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PROSA À FERREIRA ALVES
Poucas coisas são tão boas como o burburinho de uma esplanada e da vida que por lá corre sem nos avisar.
Sento-me para repousar as feridas de guerra. A pele já não aguenta as marcas citadinas tantas vezes repetidas numa Europa que ferve no verão, entre alcatrão e arte secular.
Sou cada vez menos entusiasta do velho continente, constato isso. Troco um dia numa aldeia do Ruanda por uma semana em Paris.
O rapaz não me deixa sentar. Diz que a esta hora só para quem come. Olho para ele, cansado, e digo, tudo bem, eu como então.
Ele tira-me as medidas e arrisca, “queres umas batatas?”. Passo sempre por pobrezinho da Jonet. Não sei se é dos calções rotos, da t-shirt rota ou dos ténis rotos. Algo em mim emana a pobre e por mais assinaturas premium do spotify que faça, parece ser algo que levarei para a cova.
Desafio a estatística e peço calamares, só para ele perceber o que é esbanjar. Calamares são chocos maricas que nunca se banharam no Sado. Em princípio ja ofendi alguém.
A propósito, no outro dia, o meu filho discutia as eleições que se avizinham na Suécia, em debate com a turma. Está numa escola nova, a pública lá da zona, que mistura o pessoal todo, latinos, árabes, africanos e, aqui e ali, um ou outro sueco para colorir. A meio do debate disse ao professor que se ele votasse no SD (Chega), despachava 1/3 da turma. Todos ficaram a rir e ele, orgulhoso, disse-me: “pai, tens que aprender a conhecer o público”.
As francesas da mesa do lado avisam o empregado de mesa, depois de ele as abordar em castelhano, que só aceitam que ele fale francês. Nem catalão, nem castelhano e tão pouco inglês. O rapaz que se oriente na única língua que elas falam e o mundo que se desenrasque, quando elas querem conhecê-lo.
Napoleão deveria ter levado naquele toutiço muito antes da canção dos Abba. O mundo seria um lugar menos irritante e ninguém fala disso. Só sementes de chia e bifes maturados até uma pessoa perder o norte.
Em frente desfilam os tik-tokers. Há aqui um ângulo entre o caixote do lixo e a sombra da árvore que deve dar para fazer uma cena porreira. Não apanham a ponta das torres, porque isso é impossível, mas dá para perceber que estão num sitio emblemático, daqueles que as pessoas no Texas sonham um dia visitar porque apareceu num filme da Julia Roberts.
Não há maneira destes gajos acabarem a obra ou da Estrella saber a cerveja.
Dava o meu pé direito, o pior, por umas férias no Ruanda.
