PUTIN E O XADREZ

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Bom dia, amigos.
Já muito se escreveu sobre Vladimir Putin devido à invasão da Ucrânia.
Uns chamam-lhe isto, outros aquilo.
A grande maioria diz dele cobras e lagartos.
Há até quem ponha em causa a sua sanidade mental, atendendo a que estamos no século XXI e que os diferendos já não se deveriam resolver pela força das armas.
Mas vejamos, afinal quem é Putin e o que pretende?
Putin nasceu em 1952, quando São Petersburgo ainda se chamava Leninegrado.
Ali fez os seus estudos de Direito, com a curiosidade de o seu tutor se chamar Anatoly Shobchak, mais tarde um dos principais políticos reformistas durante a perestroika.
Concluído o curso, sem meios de fortuna, Putin fez o que muitos russos estavam habituados a fazer – procurou uma saída no todo-poderoso Estado soviético.
Serviu 15 anos no famigerado KGB, o comité para a segurança do Estado.
Nunca foi um 007.
Era apenas um burocrata.
Chegou a estar colocado seis anos em Dresden, na então República Democrática Alemã.
Viu outros mundos.
Em 1990, retirou-se do KGB, onde tinha atingido o posto de tenente-coronel, e regressou à sua cidade natal para se tornar responsável pelas relações externas da universidade.
Sob a tutela de Shobchak, entretanto alcandorado a presidente da Câmara de Leninegrado, subiu rapidamente na hierarquia.
Após a implosão da União Soviética, tornou-se “vice” do seu tutor.
Mas a agora São Petersburgo tornara-se pequena para Putin.
Mudou-se para Moscovo, onde já sob a liderança de Boris Ieltsine e graças ao seu passado ascendeu à chefia do FSB, que substituiu o KGB.
Nesses anos, Putin, como muitos quadros do antigo regime, viu com amargura e saudosismo no que se transformava a Rússia, ferida pela pobreza e pelo banditismo galopante.
Não raras vezes humilhada pelo Ocidente.
Permitam-me um pequeno parêntesis para sublinhar que quando a URSS implodiu era a terceira potência económica mundial, logo atrás dos Estados Unidos e do Japão.
Hoje é a décima primeira.
Para homens como Putin, que acredita piamente que o destino da Rússia vai do Báltico a Vladivostok, tal estado de coisas é inadmissível.
Graças à lealdade, uma das suas principais carcaterísticas, demonstrada face a Ieltsine, este recompensou-o com o cargo de primeiro-ministro em 1999, altura em que a Chechénia começou a arder.
Putin rapidamente disse ao que vinha – lançou uma campanha brutal de repressão contra os rebeldes islâmicos daquela república secessionista.
Putin era então praticamente um desconhecido, mesmo entre o seu próprio povo.
Mas foi rapidamente alcandorado à categoria de herói.
A sua frieza e calculismo passaram a ser vistos com apreço, em contraste com o que sucedia com Ieltsine, que saía de uma bebedeira para logo entrar noutra.
Para ele o Estado é tudo.
A Rússia é tudo.
Para os russos comuns, zombificados por décadas de ditadura comunista, isto soou a música para os seus ouvidos.
Tinham finalmente um novo czar?
Um novo “paizinho” para olhar por eles?…
No fim desse ano de 1999, de forma inesperada, Ieltsine apresentou a sua demissão e nomeou Putin para a chefia do Estado.
No ano seguinte, o austero e reservado presidente ganhou facilmente as eleições.
Legitimado nas urnas, prometeu que ia ter dois objectivos: combater a corrupção e as mafias e criar uma economia de mercado, mas regulada pelo Estado.
O Estado, sempre o Estado na Rússia.
Putin viajou e conheceu mundo.
Deixou-se seduzir pela economia de mercado e nada tem contra a inviolabilidade da propriedade individual.
Não tem qualquer simpatia pelo comunismo.
Apenas pela glória passada da URSS.
O que se compreende, se atendermos a que angariou uma fortuna pessoal mais do que considerável.
Mas acima de tudo, mais uma vez, é um homem que acredita no controlo do Estado sobre a sociedade.
Ao mesmo tempo, procurou consolidar o apoio interno.
Transformou a gigantesca salgalhada das 89 repúblicas e regiões russas em sete distritos federais, para cujas chefias nomeou pessoas da sua inteira confiança.
