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Portugal tem medo de abrir o túmulo de Afonso Henriques?
Os restos mortais de Ricardo III foram encontrados sob um parque de estacionamento em Leicester
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Eugénia Cunha, a especialista em antropologia biológica da Universidade de Coimbra que quer estudar os ossos de D. Afonso Henriques, diz que a descoberta do esqueleto do rei inglês Ricardo III prova que Inglaterra está “mais aberta” do que Portugal a “aplicar a ciência em prol da história e do conhecimento”.
“A ciência, neste caso a antropologia forense, permitiu verificar a identidade de uma figura histórica que estava ‘perdida'”, diz Eugénia Cunha àRenascença, um dia depois de cientistas da Universidade de Leicester terem anunciado publicamente que o esqueleto encontrado num parque de estacionamento é mesmo de Ricardo III.
Eugénia Cunha liderava, em 2006, uma equipa de cientistas que pretendia fazer alguma luz sobre a vida e morte do primeiro monarca português, através do estudo dos seus ossos. Seria a primeira vez desde o reinado de D. Miguel, no século XIX, que o sepulcro d’O Conquistador seria aberto.
O projecto poderia revelar que D. Afonso Henriques afinal era baixo e franzino (e não “gigante”, como lhe chamavam), que tipo de alimentação tinha, se padecia de alguma doença, entre outras informações, mas o Ministério da Cultura travou a investigação quando muitos já a davam como certa.
Comparação “inevitável”
Eugénia Cunha integra um projecto europeu sobre sobreposição facial – uma das muitas técnicas que demonstraram que os ossos encontrados eram mesmo de Ricardo III, morto no campo de batalha há mais de 500 anos – no qual está envolvida Caroline Wilkinson, da Universidade de Dundee, que participou na investigação em Inglaterra.
Ao telefone a partir de Madrid, onde participa num encontro do projecto europeu, Eugénia Cunha diz que falou sobre a sua investigação com Wilkinson. A comparação é “um bocado inevitável”, confessa. “Quem tiver um bocadinho de memória, pode pensar que isso poderia ser feito [em Portugal].”
A professora da Universidade de Coimbra lembra que, ao contrário do caso inglês, em Portugal “sabe-se onde ele [D. Afonso Henriques] está”. Ou onde se supõe que esteja: “[A conclusão da Universidade de Leicester] ajuda-me a perceber que talvez tenha havido algum receio de não ser encontrado o rei [Afonso Henriques] no sítio onde é suposto estar.”
Para Eugénia Cunha, abrir o túmulo de Afonso Henriques é, para muitos, um salto para o desconhecido. “É capaz de ser isso que confunde um bocado as pessoas. Pensar: ‘e se não é [o esqueleto de D. Afonso Henriques]?'”, reflecte. Algo só verificável pela análise dos ossos: “Da mesma maneira que Ricardo III tinha uma escoliose, o Afonso Henriques tinha uma fractura antiga numa perna”.
A especialista não acredita, porém, que os restos mortais de Afonso I não estejam no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. “Acho que ele está lá. Continuo a achar que não está numa sepultura digna, porque aquilo por dentro está muito mal conservado, é só bonito por fora. Era uma medida de conservação e de preservação também”, diz.
Eugénia Cunha não perdeu a esperança de retomar o projecto científico interrompido pela ministra Isabel Pires de Lima, mas espera por uma altura mais propícia. “Não me parece que este seja o bom momento para o fazer, a conjuntura económica está tão desfavorável… Isto implica sempre alguns gastos”.
Os restos mortais de Ricardo III voltarão a ser enterrados na Catedral de Leicester.
E agora? Talvez seja o momento.