portugal, espanha, suécia, o achatamento da curva e outras matérias

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A ler!! Texto de João Vasconcelos-Costa

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Image may contain: text that says "700 Mortes/ semana 525 350 175 27 10 10248 24 22 Sm/s J5 19 J3 13 27 Pm/s m/s 10 24"
João Vasconcelos-Costa

SUÉCIA E COVID

A pergunta que fiz na nota anterior era provocatória. Julgo que sei a resposta. O enfoque na Suécia foi por razões principalmente mediáticas e políticas. Se virmos a literatura especializada, as “certezas” em relação ao dito insucesso sueco são muito menos assertivas. A comunicação social pegou no caso por razões óbvias: as mortes são sempre impressionantes. Os políticos que optaram pelo confinamento (“lockdown”) rigoroso (e em muitos casos não tinham outra opção, por falta de suporte científico e para darem resposta ao pânico instalado) são tentados a usar os aspetos negativos da situação sueca para justificarem a sua opção, em vez de, honestamente, dizerem que não sabiam com segurança o que fazer e tiveram de ir para precaução extrema. Ninguém lhes leva a mal nem os penaliza pelos altos custos da sua opção.

Os mitos:
1. O mito negacionista de que os suecos deixaram andar a pandemia no seu país, sem medidas de combate, fazendo muito bem porque a covid é uma simples gripe. Não é verdade. Houve duas diferenças para a generalidade dos países, mas nada que fosse deixar correr. Primeiro, com exceção de algumas imposições, basearam-se em recomendações muito claras e enfáticas, que os suecos seguiram disciplinadamente e com espírito cívico. Duvido de que isto fosse possível em Portugal. Na Suécia, recomendou-se principalmente a distância física e a lavagem das mãos, bem como a diminuição dos contactos sociais. Na prática, a circulação em Estocolmo diminuiu em 70%, aumentou muito a taxa de teletrabalho e reduziram-se drasticamente as viagens dentro do país. Só se encerrou as escolas secundárias e universidades e proibiram-se os ajuntamentos de mais de 50 pessoas. O comércio manteve-se aberto, tais como os restaurantes e bares, mas só com serviço à mesa. Também foi muito importante que todas as pessoas com qualquer sintoma respiratório, mesmo de uma constipação banal, ficaram logo em casa, com salário pago por inteiro desde o primeiro dia.

O mito do aventureirismo. Não é verdade. A estratégia sueca assenta em grande experiência epidemiológica, em pressupostos teóricos que podem ser falíveis mas que não são fantasia, e (o que raramente se diz) em modelos matemáticos-epidemiológicos, região a região, desde março e com atualização frequente ao longo da pandemia. O que é verdade é que os resultados dos modelos foram muito diferentes do modelo de que mais se fala, do Imperial College, tomado como dogma pela opinião pública mas muito criticado por especialistas. Além disto, o modelo do Imperial também foi contraditado por outros, como o de Oxford e o modelo dinâmico de Karl Friston.

O mito da imunidade de grupo. Não é verdade. Nunca as autoridades suecas afirmaram que o seu objetivo era a aquisição da imunidade de grupo. Diziam é que a imunidade de grupo seria obtida mais cedo na Suécia, mas que isso era um aspeto colateral, sendo o principal objetivo manter o SNS em funcionamento pleno (não só no que respeita à covid), minimizando ao mesmo tempo as consequências sociais e económicas de um confinamento.

A realidade.
Embora ainda só agora se esteja a iniciar a segunda onda na Europa, já se podem fazer algumas observações significativas. Vou usar a comparação de dois países de igual dimensão, Portugal e Suécia, tendo sido Portugal um exemplo de aplicação do modelo de confinamento. A comparação ainda seria mais eloquente com os principais afetados, Espanha e Itália. É preciso distinguir três coisas distintas. a evolução epidemiológica; a mortalidade, mas neste caso distinguindo duas fases, antes e depois da correção da situação negativa nos lares; e os efeitos económicos.

EVOLUÇÃO EPIDEMIOLÓGICA. Falou-se muito, mesmo cá, no objetivo principal de achatar a curva. Quem de facto o conseguiu foi a Suécia, prolongando-a no tempo e sem uma fase de desconfinamento inadequado que deu maus resultados práticos em muitos países europeus que fizeram confinamento. Estes, o que fizeram de facto não foi achatar a curva mas sim comprimi-la. Hoje, a Suécia está com um número consideravelmente menor de novos casos por semana do que Portugal e parecendo ter uma situação sustentável. É inegável que as medidas adotadas (e sem o uso de máscara, mesmo no interior) – ou o seu grau de cumprimento – foram suficientes para o controlo do número de casos e para se manter em pleno o funcionamento do sistema de saúde, sem acréscimo do número esperado de mortes devidas a todas as causas de morte.
Note-se a queda brusca a partir de junho. De momento, é inexplicável, mas não se deveu a alteração do plano de contingência.
Em relação à imunidade de grupo, se se pensar só na imunidade humoral (por anticorpos), a taxa de infeção acumulada está ainda longe do tão falado limiar de 60-70%. Mas, por um lado, este limiar não é cientificamente seguro, dependendo de fatores que agora não posso expor; e também é preciso ter em conta a imunidade celular, ainda muito mal estudada. No entanto, a imunidade não é tudo ou nada. Mesmo sem imunidade de grupo, uma maior seroprevalência é sempre de ter em conta na previsão da gravidade de uma segunda onda.

MORTALIDADE. É inegável que a Suécia teve, nos primeiros três meses, uma taxa de letalidade e mortalidade inaceitável, das mais altas na Europa (mas inferior à da Espanha, França, Itália, Bélgica e Holanda). Esta mortalidade não deve ser tida como consequência direta da estratégia sueca, devendo-se concretamente à falta de proteção adequada da população dos lares, o que foi expressamente reconhecido pelas autoridades suecas. Se essa proteção tivesse sido feita acompanhando o conjunto moderado de medidas gerais, não se falaria da Suécia como se fala, misturando abusivamente mortalidade e estratégia geral. A partir de junho, com medidas severas e específicas para os lares, a letalidade começou a baixar rapidamente e hoje é igual à de Portugal. Mais: enquanto que nós continuamos a ter muitos dos surtos em lares, eles desapareceram na Suécia, de tal modo que já foram levantadas quase todas as restrições a visitas aos residentes nos lares. Os nossos velhos ficarão com inveja.

IMPACTO ECONÓMICO. Não se pode dizer que a economia sueca não sofreu. Diminuiu a produção, por redução das exportações para os mercados europeus confinados e por dificuldades na importação de peças e matérias primas. No entanto, as perdas económicas são inferiores à média europeia. Também não houve sobrecarga da despesa pública por lay off e não se espera que haja desemprego significativo.

Lá para dezembro, voltaremos a falar.