RAQUEL VARELA O ESTADO DE EXCEÇÃO

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Tenho colegas sensatos, sérios, que questionam a necessidade do estado de exceção, com argumentos que respeito muito, inclusive intelectuais italianos, gente responsável, não são loucos. Essa não no entanto a minha opinião. Posso estar enganada e o tempo revelar que a quarentena é um mal maior face a um estado musculado, descontrolado no seu (abuso) de poder, um oportunidade para uma doutrina de choque para cortar salários e impor medidas bonapartistas. Sim, é um risco. Pese embora o estado social, pós 45 e pós 74, aqui no sul, que nos fez aceitar mais o estado como algo benévolo, em quem confiamos, isso tem algo de verdade, num contexto que acabou, mas tem sobretudo muito de ilusão. O Estado nunca deixou de ser o que sempre foi, e tal podemos ver hoje – ele é politicamente um gestor de negócios das corporações económicas (Marx), um grupo de homens armados (Engels) e, portanto, o máximo do sadismo social está aí, no Estado (Coimbra de Matos). Não deixei de acreditar nesta tríada que citei, que, creio, se resume numa frase: Poder, a loucura do Poder. Só a democracia, que de certa forma é suspensa em estados de excepção, nos pode salvar. Não mudei de ideias a este respeito, espero.

Mas, por agora, penso que é necessário de facto uma quarentena geral a que nos devemos todos submeter, sem, porém, deixarmos de pensar – parar a circulação não é suspender a crítica, pelo contrário, é agora que a crítica é mais necessária do que nunca, agora que aceitamos restrições à nossa liberdade. Olhando para os casos de Macau, China, Itália, o que daí nos chega, e conhecendo o SNS real, e a idade da população, fechar o país parece-me a medida mais sensata. Não é fechar aos pedaços, como o Governo fez, e continua a fazer, permitindo cadeiras de contágio – nas fábricas e empresas e comércio (a praia é muito menos inócua do que um aeroporto ou uma linha fabril…). Devemos fechar mesmo, como a Itália fez ontem. Insisto que isto é uma opinião arriscada no mundo em que vivemos, abrir as portas a um estado forte é um grande risco, numa altura em que os Estado se socorrem cada vez mais da força e menos de políticas redistributivas e sociais. Perdoem-me se estiver errada portanto nesta minha posição. Hoje o que defendo é que a população deve ser posta sob quarentena, protegida nos seus direitos laborais e sociais, independentemente de serem fixos ou precários. E que as restrições só podem ser impostas durante a epidemia na fase crítica, quando há risco de colapso dos serviços de saúde, e jamais para além dela.