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Creio – posso estar redondamente enganado – que, a propósito da pandemia, nos chega diariamente dois tipos de notícias: as que nos dão esperança de que tudo se resolva a breve prazo e aquelas que nos vão preparando para uma longa espera.
Apesar das recorrentes notícias que nos dão conta de que a vacina contra a Covid 19 está para muito breve, venham elas de Israel, dos Estados Unidos, de Inglaterra ou de qualquer outra região planetária – o que nos dá uma alegre esperança de voltarmos a uma vida normal – logo aparecem cientistas credíveis de todos os cantos do mundo que nos informam que, se a ciência bater todos os recordes de investigação e testagem, só dentro de dois a três anos teremos uma vacina capaz de nos proteger deste novo coronavírus.
A verdade é que para casos anteriores, sobejamente conhecidos de todos nós, como a SIDA ou H1N1, surgidos há décadas não existe qualquer vacina. Também é verdade que os laboratórios desenvolveram ao longo dos anos medicamentos que mitigam os efeitos das doenças, mas não descobriram nenhuma vacina segura que se possa inocular a pessoas saudáveis no sentido de prevenir as infecções.
O que a maioria de nós sabe é o que nos dizem as autoridades sanitárias que, em todo este processo, têm apresentado em alguns momentos titubeações pouco credíveis – por exemplo, o caso das máscaras – com a desculpa de que todos nós estamos a aprender com a evolução deste novo coronavírus. Não tiveram em conta experiências anteriores? Ou, perante uma calamidade, quiseram proteger o grupo dos profissionais de saúde evitando uma corrida às máscaras por parte da maioria das pessoas como material indispensável de protecção individual? E por que razão o fariam? Estariam mal preparados para um evento que já se desenhava como uma tragédia global? Se o uso da máscara fosse implementado e até obrigatório no início da pandemia teríamos salvado vidas, haveria menos infectados? Desvalorizámos o que já há mais de uma década nos surgiu como um aviso? Ou estávamos todos deslumbrados com o irresponsável crescimento económico que estava a destruir o planeta?
As nossas vidas já não são o que eram, jamais o serão.
O «desconfinamento» por fases será tão-só um «doce» para nos fazer crer que tudo voltará a ser o que era; que a economia irá recuperar já a partir de 2022; que voltaremos a poder viajar massivamente em condições que deixam muito a desejar; que, em suma, possamos continuar a olhar unicamente para o nosso umbigo num exercício de cabotinismo hedonista. Creio que não será assim. Creio mesmo que, em breve, voltaremos a um confinamento mais rigoroso para nos protegermos de um vírus que a ciência conhece mas que não sabe ainda combatê-lo com eficácia. Imaginemos que os cientistas garantiam, hoje, a eficiência de uma vacina. Quanto tempo demoraria a produzir e a distribuir vacinas para mais de sete mil milhões de pessoas? A que custo? Não sabemos. Ninguém sabe. Ou poucos saberão mais do que a maioria. E, provavelmente, o que sabem é tão aterrador que nos vão fazendo crer, em doses homeopáticas, que a esperança está ao virar da esquina e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, nos dizem que, apesar dos esforços, a coisa ainda levará algum tempo a resolver-se.
Entre confinamentos cada vez mais alargados e desconfinamentos cada vez mais breves, nós, submetidos às exigências sanitárias, vamos perdendo o contacto físico com o outro. Entraremos em fase de desabituação da convivência social. Esqueceremos os códigos naturais que nos aproximam. Teremos medo. Evitaremos o abraço, o beijo, as pequenas cumplicidades, os amigos, as trocas, as festas, as partilhas de dores e alegrias. E a economia? Preocupar-se-ão aqueles que ainda não perceberam que tudo mudou. Mudou desde logo no turismo e consequentemente na restauração; mudou na educação; mudou na saúde; mudou no trabalho e no seu acesso; mudou tudo. Tudo. E, aqui, reside a grande questão do futuro. Já pensaram nisso? Alguns, seguramente. Espreita um grande perigo. E na hora da verdade quem será quem e quem será ninguém? E, como todos sabem nestes casos, deus lavará as mãos, não vá o diabo tecê-las, e assobiará para um recanto longínquo do céu. Quem será quem? Quem será ninguém?
Luís Filipe Sarmento
Foto: José Lorvão
