premonições de 2007 para o futuro dos Açores

pode ler-se em ChrónicAçores uma circum-navegação vol. 1 (2007)

 

(obra disponível aqui https://blog.lusofonias.net/chronicacores-uma-circum-navegacao-vol-1/)

 

8.5. O FUTURO DOS AÇORES E UMA MÃO CHEIA DE IDEIAS A DESENVOLVER

Chega de discutir o mundo, vamos transformá-lo.

Karl Marx (filósofo alemão 1818 -1883)

Muito a dizer sobre esta temática, agora que S. Miguel cada vez mais se parece com o continente e as restantes ilhas parecem os Açores. Aliás, muitos micaelenses já assim tratam os restantes habitantes do arquipélago como sendo os “Açores”. Trata-se duma transferência psicológica do complexo de superioridade da metrópole portuguesa para a ilha de S. Miguel e desta para as restantes ilhas. Quando, em 2008, Ponta Delgada entra na sua fase de “funchalização” e tenta atrair os grandes navios de cruzeiro pode – se for bem-sucedida, – estar a resolver o problema dos “vaqueiros”. Com efeito, daqui a seis anos ou menos deixará de haver fundos europeus para a excessiva produção de leite que se regista na maior parte das ilhas. Depois do fim da gesta heroica e brutal dos baleeiros, que Dias de Melo tão bem retratou, aproxima-se o fim da era do leite. Virão dias de fome e de aflição. No entanto, nada ou muito pouco foi feito para a reconversão dessas centenas largas de famílias que vivem do “leite” num ciclo vicioso de maiores produções para “sacar” maiores fundos europeus.

É preciso haver visão como quando o chá sucedeu às laranjas. Os políticos insulares, como os seus congéneres continentais vivem nas suas torres de marfim condicionados ao ritmo da reeleição e não deverão ter visão para “imaginar” os Açores daqui a 20 ou 30 anos. Talvez a sociedade civil (se existir, pois passa despercebida a maior parte do tempo) pudesse contribuir com uma série de iniciativas pensantes sobre que futuro quer para estas nove ilhas. Sempre era melhor do que navegar à vista, sujeitos aos ventos de bolina que nos podem arremessar para mares desconhecidos cheios de personagens lendárias como Adamastor ou de meros eventos naturais como furacões a juntar ao nosso habitual ciclo do fogo vulcânico e da terra a tremer. Quem sabe se não poderiam converter as vacas leiteiras em produtoras de carne da melhor qualidade para exportação, usando a tecnologia existente e a mão de obra local atual sujeita a uma apropriada componente de atualização de formação e desenvolvimento pessoal? Nos EUA já há quem aproveite o estrume do gado bovino para produzir energia ecológica…será que estes campos podem produzir biodiesel?

Na data em que escrevia, as manchetes dos jornais falavam da crise institucional criada pelo novo estatuto autonómico, oportunidade gloriosa para se pensar não apenas na autonomia política mas na verdadeira autonomia que pode projetar para voos mais altos: a autonomia financeira, capaz de suportar os custos normais da insularidade que torna proibitivas as viagens entre ilhas, que coloca preços exorbitantes em estabelecimentos hoteleiros só para ricos ou estrangeiros oferecendo em troca serviço de qualidade muito inferior ao que seria de esperar para os preços praticados. Como a maior parte da população já vive nos Estados Unidos da América e do Canadá por que não pensar numa associação a esses países, que talvez fosse mais proveitosa do que a pseudoautonomia de Portugal? Poder-se-ia criar uma união como a de Porto Rico já que passar a Estado depois do Havai parece ser difícil. Podia-se manter a língua e cultura portuguesas e beneficiar de “greencards” para toda a população que iria decerto emigrar, tornando mais rentável a manutenção das ilhas como destino turístico e de férias dos saudosistas. São ideias arrojadas como estas que podem propulsionar para o futuro em vez de se ficar dependente da autonomia portuguesa, ou de sonhar dissimuladamente com uma independência que nunca virá.

Por outro lado, e falando mais seriamente, como a terra é fértil quando se acabarem as vacas gordas leiteiras poderiam diversificar e produzir queijos, ou carne de vaca de qualidade. Poderiam aproveitar os solos úberes para produzir produtos agrícolas para mercados de nicho e exportar para o mundo. Infelizmente ainda não vira nem ouvir nenhum dos técnicos agrários, vulgo engenheiros, propor ou estudar quais os mercados de nicho que estas férteis terras poderiam fornecer. Crê-se que o turismo de iates e de cruzeiros para um escalão alto (e por isso se vai duplicar o número de camas existentes nos próximos cinco anos) irá trazer alguns benefícios e mais prejuízos com um agravamento automático do custo de vida, da inflação. Preços inflacionados para turista rico é já hoje a norma… Trata-se de um segmento altamente difícil de prever, pois funciona com ondas e picos de moda e por isso, mesmo que a ideia “Açores” pegue, nada garante que se vá manter a menos que se consiga conservar e inovar a oferta de serviços distintos e diversificados dos restantes mercados. A aposta em si é tão ambiciosa como as “Portas do Mar” a que atrás se referiu e cujos resultados só serão visíveis dentro duns cinco anos ou mais. Parece limitada pois ao colocar os ovos todos numa mesma cesta não se salvaguarda o que pode acontecer com uma crise continuada dos combustíveis a preços exorbitantes.

