RAMOS HORTA

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Aula Magna no Institute of Business (IOB)
11 de Dezembro 2020
Graduação de Mestres
Excertos de um texto escrito em Português, mas lido por mim alternando entre três línguas, Português, Tetum e Inglês. Não foi um exercício fácil.
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Saúdo os fundadores pela vossa visão e coragem em criar o Institute of Business, agora conhecido pela sigla IOB, viveiro de líderes e gestores da economia nacional, a banca, o comércio, as indústrias, a administração de Timor-Leste.
A julgarmos pelo número de instituições de ensino superior existentes no nosso País, atrever-me-ia dizer que TL não tem déficit de instituições acadêmicas de nível universitário. Em menos de duas décadas apesar dos grandes desafios com os quais deparamos simultaneamente em muitas frentes, a elite acadêmica e profissional Timorense erigiu um número invejável de instituições universitárias e outras de nível superior só possível em países com décadas de existência, mais recursos humanos superiormente qualificados, muita experiência acumulada e com mais recursos financeiros.
Mas devemos perguntar, temos priorizado as áreas de ciências e tecnologia, economia, planeamento, administração pública e políticas públicas, comércio e indústria, gestão, e tecnologia de informação? Ou temos uma grande inflação de graduados em humanidades?
Outra pergunta…temos priorizado o ensino médio técnico-profissional de onde saem técnicos de IT, eletricistas, mecânicos de automóveis e de máquinas pesadas, técnicos de frio, de reparação de TV, canalização de água, carpinteiros e pedreiros, etc que tanto falta fazem no dia a dia numa cidade em crescimento?
Acredito que os fundadores de IOB assim como os responsáveis das outras muitas instituições secundárias e superiores erguidas no nosso País nos últimos 18 anos prometem e garantem a nossa juventude, líderes e gestores do futuro, a máxima excelência acadêmica pois bem o sabem que a nossa meia ilha de menos de 1.500.000 habitantes, com recursos naturais e minerais modestos, só sobreviverá e vencerá nesta região extremamente dinâmica, logo de imensas oportunidades, mas também muito competitiva, se investirmos seriamente, muito seriamente, em recursos humanos de calibre internacional.
Durante o seu primeiro mandato como Primeiro Ministro Maun Bot Xanana lançou o Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano priorizando bolsas de estudo nas áreas de Ciência e Tecnologia, e por essa via abriram-se as portas para centenas de jovens se formarem nas melhores Universidades da região e de outros países, nomeadamente, Austrália, Portugal e EUA, preenchendo uma grande lacuna no nosso País.
Este investimento em recursos humanos de alta qualidade tem que continuar com rigor e retorno verificável.
Os futuros líderes e gestores tem que abrir os seus horizontes, as suas mentes, expandir os seus conhecimentos e ganhar experiência, aprendendo com as experiências altamente bem sucedidas de alguns países.
Ressalvando as dimensões territoriais e demográficas, cito como exemplos a China, Coreia do Sul, Singapura, Ruanda, Cabo Verde, Costa Rica, etc.
Nos anos oitenta constatei que o regime de Suharto, apesar de sua natureza política repressiva, investiu muito na educação superior da sua juventude e enviou dezenas de milhares de jovens a estudar nas melhores Universidades da Europa, Canadá, EUA e Austrália. Nos EUA muitos foram estudar em Chicago, outros em Berkeley de onde saiu o chamado “Berkeley Máfia” de economistas que muito influenciaram as políticas econômicas da Nova Ordem de abertura ao investimento estrangeiro.
A China de Deng Xiaoping igualmente investiu seriamente na formação superior técnica não só em instituições nacionais, também enviando dezenas de milhares de estudantes para Universidades Europeias, EUA, Canadá, Austrália, NZ, etc sendo que quase 100% cursaram as áreas de ciências e tecnologia.
Em apenas três décadas com início nos anos oitenta, a China transitou de um país predominantemente agrícola trabalhada por legiões de camponeses pobres para uma fábrica global assente na sua vasta mão de obra barata e altamente produtiva que produzia para o mundo; acumulou surpluses com quase todos os parceiros comerciais, acumulou capital em triliões de dólares e tornou-se o maior detentor do DOLLAR US$ no mundo.
A China transitou depois para a alta tecnologia, rivalizando com os EUA e tornou-se pioneira em tecnologias 5G e Inteligência Artificial, equipamento médico, energias renováveis, produção de carros elétricos.
Nos últimos 10 anos investiu bilhões de dólares no desenvolvimento de Inteligência Artificial, sendo agora líder mundial. A guerra movida contra HUAWEI tem a sua explicação na corrida para o domínio da Inteligência Artificial.
Há muitos outros exemplos de transformações e sucessos quando há uma forte determinação em investir numa educação de grande qualidade.
Em vez de os senhores deputados e membros de governo viajarem pelo mundo em classe executiva, e alojados em hotéis 5 estrelas alegadamente para realizar “estudos comparativos”, esbanjando milhões de dólares todos os anos, esses milhões deveriam ser investidos em programas de apoio as nossas instituições nacionais para aquisição de bibliotecas, equipamentos de ensaios e em bolsas de estudo para estudantes de famílias mais pobres.
