PORTUGAL, O PERIGO SÍSMICO

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PERIGO SÍSMICO
PORTUGAL CONTINUA DESPREPARADO
ENTREVISTA
“Nem todo o dinheiro da UE para a pandemia chega para preparar casas portuguesas para um sismo”
05 nov, 2020 – 06:30 • Celso Paiva Sol
No dia de mais um exercício nacional de risco sísmico, olhar para a forma como o país se prepara para esse problema é renovar preocupações antigas. Os anos passam, mas o diagnóstico mantém-se. A Renascença falou com Carlos Sousa Oliveira, um dos mais reputados especialistas nacionais em mecânica estrutural e engenharia sísmica.
Carlos Sousa Oliveira entrevistado por Celso Paiva Sol
“Devíamos estar mais avançados na preparação para um sismo. Eu diria que estamos preparados nos mínimos”, alerta Carlos Sousa Oliveira
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Portugal não está preparado para um grande sismo, e isso continua a ser evidente em qualquer das vertentes que se análise. O alerta é deixado por Carlos Sousa Oliveira, em entrevista à Renascença. Aquele que é um dos mais reputados especialistas nacionais na matéria diz que a preparação do país para esse risco está apenas “nos mínimos”.
Esta quinta-feira, a Proteção Civil realiza a 8ª edição do Exercício Nacional de Risco Sísmico “A terra treme”, que envolve milhares de pessoas. Mas, da sensibilização das populações até à fiscalização de obras, notam-se poucos avanços, quase um desinteresse num assunto que deveria ser prioritário.
Carlos Sousa Oliveira, um dos peritos nacionais em mecânica estrutural e engenharia sísmica, sente sobretudo falta de “uma coordenação de esforços. A sociedade que lida com os sismos na sua plenitude, desde a sismologia ou geologia, até às ciências sociais e do comportamento das pessoas, continuam a trabalhar, mas cada um faz aquilo que acha que consegue fazer, de forma avulsa”.
Falta uma consciencialização coletiva para a gravidade do risco, assim como uma ideia clara, informada e testada sobre como irá o país lidar com um sismo de grande magnitude.
Mas continua a faltar, também, aquela que ainda é a melhor forma de preparar um país para essa eventualidade, saber “como é que as construções se vão comportar num próximo sismo, e como é que as coisas foram construídas ou reabilitadas. Não é como os sábios disseram que devia ser”.
Carlos Sousa Oliveira sublinha a importância da construção, e cada vez mais da reabilitação – agora já prevista nas leis mais recentes.
Lembra que “não basta ter bons regulamentos, porque havendo regulamentação existe depois um fosso que é a passagem para a fase do projecto e, sobretudo, para a forma como os edifícios são construídos”.
“A pandemia é uma maratona, enquanto um sismo é um sprint”, diz o professor Carlos Sousa Oliveira.
Falta “conhecimento científico” para autorizar construções
No processo entre o projeto e a construção entram as câmaras municipais. São elas que “fazem os planos de urbanização, que sabem o que é que se pode ou não construir e, depois, são elas que vão olhar para o projeto de cada uma das casas”.
Mas as autarquias não têm “recursos para assegurar isso”, afirma Carlos Sousa Oliveira. “Está-lhes atribuída essa responsabilidade, mas não têm recursos humanos e técnicos para fazer esse trabalho”.
Nem meios, nem “o know-how da ciência para fazer as suas cartas de urbanização. Por exemplo, os solos são importantíssimos na ação sísmica. Os planos de pormenor deviam atender a estas coisas, e nesta parte ainda temos um grande caminho para andar”, sublinha o especialista.
São regras e normas de construção antissísmica que foram evoluindo desde meados do século passado e que, seguramente, terão efeitos diferentes na destruição provocada por um sismo.
“As regras mais antigas em Portugal são de 1957, depois houve em 63, depois em 83, em 2000, e as últimas são as dos eurocódigos de 2019. Se houver um sismo, os edifícios terão graus de destruição diferentes consoante as regras com que foram construídos”, explica Carlos Sousa Oliveira.
“A pandemia é uma maratona, um sismo é um sprint”
Nem o estado de alerta e incerteza em que o mundo se encontra, por causa da pandemia, pode desviar a atenção deste outro risco. Pelo contrário, deveria até despertar consciências, lembrar a importância de estarmos preparados para os grandes desafios coletivos.
“A pandemia é uma maratona, enquanto um sismo é um sprint. O sismo ocorre em poucos segundos e destrói vidas e património em poucos segundos, enquanto que a pandemia está aí e nem sabemos quando é que aparece uma vacina”, alerta Carlos Sousa Oliveira.
O perito em mecânica estrutural e engenharia sísmica faz esse paralelismo, para concluir que tal como não estávamos preparados para a pandemia, também não o estamos para um grande abalo sísmico.
“Nós devíamos estar mais avançados na preparação para um sismo. Eu diria que estamos preparados nos mínimos. Nem sequer nos médios, estamos nos mínimos. Porque a preparação envolve a preparação das próprias casas, no seu reforço, para que se comportem melhor.”
Este especialista – que entre muitas outras coisas, dá o nome ao prémio criado pela Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica para distinguir trabalhos nesta área – usa um exemplo próximo para explicar os atrasos nacionais.
“Nós devíamos estar mais avançados na preparação para um sismo. Eu diria que estamos preparados nos mínimos”
Em Itália, país que sensivelmente de 10 em 10 anos tem tido um sismo forte, o Estado já estuda medidas a outro nível.
Está a preparar um plano para que “todos os edifícios tenham que ser revistos do ponto de vista sísmico, e aqueles que não estiverem em condições têm que ser reforçados. O Estado dará um incentivo de 20%, até um determinado plafond. É um projeto a 40 ou 50 anos, já fizeram as contas, e é um balúrdio de dinheiro como se consegue imaginar, mas estão empenhados em ir por aí”.
Algo que também deveria ser feito em Portugal, embora este especialista reconheça que “é qualquer coisa que levaria todo este dinheiro que vai entrar em Portugal para a pandemia, e mesmo esse não chegava para conseguirmos reforçar uma parte importante do nosso parque habitacional”.
Portugal está ainda longe deste tipo de estratégia, como longe continua a estar de várias outras formas de prevenção e preparação para este tipo de risco.
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