Ainda neste campo continua a falar-se em criar mais campos de golfe, já Portugal começa a parecer um enorme campo de golfe (desconhece-se onde se irão buscar tantos golfistas como os necessários para os manter abertos…). Em sua modesta opinião poderia aproveitar-se a criação do chamado turismo marítimos subaquático aliando este à exploração científica dos mares dos Açores. É ecológico, existe uma componente “verde” importante, o mercado está em crescimento e a oferta a nível mundial ainda é escassa. No turismo tipo aventura poderiam aproveitar-se melhor as potencialidades do perigo do mau tempo no canal, atraindo um enorme potencial de aventureiros para sentirem o que em tempos idos os baleeiros sentiam nas suas “cascas de noz,” nesses botes onde a audácia e a coragem se sobrepunham por vezes à fúria assassina dos elementos.

Outra atividade que poderia ser melhor aproveitada como subproduto turístico era a das caminhadas e montanhismo vulcânico, que poderia criar vagas para alguns dos licenciados em vulcanologia pela Universidade dos Açores servirem de guia na exploração dos milhentos vulcões terrestres guiando as pessoas pelas grotas acessíveis, explorando as caldeiras, explicando as colossais forças da natureza que construíram estas ilhas. Notara JC a falta desta atividade recentemente ao visitar S. Jorge, Pico e Faial. Nestas caminhadas poderiam usar-se biólogos para explicar a flora endémica e a fauna das ilhas (como por exemplo se está a começar a fazer para o priolo) incluindo garajaus, cagarros, etc., criando-se centros de interpretação em cada ilha como já existe no Faial com o Centro do Mar na antiga Fábrica da Baleia, no Pico com o Museu da Indústria Baleeira em S. Roque e Museu dos Baleeiros nas Lajes do Pico.

Podiam aproveitar-se os cortejos etnográficos, dar-lhes uma componente mais turística e mais cientificamente histórica como forma de atrair emigrantes e turistas, para festas que são tão diferentes das restantes. Assim como na Lomba da Maia se criou o Museu do Linho, na Lombinha da Maia (ambas em S. Miguel) se ensinam homens a trabalhar na tecelagem tradicional, como na Maia (S. Miguel) se prepara um Museu do Tabaco, falta unir as duas restantes fábricas de chá para criarem um único e condigno Museu do Chá, tarefa que a Confraria do Chá de Porto Formoso, deveria ter como prioridade…Podiam e deviam manter-se abertos [para lá do horário normal do funcionamento das repartições públicas], os Museus, que tão do agrado são dos turistas que nos visitam (como forma de garantir a vinda de outros interessados).

Podia dar-se emprego a tanto pescador desempregado (e a receber o Rendimento Mínimo ou de Reinserção Social sem nada dar de volta à sociedade) criando pequenas firmas para passeios de barco na costa das ilhas, nos meses turísticos (junho a setembro) e em que o mar permite a saída dos pequenos barcos de pesca. Assim, mantinha-se a indústria de construção desses botes e pequenos barcos pesqueiros e usava-se a sabedoria desses homens do mar para levarem turistas a tantos pontos da costa sem acesso por terra (isto é particularmente importante em ilhas como a de S. Jorge ou a costa norte da ilha de S. Miguel. Sabe-se que para tal seria necessário agilizar a burocracia (criando um verdadeiro “Simplex”) e as obrigatoriedades legais, mas num país em que as Reservas Naturais podem ser vandalizadas por um qualquer “PIN” (projeto de interesse nacional) de exceção, também essas exceções se podiam aplicar.

Claro que para tudo isto seria preciso qualificar uma mão de obra patentemente subqualificada ou inqualificada e para isso seriam precisos os tais líderes, a tal sociedade civil com visão de futuro, cuja inexistência parece ser a norma nas nove ilhas do meu descontentamento futuro. Em plena campanha eleitoral não se ouviu uma só ideia original que visasse o futuro, mas apenas metas a muito curto prazo para garantir os ciclos eleitorais e as reeleições. O governo foi reeleito ainda com uma maioria absoluta e mais quatro anos do mesmo ciclo se seguem. Que sejam profícuos. INOVADORES, OUSADOS E COM VISÃO DE FUTURO. Só assim se cumprem as autonomias. Assim se completa esta primeira circum-navegação do mundo com regresso à ilha de S. Miguel nos Açores, centro da Atlântida e do mundo. A ilha imaginária (a tal a que chamara Autonomia) lá está no horizonte a acenar. Vamos para lá.

As nossas dúvidas são traidoras, fazem-nos perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de errar.

William Shakespeare