O nosso País é jovem, muito jovem, a soberania plena restaurada há menos de duas décadas, erigida sobre os escombros de quase total destruição em 1999, quando ao toque de meia noite de 20 de Maio de 2002, a efêmera Administração Transitória da ONU arreou a bandeira azul e em seu lugar a bandeira multicolor da RDTL ensopada de sangue de nossos heróis foi içada por um pelotão de combatentes da Pátria.
Resgatamos a nossa soberania perdida logo a seguir à heróica Declaração Unilateral de Independência no dia 28 de Novembro de 1975 constituindo a República Democrática de Timor-Leste, fruto do heroísmo dos nossos melhores, homens e mulheres, cujos corps, sangue e espíritos tornaram este solo profundamente sagrado.
Ainda tenho presente o Timor-Leste de 1975, último ano da colonização portuguesa, quando a esperança de vida de um Timorese era 36.17 anos. Este número já tristemente muito baixo desceu três anos, para 33,78, no ano 1978 e daí até 1990 oscilou de 34,26 até 50 anos.
Em 1999 último ano das duas décadas da administração Indonésia a esperança média de vida do Timorense era 58 anos, sendo 59.55 para mulheres, 56.58 para homens.
Em menos de duas décadas desde a restauração da independência, em 2018 a esperança média de vida de um Timorense teve uma melhoria dramática, passando de 56,58 anos para 69.26 anos para homens, de 59,55 para 71.38 para mulheres, um aumento médio de 12 anos, equiparado com as medias de Camboja, Laos e Myanmar.
A nível global Timor-Leste está na posição 135 entre 192 países.
Lembro que em 1974 tínhamos um único Licenciado, o Engenheiro Agrônomo Mário Carrascalão, o qual veio depois a ser o pioneiro da educação superior em TL.
No ano da restauração da independência contavam-se 21 médicos Timorenses e um Doutorado. Hoje temos mais de 1.100 médicos formados em Cuba e em TL, além de dezenas de outros formados na Indonésia, Filipinas, Portugal, Fiji, Austrália e Nepal.
Ainda tenho gravadas na memória, comprovadas com imagens, o TL de 1999, quando a nossa cidade Dili estava em ruínas, ainda com cheiro a queimado, uma cidade sem pássaros; as aves fugidas ao fogo e ao fumo do Setembro Negro não tinham regressado.
TIMOR-LESTE não tem falta de críticos nacionais e internacionais, os ditos “experts”, jornalistas e acadêmicos que tem um prazer mórbido de julgarem sempre muito negativamente este País de menos de 20 anos de idade, nascido de um parto extremamente difícil. Pois já vi gráficos partilhados no FB lado a lado com países membros da ASEAN, comparando o TL recém-nascido com outros com 50 anos de existência, de estabilidade e paz não interrompidas.
Dos escombros de 1999, do nado morto de 2002, passaram-se apenas 18 anos, para sararmos as feridas do corpo e da alma de cada família Timorense, para reconciliar a Nação dividida, para perdoarmos e reconciliarmos com os nossos vizinhos, recolher o lixo das centenas de toneladas de metais queimados, centenas de milhares de blocos de cimento das casas dinamitadas e encineradas, recompor as inúmeras pequenas propriedades de animais domésticos saqueadas e encaminhadas para o outro lado da ilha.
O Estado de Direito, laico, Democrático, vivia nos nossos corações e fervilhava na nossa imaginação durante décadas, e finalmente viu-se traduzido em tela numa Constituição em 2002 votada por uma maioria parlamentar saída das eleições para uma Constituinte.
Infelizmente os ilustres deputados da Constituinte não tiveram a sabedoria e humildade para gerar consenso e fazer adoptar a segunda Constituição da RDTL por aclamação. A maioria impôs-se, a minoria não cedeu, não houve o reencontro entre os artífices da Constituição de 2002.
Optamos pelo semi-presidencialismo português e apesar das cautelas no que concerne os poderes do Chefe de Estado, estas cautelas não foram suficientes para evitar atropelos óbvios.
Não esqueçamos que actos políticos e decisões judiciais tornados factos consumados pela via da promulgação presidencial e pela politização do poder judicial serão invocados como precedentes por outros actores políticos nalgum futuro. Precedentes que se impõe num momento serão invocados amanhã por outros detentores de poder.
Nem tudo fizemos bem. Tentamos fazer muito em regime acelerado, mas ao mesmo tempo criamos leis e sistemas que não permitiam a celeridade de decisões. Além disso, começamos com uma democracia multipartidária, sem tradição e história de democracia, surgiram mais de uma dezena de partidos logo no primeiro ano, partidos sem líderes capazes e sem programas; governos resultam de alianças negociadas não com base em programas legítimos e credíveis mas com base em exigências de pastas ministeriais, cada partido fazendo lobby, pressão, chantagem.
A comunidade internacional foi generosa mas os nossos parceiros tinham e tem as suas preferências, regidas pelas suas leis e regras. E nem sempre inspiramos confiança e respeito dos nossos parceiros de desenvolvimento. As boas vontades demonstradas pelos nossos parceiros são gradualmente diluídas pela decepção e cansaço, “donors fatigue”.
Estudei, observei, aprendi, vivi a ONU, vivi a comunidade internacional. Fazem parte da minha formação. De uma fase de ilusão e romantismo, muito natural e comum quando somos jovens, mas crescemos, aprendemos, alguns de nós mantemos os ideais da juventude, outros tornamo-nos menos românticos, mais pragmáticos, entendemos o significado das “Razões de Estado” ou “interesses nacionais”.
Fim
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