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Quando ainda havia humor
In ChrónicAçores uma circum-navegação vol. 2 (2007)
O narrador estaca para se explicar. Ter humor é possuir a capacidade de perceber a discrepância entre duas realidades: entre os factos (brutos) e o sonho, entre as limitações do sistema e o poder da fantasia criadora. No humor ocorre um sentimento de alívio face às limitações da existência e das próprias tragédias. O humor é sinal da transcendência do ser humano que sempre pode estar para além de qualquer situação. O humor é libertador. Por isso sorrir e ter humor sobre o que nos rodeia, sobre a violência com a qual a sociedade e as suas regras limitadoras nos pretendem submeter, é uma forma de nos opormos a ela. Somente aquele que é capaz de relativizar as coisas mais sérias, embora as assuma, pode ter bom humor. O maior inimigo do humor é o fundamentalista e o dogmático. Ninguém viu um terrorista sorrir ou um severo conservador cristão esboçar um sorriso. Geralmente são tão tristes como se fossem ao seu próprio enterro. Basta ver os seus rostos crispados, as mentes cravejadas de preocupações e dores.
Como afirmava Nietzsche, “festejar é poder dizer: sejam bem-vindas todas as coisas”. Pela festa o ser humano rompe o ritmo monótono do quotidiano. Façam uma festa, proclama JC despedindo-se com uma baforada tabágica.
Era com este tipo de humor sardónico e cáustico que JC enfrentava diariamente este mundo que se lhe tornava alienígena. Essa boa disposição fazia aflorar-lhe uma espécie de sorriso que raramente mostrava, fosse a quem quer que fosse. A sua fácies era sisuda como fora a de seu pai, resguardado no silêncio e na aparente antipatia para se proteger dos que o rodeavam. Não se espantava que houvesse blogues que se limitavam a recordar:
Um tempo em que:
Havia liberdade de andar nas ruas às tantas sem ser assaltado,
Havia segurança (e fartura) de emprego e desenvolvimento económico sem esmolas,
Se podia dar e receber boleia sem ser assaltado, as pessoas, nomeadamente os que viviam no ventre materno e os idosos, eram respeitados,
Não se era torturado permanentemente e de todas as formas por publicidade falaciosa,
Se podia confiar nos outros e havia PALAVRA,
Não havia carjacking ou bullying nas escolas,
As pessoas se preocupavam mais com o ser do que com o ter,
As crianças eram respeitadas nas escolas sem receberem lavagens ao cérebro contra este ou aquele, ou violadas na sua natural sensibilidade,
Tínhamos políticos ao serviço da Nação e não ao serviço dos seus bolsos e os dos amigalhaços,
Uma fundação tinha uma intenção altruísta e não de camuflar tráfico de influências, diamantes, marfim etc.,
O horário de trabalho não ia além das 48 horas semanais em vez das 65 horas que nos querem impor,
Eram construídas escolas, liceus, centros de saúde, bairros sociais, hospitais, universidades, etc.,
Os criminosos estavam nas cadeias em vez de ocuparem lugares de poder,
Um aluno que fizesse a 4.ª classe sabia ler, escrever, fazer contas, onde ficava o rio Minho, o Algarve ou Timor,
Ninguém concluía o 5.º ou 7.º anos dos liceus ou tirava uma licenciatura ou doutoramento por cunha de qualquer espécie, mas antes, tinha que mostrar o seu mérito,
Portugal não tinha que andar a curvar a cerviz, frente a torcionários, por causa do petróleo ou outro qualquer bem, como agora fazia esse primeiro-ministro de seu nome Sócrates (apenas no nome) que se tornara amante de ditadores como Hugo Chávez, Putin, José Eduardo dos Santos em troca do petróleo manchado de sangue que eles lhe podiam proporcionar.
Sem questionar o feminismo ou outros ismos: antisionismo, antialentejanismo, antilourismo (das loiras) todas as piadas são objeccionáveis porque se baseiam em estereótipos da sociedade, sejam eles humanos, animais ou até mesmo políticos que não são uma nem outra. Assim, depois de todas as pessoas defensoras desses “ismos” terem colocado as suas objeções porque são a favor do Obama ou do Bush, ou do Sócrates, porque se baseiam em estereótipos de mulher, de louras e louros, de alentejanos, de políticos e políticas (mas destas ainda há poucas), de judeus (e outras religiões como o cristianismo ou islamismo por ex.), de nacionalidades ou continentes de origem como com os africanos, os pobres, os ricos, os estudantes e os professores, os animais (mesmo aqueles que estão nas malas dos carros junto com a esposa ou esposo), verão o que fica: NADA. Acabava-se o humor. Ao reproduzir, a seguir, Mayakovski e Brecht pretendia alertar que se sentia muito mais incomodado com a violência, gratuita ou não, com as imagens cheias de “innuendo” (insinuações) da TV diária desde os telejornais às séries, pois essas são as armas de estupidificação globalizante que a todos corroem.
