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Quando entrar hoje no Solar da Madre de Deus, em Angra do Heroísmo, para ser ouvido pelo representante da República nos Açores, José Manuel Bolieiro levará debaixo do braço uma alternativa de governo para a região. Durante as duas últimas semanas, o presidente do PSD no arquipélago cozinhou diferentes acordos para apear Vasco Cordeiro (que ganhou as eleições) e, em silêncio, foi gerindo os estados de alma locais e as pressões que lhe chegavam de Lisboa.
Com CDS e PPM “amarrados” a um executivo que mimetizará a antiga Aliança Democrática (AD) e com os apoios parlamentares da Iniciativa Liberal e do PAN praticamente assegurados, o Chega foi sempre a grande incógnita da equação. André Ventura ainda ameaçou chumbar a ‘geringonça’ de direita, mas acabou por cair na armadilha que montou. O entendimento, anunciado ontem, in extremis, pelo próprio Chega, foi apenas uma forma de salvar a face, dado que um dos deputados eleitos para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores estava prestes a desertar, contaram ao Expresso várias fontes conhecedoras das negociações.
Logo na noite eleitoral, Ventura atropelou a autonomia regional e deu sinais de querer transformar a discussão sobre uma maioria de direita insular num teste de stresse a Rui Rio e a Francisco Rodrigues dos Santos. No meio de um caderno de encargos para os Açores, introduziu exigências de âmbito nacional (como a proposta de revisão constitucional) que o PSD recusou acompanhar. A meio da semana, ainda falou grosso, mas ficou a falar sozinho. Nem Rio nem Bolieiro deram troco porque estavam convencidos de que poderiam seduzir Carlos Furtado, presidente do Chega/Açores, a mudar-se para o lado social-democrata. “Afinal, os próprios deputados dele desarmaram-no…”, ironiza um alto dirigente do PSD. Um elemento da Comissão Executiva do CDS adota um tom ainda mais ácido: “Entrou como um leão, saiu como um sendeiro.”
Assim, menos de 24 horas depois daquela que parecia ser a decisão irrevogável de inviabilizar um executivo de direita, Ventura recuou. Em comunicado, o líder do Chega anunciou ontem que o partido votará a favor do programa governo liderado por Bolieiro, alegando ter encontrado “pontos de convergência” com o PSD. Entre eles, está a “redução significativa” de subsidiodependência na região e a criação de um gabinete regional de luta contra a corrupção. Certo é que a principal bandeira de Ventura fica sujeita ao calendário do PSD: Rio só se compromete a entregar um projeto de revisão constitucional até ao final do ano político e sem as medidas extremistas do Chega.
O projeto deverá incluir a redução do número de deputados e a reforma no sistema de Justiça, que o PSD, de resto, já tinha inscrito no programa com que foi a votos. “Estes não são todos os pontos que gostaríamos de ver transpostos para uma revisão constitucional, mas representam a garantia que teremos um dos grandes partidos a defender pontos de vista que consideramos muito importantes na revisão constitucional que entendemos que o país deve fazer”, admitiu o líder do Chega na mesma nota.
O TIRO AO CDS
Seja como for, o plano de Ventura era rebuscado mas também maquiavélico. Por um lado, se Rio aceitasse ir a jogo com um projeto para alterar a Constituição, estaria a normalizar a direita radical. Por outro, se recusasse (como ficou claro, desde o início, que faria), Ventura inviabilizaria uma solução não socialista e mergulharia os Açores no caos.
Mas Ventura nunca pretendeu verdadeiramente entender-se com os sociais-democratas — conta ao Expresso uma fonte que acompanhou o processo —, fê-lo apenas por não ter alternativa. Queria implodir a ‘caranguejola’ mesmo antes de ela ganhar forma para que Artur Lima, presidente do CDS/Açores, acabasse por salvar o PS no fim de linha, através de um pacto com Vasco Cordeiro — com o qual chegou a reunir-se, na semana passada, na sua casa, em Porto Martins (na Terceira).
O alvo de Ventura é “Chicão”. Pretende desgastá-lo ao máximo. E os Açores seriam só um meio para fragilizar ainda mais os democratas-cristãos. Na quinta-feira, quando deu uma conferência de imprensa em que ameaçou reprovar um eventual executivo encabeçado por Bolieiro — hipótese que o Expresso noticiou na véspera —, o líder do Chega garantiu que o partido não tinha medo de ir novamente a votos e reiterava que não abdicaria da sua cruzada constitucional. Por isso, insistiu numa frase que é uma declaração de guerra: “Nós não somos o CDS.”
Da direção centrista, que tem evitado imiscuir-se no dossiê que está a ser tratado por Artur Lima, a resposta não é meiga. Recorda-se que “nem no cavaquismo o partido foi engolido”, insinua-se que Ventura é o “cavalo de Troia” do PS e até já se goza com o líder partidário que “tentou falar mais grosso do lhe permite a voz que tem”.
No PSD, o júbilo é mais contido. Embora haja algum alívio por não ser preciso aprofundar a relação com Ventura, a verdade é que a dependência dos humores do líder do Chega não agradam. Nem a colagem à direita populista que começou a ser feita assim que o Expresso noticiou a hipótese de haver um papel semelhante às posições conjuntas que António Costa assinou com BE, PCP e PEV em 2015. O silêncio de Rio e de toda a sua direção sobre este entendimento é sintomático. Carlos César, presidente do PS e antigo líder do governo regional, deu o mote às críticas. “Que vergonha! São capazes de tudo… até de se ajoelharem em frente ao diabo”, escreveu no Facebook. À direita, as reações também prometem ser ácidas.
ACORDOS ESCRITOS COM CHEGA E IL, PAN À SOLTA
Os entendimentos de incidência parlamentar que vão permitir a José Manuel Bolieiro formar um governo de direita nos Açores vão mesmo, como noticiou o Expresso em primeira mão, ter tradução escrita. Os documentos ainda estão a ser preparados, mas o Expresso sabe que só o PAN não terá um papel assinado, uma vez que se excluiu de qualquer solução em que o Chega estivesse envolvido (ainda que não seja certo como votará o programa da geringonça 2.0). A Iniciativa Liberal apresentou até um documento com 12 pontos essenciais para a governação e espera apenas a resposta de Bolieiro. “Está do lado do PSD responder a esse documento e à calendarização”, diz fonte dos liberais nos Açores, que apela à simplificação, desburocratização e redução da carga fiscal para os açorianos e empresas locais. Nuno Barata, líder regional, frisa que a região precisa de estabilidade e de reformas.

LEITOR.EXPRESSO.PT
Semanário | PSD e CDS põem Ventura no arco do poder
Líder do Chega montou uma armadilha, mas José Manuel Bolieiro segurou a maioria em cima da hora
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