Portugal um país de doutores, engenheiros, etc

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Por que nos tratamos por Dr. ou Eng.º?

27 janeiro 2006Comentar

Uma das características mais visíveis da cultura portuguesa – e certamente da cultura de gestão portuguesa – é a propensão para o uso de títulos académicos. O uso de títulos (Dr., Eng.º.) é certamente mais praticado em algumas organizações do que noutras, mas, na comparação com outros países da União Europeia (UE), os portugueses são pródigos no uso de títulos. É aliás frequente, nas situações em que se conhece menos bem o interlocutor, colocar um cauteloso Dr. antes do nome. Na dúvida, antes a mais que a menos.

Esta propensão nacional para a utilização dos títulos pode naturalmente ter diversas explicações, mas uma das mais plausíveis pode ser encontrada no monumental trabalho de campo desenvolvido por um sociólogo holandês, Geert Hofstede. O seu livro Culture’s Consequences, originalmente publicado em 1980, é uma obra de referência dos estudos de gestão transculturais. Neste trabalho, Hofstede tomou a cultura como variável independente (“causadora” de outras variáveis) e procurou analisar as suas implicações para o funcionamento da sociedade e das organizações. O trabalho deste ex-director da IBM sugeriu que as diversas culturas nacionais podem ser caracterizadas de acordo com um conjunto de quatro dimensões individualismo/colectivismo, evitamento da incerteza, masculinidade/feminilidade e distância hierárquica. Destas dimensões, a última, distância hierárquica, é particularmente relevante para a resposta à questão que aqui se discute.

A distância hierárquica reflecte o grau de deferência que os indivíduos projectam sobre os seus superiores hierárquicos, assim como a necessidade de manter e respeitar um certo afastamento (social) entre um líder e os seus subordinados. Nos países e regiões de elevada distância (e. g., Portugal, Espanha, América Latina, Ásia e África), superiores e subordinados consideram-se desiguais por natureza. A distância emocional entre chefias e subordinados é elevada. Detecta-se uma grande reverência pelas figuras de autoridade, e atribui-se grande importância aos títulos e ao status. Ao contrário, em países com baixa distância hierárquica (e. g., EUA, Grã-Bretanha e países não latinos da Europa), a dependência dos subordinados relativamente aos chefes é limitada. Os primeiros não sentem desconforto considerável por contradizer os segundos. Uns e outros consideram-se iguais por natureza.

Nos países com distância hierárquica tendencialmente mais elevada, o uso de símbolos de status representa portanto uma forma de explicitar e de assinalar o reconhecimento das distâncias entre pessoas pertencentes a diferentes escalões sociais ou organizacionais. A distância tende a aumentar a dificuldade de comunicação franca entre líder e equipa. Por exemplo, observava recentemente um gestor do Norte da Europa expatriado em Portugal que, quando perguntava aos elementos da sua equipa se estavam de acordo com ele, a resposta era sempre afirmativa. Surpreendido com tão consistente e persistente acordo retomou a discussão perguntando se estavam mesmo de acordo ou se estavam a procurar ser obedientes. A resposta é fácil de adivinhar. C

Para desenvolver o assunto

Bennett, C.V., & Brewster, C. (2002). Can Portuguese management compete? Lisboa Ad Capita/Cranfield University School of Management.

Cunha, M.P. (2005). Adopting or adapting? The tension between local and international mindsets in Portuguese management. Journal of World Business, 40(2), 188–202. Hofstede, G. (1980). Culture’s consequences. International differences in work related values. Beverly Hills Sage.Hofstede, G. (1991). Culturas e organizações. Lisboa Sílabo.

Miguel Pina e Cunha

Director de MBA da Universidade Nova de Lisboa

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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