PORTUGAL E SUÉCIA Tiago Franco · O COLAPSO DO SNS E AS LIÇÕES DESPERDIÇADAS|

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O COLAPSO DO SNS E AS LIÇÕES DESPERDIÇADAS|
Em tempos que já lá vão, um amigo perguntava-me a razão de ouvir a TSF no caminho para Trollhättan. A estrada entre Gotemburgo e a cidade da Saab não passava pela segunda ponte do Feijó e, em princípio, o que por ali se ouvia não me ajudaria muito a chegar ao destino.
Expliquei-lhe que não me conseguia desligar do que se passava em Portugal, mesmo que essa informacão não contribuísse para o desenrolar do meu dia. E disse também, lembro-me, que seria uma questão de tempo até perder esses hábitos.
Enganei-me. 15 anos depois continuo, diariamente, a ler a imprensa portuguesa e a viver a realidade do país. Mais, bastante mais, do que a do país de acolhimento.
A razão, imagino eu, é porque desde que emigrei que penso em voltar e mesmo com o avancar do calendário, mantenho a sensacão de que estou aí, num bairro qualquer perdido entre Lisboa e a Margem Sul, onde as casas foram feitas com madeira.
Quando a imprensa nacional noticiava a Suécia pelos piores motivos no combate ao Covid, era como se fizessem uma ponte entre Gotemburgo e Lisboa. Não é que eu gostasse do que por lá ia lendo, mas sentia-me perto.
Agora viramos o disco e metemos a agulha novamente na primeira faixa (que saudades do vinil). É a imprensa local que vai retratando, espero eu de forma mais fidedigna, o caos em que Portugal mergulhou depois do Natal.
Pegando nesta irmandade luso-escandinava na desgraca covideira, dou por mim a pensar nos lares. Primeiro porque chegam daí os números mais aterradores de mortes e depois, porque as centenas de notícias sobre a falha sueca, algures na primavera de 2020, fazia-me crer que ninguém seria apanhado de supresa junto ao Atlântico.
Produziram-se quilómetros de tinta sobre os lares suecos. Em Portugal escolheram falhas, causas, diagnósticos, solucões. Apontaram-se dedos ao governo, desenvolveram-se teorias sobre o “alívio do sistema de pensões” ou “das vidas humanas menos importantes do que a economia”. Todos sabiam tudo.
É justo perguntar então como é que, quase um ano depois, caímos no mesmo erro com a agravante de deixarmos o SNS perto do colapso?
Todos os decisores sabiam onde estava o maior grupo de risco (isolados e dependentes). Há números oficiais para consulta. Esperava-se nova vaga de infectados numa altura de frio (inverno 2020/2021). O conhecimento sobre o pessoal que trabalha nos lares (pouco qualificado e rotativo) e a própria existência de lares ilegais, são realidades com anos de debate. Em cima de tudo isso, sabemos da debandada de profissionais do SNS (nomeadamente enfermeiros) desde que as carreiras comecaram a ficar congeladas e Passos Coelho lembrou que o mundo não terminava em Elvas.
Ora…não era preciso ser um Zandinga para perceber que esta mistura ia explodir. A nossa reacão, este navegar à vista, parece a discussão anual que temos sobre incêndios no verão (a mata está suja) ou as cheias no inverno (as sarjetas não são limpas).
Portanto, do “milagre no sul da europa”, passámos a fazer as capas alusivas aos caos.
Bismarck dizia que só os tolos aprendem com a própria experiência e que ele, preferia aprender com os erros alheios. Não concordo na totalidade mas deduzo que Bismarck, apelidado de visionário, soubesse que no séc. XXI frases “cool” tivessem muita saída.
Eu ter-me-ia dado por contente se nos gabinetes do Governo alguém se tivesse sentado a pensar nisto. A ver as notícias que em “loop” passavam sobre a Suécia, a juntar as condicionantes portuguesas e a tentar evitar a catástrofe.
Costa disse que o orcamento para a Saúde, este ano, foi algo nunca antes visto. Isso quer dizer que as carreiras dos enfermeiros da funcão pública deixaram de estar congeladas? Segundo o SEP (sindicato dos enfermeiros), havia em 2019 pessoal com carreiras congeladas desde 2002. Foram requisitados para a batalha os hospitais privados? Médicos já são compensados decentemente ou precisam de trabalhar no privado ainda? O pessoal da linha da frente (lares, ambulâncias, urgências) foi vacinado na primeira fase? Foram feitas vistorias aos lares ilegais? Foi criado um pacote de incentivos para evitar a rotatividade de pessoal nos lares legais? Foi dada alguma formacão para evitar que sejam pessoas sem qualquer qualificacão a tratar de “velhos”? Temos hospitais de campanha prontos? Foram feitas contratacões para o SNS?
Eu compreendo que seja difícil controlar lares/pessoal que estão fora da esfera pública mas, há quase um ano que sabíamos que seria por aí a entrada da catástrofe. Ninguém pode dizer que foi apanhado de surpresa.
A sensacão que me resta é de, durante anos a fio, termos negligenciando o SNS. Seja pelo congelamento de carreiras ou pela falta de pessoal. Ou até por aquela ilusão dos seguros que nos levam para as consultas nos hospitais privados. Quando a coisa aperta, e esse dia chega sempre, é para o SNS que corremos.
E argumentos como a falta de dinheiro no período “pré-bazuca” são a evitar porque, recordo, há 12 anos que andamos a desviar dinheiro do OE para a banca privada.
A pandemia, por si só, não explica o colapso do SNS.
Image may contain: outdoor, text that says "DAGENS NYHETER. Nyheter Ekonomi Kultur St Sverige Världen Politik Fakta fragan Världen Intensivvärden nära kollapsi Portugal har högsta smittspridningen i Europa PUBLICERAD 2021-01-17 Tomt pả gatorna Lissabon när samhället har stängt. Foto:Paticia De Melo Moreira/AFP Portugals sjukvard är pả väg att kollapsa. Den senaste veckan har Portugal haft den högsta smittspridningen i Europa i relation till befolkningsstorleken Pả"
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  • Basta ver que chegámos a Janeiro com menos 1000 médicos que em Janeiro de 2020…Só uma ideia, era assim tão difícil ter antecipado em 3 semanas o início do internato médico para o problema ser mitigado? Se eu sozinho consigo encontrar uma pequena solu…

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    Luis de Carvalho replied
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