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Presumo que não publiquei no FB este meu apontamento escrito quando regressei a Timor já lá vão vinte anos. Penso que alguns dos leitores o apreciarão e, quiçá, se revejam um pouco nele.
“.PORQUE É QUE TINHA DE VOLTAR A TIMOR?
Porque é que tinha de voltar a Timor?
– Não estava muito bem com a minha vida lá em Portugal!? Envelhecer com a família presente, o emprego os engarrafamentos de trânsito e as contas para pagar? Que ideia a minha, vir-me meter neste canto do Mundo!
Cada vez mais noto que os tempos são diferentes dos de há 25 anos. Eu, se calhar só eu, é que não me apercebi realmente disso: sou mais velho, diferente de aspecto, com um déficit de energia e pujança. Intelectualmente mais lento, mas, também mais prudente a fazer juízos sobre os outros e a julgar as situações; que isso de ser mais velho tem algumas (muito poucas) vantagens…
Timor 1999-2000! Motorizadas a circular pela esquerda em vez de cavalos-cudas pela dextra, alcatrão em vez de poeira e lama, calças a substituir as masculinas “lipas”… só a maneira de estar dos timorenses se mantém praticamente inalterável, apesar da influência nefasta de 25 anos de aculturação estrangeira. O orgulho, a teimosia, a matreirice e até a vaidade das raparigas, são as mesmas.
Claro que agora sou estrangeiro nesta terra. Aliás notei-o ontem quando estava perto da casa do bispo dentro do carro à noite a apreciar a baía de Díli: um ou mais jovens transeuntes vindos da festa de Santo António em Motael, convidaram-me assertivamente em inglês, para deixar o lugar pois o mesmo era .. sagrado!!! Há contudo que perceber que vão ter tempo de descobrir quanto os portugueses são diferentes e partilham muito dos seus sentimentos.
Há em mim como um desprender de mola recalcada durante 25 anos: – Quando deixei pelo meio da tarde de um dia de finais de Julho de 1975 o aeroporto de Baucau, a bordo do Boeing da Força Aérea Portuguesa, já tocado por uma incómoda hepatite “apanhada” em Bobonaro depois de um acidente de granada, cuja ferida foi tratada com agulha desinfectada com álcool, não imaginava um interregno tão longo até voltar. Depois foi o desenrolar de um longo pesadelo. Cada vez que abria o livro de Timor o choque e a comoção eram imediatos, ao vir ao conhecimento os amigos mortos ou desaparecidos e devastação geral a que o território era submetido. E não me saía da memória o que seria feito dos sorrisos francos e traquinas dos miúdos das escolas que eu visitara e que recebiam o senhor alferes a cantar a Portuguesa.
É por isso que voltei a Timor. Pelas memórias, é certo, mas também por um sentimento de gratidão e dívida para com este povo então ingénuo nas lides políticas, mas que soube crescer e afirmar-se perante a adversidade brutal em que viveu. Foi com ele que amadureci, que abri os olhos para o mundo, vi a sua diversidade, fui compreendendo a universalidade da humanidade e do seu saber. Que me fez também crescer ao tentar respeitar o semelhante, num acto de sabedoria e aprendizagem sem fim.
É por isso que cá estou! ”
Rui Brito da Fonseca