quando se culpa a vítima

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Não me calarei com este assunto
May be an image of text that says "OBSERVADOR Acidente de Cabrita. GNR analisa roupa, papel higiénico e fragmentos biológicos para sustentar tese de que vítima não estava a trabalhar Carlos Diogo Santos Texto o Observador sabe que, para provar que Nuno Santos não estava a trabalhar quando foi colhido pelo carro em que seguia o ministro,a GNR tem estado a investigar papel higiénico e fragmentos biológicos."
UM ESTADO DE BEM NÃO FAZ O MAL (PARTE VII)
Um homem morreu. Morreu, não vive mais, nunca mais abraçará mulher e filhos, nem sentirá da vida o privilégio.
Outro homem, numa confortável posição de poder pode, ou não, ter sido responsável pela morte desse homem.
Acontece tantas vezes. Acontece às vezes.
Sentava-se no banco de trás de um automóvel, o carro seguia a uma velocidade que ainda ninguém, salvo talvez o motorista, e o próprio homem no banco de trás e talvez os investigadores, e provavelmente já os técnicos da marca que examinaram a centralina do veículo e determinaram a velocidade a que ele seguia e se seguia a uma velocidade que impedisse o motorista de se aperceber que um homem estava no separador central da via prestes a atravessá-la, ou, quiçá, já a atravessá-la, e nesse caso teria tempo para
travar, desviar-se, apitar,
sei lá, não sei, não estava no banco de trás do automóvel, se estivesse teria talvez dito ao motorista, do alto (de trás) da minha posição de poder, sei lá, talvez, “abrande isso homem, vá mais devagar” e os, não sei, 200, 210, 220 km hora, ter-se-iam reduzido a 150, 140, 120
e o motorista teria tido tempo para
apitar, desviar-se, travar.
Eu não sei nada, sei apenas que não me calarei enquanto não souber.
E agora, a polícia que investiga, e em quem manda o homem que ia no banco de trás do automóvel, investiga coisas estranhas à procura de justificações que façam do morto o culpado e ilibem de vez o homem sentado no banco de trás do carro.
E afinal seria tão fácil – bastava dizerem-nos a que velocidade seguia o veículo.
Então, eu calar-me-ia. E o silêncio obrigado do homem morto confundir-se-ia com o meu resignado silêncio, apaziguada a indignação e a vergonha, e a vida, como sempre, seguiria, e do céu, do meu céu que é justo e justiceiro, não chegariam mais injunções a mandar-me prosseguir.
Já vai sendo tempo para um átimo de dignidade.
Ou não, não sei, talvez seja uma esperança vã, um sopro de ilusão.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
Esta entrada foi publicada em AICL Lusofonia Chrys Nini diversos. ligação permanente.