Em simultâneo, tentou reduzir o poder dos oligarcas, lançando inclusive vários procedimentos criminais contra estas figuras que tinham acumulado fortunas fabulosas após a implosão da União Soviética.
Ao mesmo tempo, na boa linha soviética, cultivava a sua imagem.
Para os russos personificava o czar invencível, um novo Pedro, o Grande, aparecendo na televisão a nadar no gelo, a lutar com ursos, a derrubar campeões de judo.
Depois dos anos terríveis que se seguiram à queda da URSS, a economia russa dava finalmente mostras de alguma pujança, o que aumentou o poder de compra do cidadão comum e valeu a Putin nova reeleição em 2004.
Quatro anos depois, contudo, a Constituição impediu-o de se manter na chefia do Estado, tendo então nomeado Dmitry Medvedev para o seu lugar.
Contudo, no teatro de sombras russo, era ele quem puxava os cordelinhos, agora como primeiro-ministro.
Com o poder mais do que consolidado, Putin deixou cair a máscara e disse ao mundo ao que vinha – readquirir o domínio da área de influência da antiga União Soviética.
Ciente da fragilidade da NATO em solo europeu, percebendo que os Estados Unidos tinham apostado quase tudo no Pacífico e elegido a China como adversário potencial, mexeu um peão na direcção do elo mais fraco: a Geórgia.
Em escassos 12 dias, Putin conseguiu o que pretendia: abocanhar a Ossétia do Sul e a Abkházia aos georgianos.
O Ocidente, tal como o presidente russo previra, praticamente não se mexeu.
Tinha assim as mãos livres para preparar a jogada seguinte.
Em 2012, trocou novamente de lugar com Medvedev e voltou a assumir a chefia do Estado.
Ciente do poder que tinha conquistado, Putin decidiu tirar as luvas.
Multiplicaram-se as detenções dos seus opositores em solo russo.
E os que não foram presos foram assassinados, a tiro ou com veneno, arma de eleição do antigo KGB.
Com a oposição interna silenciada, o presidente russo, jogador de xadrez experimentado, decidiu avançar mais um peão.
O pretexto chegou com o afastamento do poder do seu homólogo ucraniano, Viktor Yanukovych, um fantoche do Kremlin.
Putin recusou reconhecer o novo Governo de Kiev e despachou forças militares para a Crimeia, argumentando que urgia defender os russos que ali residiam.
Mais uma vez, o Ocidente não se mexeu.
Encorajado, tentou o mesmo no Donbass, mas os ucranianos desta feita resistiram.
Uma e outra vez Putin negou a pés juntos que estivessem tropas russas no Donbass, mas foi desmascarado quando o voo MH 17 das linhas aéreas da Malásia se despenhou no Leste da Ucrânia, abatido por um míssil russo disparado por engano por tropas estacionadas naqueles territórios.
Porventura devido a esse incidente, Putin mostrou retracção em avançar em força no Donbass.
Do ponto de vista militar foi um erro, pois o conflito manteve-se latente e permitiu à Ucrânia construir um forte dispositivo defensivo nos últimos anos.
A 29 de Setembro de 2015, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, Putin apresentou a sua “visão” ao mundo: a Rússia era novamente uma grande potência, capaz de ombrear com os Estados Unidos e com potencial para intervir em qualquer parte do mundo.
O então presidente americano, Barack Obama, sorriu e recordou-lhe que a Rússia não passava agora de uma potência regional.
Putin, humilhado, nunca lhe perdoou.
Decidido a mostrar o poderio da Rússia, empenhou-se a fundo no conflito sírio, usando como pretexto um apelo nesse sentido feito pelo seu aliado Bashar al-Assad, a quem forneceu uma ajuda militar que se revelou preciosa na luta contra os rebeldes.
Entusiasmado, convenceu-se de que a Rússia é de facto capaz de reentrar no Big Game geo-estratégico, algures entre os Estados Unidos e a China.
Tem os meios e a vontade.
Se tiver de sacrificar milhares de russos pelo caminho, pois paciência.
Será o preço a pagar.
Tentou assim uma jogada mais arriscada, lançando agora contra a Ucrânia um bispo, o qual está porém algo periclitante.
Mas ainda tem torres, que poderá aspirar lançar noutras direcções.
A rainha, essa, guarda-a para o dia em que tiver de defrontar a NATO.
Só que aí não haverá vencedores.
Será um xeque-mate com sabor a empate que ninguém irá saborear.
Uma boa quinta-feira para todos.
(da página do Facebook de Jorge Alves).
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