O humor, esse usa a linguagem dos estereótipos que hão de ser substituídos com o tempo assim como a frase bota-de-elástico foi substituída por “cota”. Foi assim que desde a década de 1980 vira surgir a censura dissimulada em fundamentos razoáveis e aceitáveis, pretendendo sanitizar as mentes como vira na austrália quando o politicamente correto foi introduzido na linguagem em meados daquela década. Como tradutor profissional tivera de o seguir mas como ser humano, inteligente (no sentido de pensante) recusava-o tanto hoje como ontem. Com o politicamente correto acabava-se o humor. Esse o cerne da questão que ninguém queria ver. Deve lutar-se contra a discriminação, em todas as suas formas, contra o assédio sexual, político e outros, lute-se contra a nova norma europeia (trabalho até 68 horas semanais), lute-se contra o salário mínimo de miséria e de exploração (reminiscente do início da Revolução Industrial), contra as quotas ou falta delas nos elencos femininos do governo, contra a falta de acesso a pessoas com deficiências de qualquer tipo, lute-se contra isso tudo mas deixem o humor de lado, a menos que seja difamatório (mas sem ser pelas normas norte-americanas), grosseiro, imoral, amoral,..
Quando se definira politicamente incorreto, é porque o politicamente correto é a forma mais fascista de sanitizar a língua, o pensamento e a vida em geral, criando uma sociedade assética e inócua. Todos iguais e cinzentos de acordo com a norma…Ninguém precisa de pensar nisto pois o futuro provará a sua veracidade melhor do que o Orwell alguma vez podia prever no 1984 ou outros ensaios semelhantes: a realidade já ultrapassou a ficção há muito. Quem primeiro o antecipou foi Mayakovsky – poeta russo “suicidado” após a revolução de Lenine que escreveu ainda no início do século XX
Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei .
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar…”
Martin Niemöller, 1933 , símbolo da resistência aos nazistas.
Parodiando o pastor protestante Martin Niemöller, símbolo da resistência nazista:
“Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima,
Depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles;
Depois fecharam ruas, onde não moro;
Fecharam então o portão da favela, que não habito;
Em seguida arrastaram até a morte uma criança,
que não era meu filho…”
Cláudio Humberto, 09 Fev. 2007
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
É PRECISO AGIR
Bertold Brecht (1898-1956)
Um passeio com Mayakovsky
Na primeira noite
eles se aproximam
e colhem uma flor
de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite,
já não se escondem :
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles,
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz
da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.
Tudo que os outros disseram fizeram-no depois de ler Mayakovsky. Incrível é que após mais de cem anos dessa lição, ainda nos encontremos tão desamparados, inermes e submetidos aos caprichos da ruína moral dos poderes governantes, que vampirizam o erário, aniquilam as instituições, e deixam aos cidadãos os ossos roídos e o direito ao silêncio: porque a palavra, há muito se tornou inútil! Agora, o politicamente correto ameaça o humor.
Aliás, não era só aqui que a situação era preocupante, com os novos canudos por encomenda, a passagem de todos os iletrados de qualquer nível do ensino, a massificação da ignorância nacional, o entorpecimento da mente através de uma programação subliminar, previamente preparada em gabinetes de psicologia de guerra, a destruição dos pilares tradicionais da sociedade contemporânea portuguesa, incluindo a família, professores, juízes, médicos, militares e outras instituições visava um plano sabiamente arquitetado por essa divindade humana que acumulava funções com as de primeiro-ministro. A ideia era criar uma sociedade dócil, massificada na sua ignorância através das “Novas Oportunidades” e de outros diplomas a “martelo”, incapaz de pensar, de argumentar, de discursar ou filosofar. Como os professores novos já pertenciam a essa “colheita”, em breve toda a nação portuguesa se regeria por esse protocolo entorpecente, seria depois muito mais fácil, manipulá-los, enganá-los e explorá-los. Por outro lado, toda a sociedade iria depender economicamente do Estado para desenvolver os seus projetos e as suas atividades. Cada vez mais, a teia se enrolava em volta do pescoço de Portugal, como uma cascavel, sugando toda a vida e liberdade. Nem Salazar nem Orwell conseguiram conceber um plano tão maquiavélico, nem jamais teriam os meios de o implementar. Perguntar-se-á, então ninguém dá conta? Alguns darão, mas como não podem escrever livremente, nem os jornais ou telejornais aceitariam um discurso crítico destes, o povo fica sem acesso a essas opiniões divergentes e incapaz de sequer as equacionar. Dentro de uma ou duas gerações, Portugal terá a população mais dócil e manipulável de toda a Europa Ocidental. Todos diplomados, licenciados, mestrados, com diplomas de literacia, mas poucos saberão ler e escrever e menos ainda terão a capacidade de discernir ou pensar livre e criticamente. E a ditadura, instaurada agora sub-repticiamente, esconder-se-á sob o manto diáfano da democracia.