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Chrys Chrystello
há anos na austrália tivemos o plainenglish a descodificar os textos e leis dos políticos não sei como isso andará hoje
Paula Cabral and Luís Aguiar-Conraria shared a post.
A Cristina Nobre Soares explica tão bem porque precisamos de “falar claro”.
«Uma vez, num almoço de anos de um amigo, durante aquelas conversas de circunstância que estabelecemos com outros convivas e que invariavelmente chegam à parte do “Em que é que trabalha?”, respondi que trabalhava em linguagem clara. Expliquei que trabalhava numa empresa que simplificava textos de modo a que todos percebessem (na altura ainda não trabalhava em comunicação de ciência).
O senhor olhou para mim horrorizado.
– Agora simplificam tudo! Faz algum sentido simplificar Fernando Pessoa, por exemplo? Que disparate!
Ri-me, e tenho ideia que talvez me tenha rido um bocadinho demais… Lá lhe expliquei que deixávamos o Fernando Pessoa em paz, que isso era literatura, que a linguagem da literatura tinha o seu lugar e não era para simplificar. Que o que fazíamos era simplificar textos que interferiam directamente na vida das pessoas, enquanto cidadãos, como os dos documentos dos bancos, seguradoras, operadoras telefónicas, segurança social.
-Ah, bom, isso faz o seu sentido. – respondeu-me o senhor visivelmente aliviado.
Pois faz. Faz todo o sentido.
Invariavelmente, nos meus cursos de comunicação clara de ciência, há sempre o momento em que alguém manifesta o seu desagrado “por se descer na linguagem”.
O verbo descer, neste contexto, cansa-me tremendamente, confesso.
Lá explico, tentando vender o meu peixe, que nestas coisas da linguagem, a menos que se fale mal e de um modo desleixado, nunca é uma questão de “descer” ou “subir” na linguagem, mas sim de a adaptar ao contexto, ao nosso objectivo e a quem nos lê (ou ouve). Que da mesma maneira que nos vestimos de uma maneira diferente para ir ao almoço de Domingo a casa da sogra e a uma recepção da embaixada (a menos que a sogra faça parte do corpo diplomático), também não falamos da mesma maneira com toda gente. Há gravatas que fazem sentido em certas ocasiões, assim como há sapatos de verniz que se descalçam. Acrescento também que podemos ser claros em vários registos. Desde que o façamos com um objectivo e desde que não o façamos só para nos armar ao pingarelho. Que também pode ser um argumento válido, desde que seja consciente.
E termino sempre lembrando que os maiores beneficiados da clareza da nossa linguagem somos nós. Que, surpreendentemente, não, não é um magnânimo acto de generosidade para com esse povão iletrado, que nem uma bula de medicamento sabe ler. Esse povão que bem que podia ir ao Google para perceber o que estamos a dizer, pois o conhecimento não tem lugar. Pois, é verdade, não tem. Mas, vou-vos dizer uma coisa, aqui que ninguém nos ouve: por norma, não somos assim tão importantes para as outras pessoas. Aliás, raramente o somos, dá-me ideia até, que na maior parte das vezes a única pessoa no mundo que nos dá muita importância e àquilo que dizemos somos nós próprios.
Sim, surpreendentemente, os primeiros beneficiados da clareza da nossa linguagem (surpresa!) somos nós. Por que nos entenderam, porque perceberam o que está em causa. Se o nosso objectivo for pôr as pessoas a falar melhor, com todas as centenas de milhar de vocábulos que temos na nossa língua, força nisso, que é um objectivo muito nobre. E digo isto sem ponta de ironia. Sem dúvida que o mundo seria um sítio melhor se todos lêssemos Jorge Luís Borges ou Thomas Mann. Assim como o mundo seria um sítio melhor se fossemos todos de classe média. Mas esse é um mundo ideal, que por enquanto só existe na cabeça de algumas Misses Universo não é aquele em que efectivamente vivemos. E nesse mundo, nessa realidade, convém que exijamos todos um direito básico enquanto cidadãos: o direito a entender, especialmente quando são aspectos fundamentais da nossa vida que estão em causa, como saúde, impostos, as leis que nos regem e as contas que pagamos. E, sim, entender aspectos básicos sobre a ciência que se vai fazendo e que directa e indirectamente contribuiu para nos fazer chegar, enquanto espécie, até aqui».
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