram em pessoas já em idade de reforma. Por contraponto, a incidência de mortes em menores de 25 anos não ultrapassou os 0,17%.
Em Espanha, segundo o Statista, 90% das mortes aconteceram em pessoas com mais de 70 anos.
O mesmo site, com data de 5 de janeiro de 2021, diz que em Itália, 96% das mortes aconteceram para 70+. Na Alemanha este número atinge os 90%.
No Brasil, até Dezembro de 2020, 75% das mortes ocorreram em maiores de 60 anos. Ainda assim, na realidade brasileira há algum distanciamento para a situação europeia (e até norte-americana), já que há uma incidência alta (20%) na faixa etária dos 40 aos 59 anos.
Na Suécia, a “socialstyrelsen” (segurança social cá da terra) disponibiliza a estatística em formato excel, para quem a quiser consultar. Em 9211 mortes, à data da última actualização, 91% tinham incidido em maiores de 70 anos e apenas 1% em menores de 50 anos.
Em resumo, o grosso das mortes acontece em pessoas idosas que provavelmente já vivem em situação de isolamento ou de quem dado o avançado da idade, não se espera grande circulação. Para os outros países não consegui obter esses dados mas, por aqui, segundo dados do governo sueco (https://www.socialstyrelsen.se/…/statistik-over-antal…/), 47% das pessoas estavam em lares e 27% com cuidados ao domicílio, ou seja, quase 75% dos óbitos aconteceram em cidadãos que já estavam isolados.
Será de admitir a hipótese de que, na realidade portuguesa, este cenário não seja muito diferente. Uma população profundamente envelhecida, com muitos idosos isolados há anos, sozinhos em casa ou entregues a lares onde, os funcionários, depois das horas de trabalho voltam ao “mundo real”, podendo abrir uma porta de entrada para o vírus. Acresce o facto de estarmos a viver uma particular onda de frio e termos, desde que me lembro, uma péssima construção onde casas geladas são a norma, o que ajudará na propagação de doenças deste tipo.
Não será por isso de descartar a hipótese de o confinamento estar a falhar, não porque a nossa vizinha foi passear no paredão ou porque o amigo foi beber um café mas sim, porque talvez o isolamento e proteção estejam a ser dirigidos para a fatia errada da população.
Aqui há uns meses, quando Stefan Löfven (PM sueco) admitiu a falha nos lares (pelas mesmas razões que em cima referi), a primeira consequência foi: “temos que proteger os idosos”. Por duas razões: desde logo porque eram essas as evidências e depois porque, segundo os especialistas, seriam os idosos os mais expostos num futuro próximo. Começaram as medidas de restrição, horários reduzidos, fecharam o secundário e incentivaram o tele-trabalho. Mas acima de tudo, tentaram proteger os mais velhos, nomeadamente, pedindo às famílias que mantivessem as distâncias. Dos lares ou das casas particulares. “Não vão visitar a avó”, disse o PM numa das conferências de imprensa há já largos meses, quando o mundo gritava com a Suécia.
Ora, ao dia de hoje eu ainda não tenho certeza que seja assim. Não estou num banco de hospital a ver a idade dos que são entubados ou a verificar BIs dos que morrem. Admito que um médico tenha uma perspectiva diferente. Gostava de saber se essa informação está sequer disponível.
Mas olhando para os números e só para eles, o que vejo é que com ou sem confinamento, os que morrem são essencialmente os mesmos. Idosos em isolamento.
Por outro lado, a mesma crítica que foi dirigida à Suécia na primavera de 2020 sobre a actuação nos lares (lembram-se das gordas “matam velhos”?), parece agora atingir Portugal já que o caos chegou às instituições de apoio aos idosos.
No lar onde está a minha avó, o covid entrou por um funcionário. É normal, quase expectável. Daí a infectar os utentes e registar as primeiras mortes, foi um salto de dias. Bem sei que não se pode generalizar mas enfim, é a minha realidade, aquela que me toca na pele.
A minha avó, três dias depois de ter acusado positivo, ainda não tinha percebido que estava com o “bicho” porque não sentia nada. Estava mesmo era aborrecida de circular naquele quarto sozinha por dias a fio.
A DGS tomou conta do caso e fez o que podia para que o lar seguisse as normas de isolamento e contenção. Aliás, a minha impressão é que a DGS é extremamente competente a gerir a pandemia e a reagir à hecatombe. Nem imagino o que os profissionais do SNS sofrem neste momento.
Mas parece-me que as medidas tomadas pelo governo, por cartilha e sem grande evidência, não estão a produzir o efeito prático esperado no lado da prevenção. Julgo ser aí o início da falha no combate à pandemia.
Continuo a achar que parte da solução está em criar condições de protecção aos mais idosos, já em confinamento, e não em fechar os restantes, que mesmo assim, continuam a não respeitar o essencial, o distanciamento. E convém lembrar que a parte de baixo da pirâmide, os mais pobres, não confinam. Nem hoje, nem nunca. Continuam a sair de casa para garantir os serviços mínimos.
Também não consigo compreender bem se é apenas o Governo que decide mal ou se somos nós que não cumprimos o básico. Eventualmente as duas. Mas decididamente, e sem querer ofender a fé e o credo, não entendo a seriedade de um confinamento que mantém as igrejas abertas.
Quanto à Maria Francisca, a caminho dos seus 94 anos no próximo 11 de setembro, não abdica da sua lendária vontade de querer sorrir. E não há bicho ou estatística que a dobre.
Eu, obviamente, agradeço por isso. A ela e claro, ao SNS.
Image may contain: 2 people, including Tiago Franco, close-up and indoor
You and 26 others
28 comments
1 share
Like

Comment
Share
Comments
View 5 more comments

Mais artigos