Portugal e a tradição de património abandonado às urtigas

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SOLARES DESABITADOS

Não faltam por aqui solares desabitados – tanto no meu concelho como em concelhos limítrofes. Os que melhor conheço, porque os visitei, são o da Corredoura, lá em cima, no alto de Cambres; o dos Canavarros, no Peso, a dois passos da casa onde moro; o da Rede, que pertenceu a José Maria de Alpoim; o do Terreiro, em Cidadelhe, terra de solares; na minha aldeia, Canelas do Douro, o dos Silveiras, aonde veio morrer desterrado da corte, um irmão do 1º conde de Amarante.
Mas, a par de todas estas casas, que conheço de visita ou visitas, quantas não há por aí, por essas aldeias, pedindo-me que também as visite, que também me compadeça da sua ociosidade? Quantas! Algumas, de tanto esperarem por mim, já as destruiu o tempo, à míngua de amparo. Mas, tal e qual como foram, até os últimos dias, guardo-as na memória – álbum maravilhoso.
Custa-me ver desaproveitado seja o que for – quanto mais um palácio! (…)
Onde quer se vê um disparate que representa uma dissipação. Há quem abandone a casa dos antepassados, tão sólida, que vê correr o mundo sem pestanejar, e tão harmoniosa com o ambiente, que parece nascida em vez de feita, para a substituir por casinhola moderna, tão leve, que voa com o vento, e tão desavinda com a natureza, que parece um escarro na paisagem. Coisa assim leveira ficaria barata se não custasse os olhos e o juízo de quem a manda fazer. Junto da casa paterna, é uma capoeira de alto luxo. Cada ovo, como queijo do conto, sai a duzentos escudos.
Onde quer se vê tempo, dinheiro e feitio perdidos. Há, na minha aldeia, uma construção de palacete inacabada. Tem aprumadas paredes, janelas e balcões de cantaria primorosamente lavrados. Pede ao céu que a conclua. Mas, o céu não é operário. Espera-se que homem rico e condoído complete a obra bem principiada. Se assim acontecer, o palacete será uma bela vivenda, uma escola soalheira ou uma decente assembleia rural. Antes disso, é uma carranca de tragédia, boquiaberta de espanto em face de tanta incúria. (…)
O solar dos Canavarros, aqui no Peso, a dois passos da casa onde moro, é já uma ruína. Deixem-no cair… Não vale a pena ampará-lo, uma vez que ninguém lhe acudiu a tempo. Mas, na minha aldeia, a casa dos Silveiras, hoje entregue aos ratos, é uma boa casa, não cairá facilmente. Com uma série de varandas e varandins virados ao outeiro donde vem o sol, abrigada de ventos, com pacíficas vistas sobre lameiros e olivais, daria de si uma excelente casa de repouso, para gente esgotada de toda a espécie de excitações. Canelas é bom sítio para convalescer.
Não faltam, por esse Douro acima, solares desabitados. É pena que se não utilizem. Não é razão perderem-se, porque ficam arredios. Hoje, com a facilidade de comunicações, não há lugares arredios. Tudo fica perto, à mão de semear e de aproveitar.

1 de fevereiro 1964

in PASSOS PERDIDOS

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Comments
  • Jose Manuel Taveira de Morais Texto demasiado actual. Deviam envia lo aos autarcas deste país, sem projectos, preocupados com o imediato. E aos governantes para só permitirem novos hotéis se em casaroes destes
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