PONTA DELGADA ENQUANTO HOUVER PATRIMÓNIO, DESTRUA-SE

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“Requalificar” será sinónimo de destruir?
Ponta Delgada tem sofrido, desde meados do século XIX, inúmeras intervenções destruidoras, umas por pura insensatez, outras por amaneirado mau gosto, outras ainda por ineptas razões ideológicas.
Não sendo a nossa cidade particularmente rica em monumentos nem esteticamente grandiosa, era, contudo, um exemplo de cidade medieval mantida praticamente intocada por cerca de 500 anos.
Foram fortes, igrejas, ermidas e conventos destruídos em nome de um anticlericalismo bacoco, de um mau gosto gritante ou apenas para satisfazer o apetite ganancioso dum estado pouco sério e desrespeitador da propriedade privada.
Esse valioso património, à nossa escala, na sua maioria propriedade privada, foi construído por doações de particulares para satisfazer convicções religiosas, albergar familiares deserdados e quantas vezes também para lhes servir de sepultura.
Foi mais uma sovietização, “avant la lettre”, cometida por um Estado que sempre condenou o latrocínio. Dos outros, entenda-se…
Destruída a maior parte dos monumentos e numa fase em que o dinheiro não permitia grandes destruições, entretiveram-se os governantes a alterar a típica e curiosa toponímia da cidade. Desapareceram a Rua dos Gulas, do Gaspar, da Louça, do Valverde, da Esperança, do Pau do Conde, do Colégio, etc., para dar lugar a nomes que não têm qualquer relação com a cidade, caso da António José de Almeida e Machado dos Santos, ou outros de ilustres conterrâneos que bem poderiam figurar nas novas ruas resultantes da normal e desejável expansão urbana.
Não esqueço o comentário dum responsável perante a minha crítica à destruição do Convento de S. João: “ Repare que a rua ficou muito mais bonita”!
Para o ilustre comentador a rua é muito mais importante do que um vetusto edifício do séc. XVII…
As numerosas destruições já foram descritas num despretensioso trabalho publicado há uns anos, com o patrocínio gratificante da CMPDL, não sendo este o local para os descrever.
Julguei que as destruições estavam definitivamente consumadas. Mas não.
Há agora uma proposta de “requalificação” do centro histórico que completa as destruições anteriores, numa pretensa modernização, a meu ver tão despropositada como as anteriores.
Segundo percebi, a intenção é acabar com o trânsito na Praça Gonçalo Velho e no centro da cidade, o que me parece irá complicar bastante o trânsito citadino, mas acredito que seja uma errada impressão minha, porque acredito que a CMPD terá feito aprofundados estudos dos fluxos de trânsito que eventualmente irão contrariar esta minha errada percepção.
Já o mesmo se não passa com o que me parece ser o desfigurar da Praça Gonçalo Velho.
Há muitos anos, quando da devastadora construção da Avenida Marginal, foram destruídos a Varanda de Pilatos – também ela resultante da destruição dos típicos açougues – os pitorescos Cais da Terra e Cais do Mar e as suas elegantes arcadas, hoje escondidas e meio soterradas num beco fronteiro à esquadra da PSP.
Entre muitas outras coisas foram também destruídos, no sorvedouro rude da incivilidade, toda a orla marítima da cidade. Assim desapareceram o cais de Corpo Santo, o pitoresco e elegante Cais da Sardinha – também ele resultante da destruição da Ermida de S. Pedro Gonçalves, do séc. XVI – o Aterro, o Forte dos Açougues, a muralha do Calhau do Laguim, o Cais e Forte de S. Pedro, etc..
Na altura foi projectada a polémica, por conservadora, Praça Gonçalo Velho e chegou a discutir-se a demolição das elegantes e emblemáticas Portas da Cidade!
Salvou-as o bom gosto e sentido estético do Sr. Dr. Jorge Gamboa de Vasconcelos que sugeriu a sua deslocação para poente, centralizando-a, de forma equilibrada, no lado norte da Praça, onde ainda se encontra, ao que parece por pouco tempo.
Quando se julgavam finalizadas as brutais destruições da cidade e havendo já muito pouco para destruir, surge a bizarra ideia de voltar a destruir o já destruído, empurrando o suposto Gonçalo Velho (dizem que é o Diogo Cão!) para sul, deslocando de novo as Portas da Cidade para nascente, para fazer, ao que julgo, um enviesado espelho de água a poente, provavelmente povoado por coloridas espécies piscícolas e simpáticos e espanejadores marrecos.
Depois de passar meses encaixotado, em 1956, aguardando um poiso, o infeliz Gonçalo é agora itinerante, jogado dum lado para o outro num desatinado passeio, consoante o gosto dos diferentes autarcas . É um Gonçalo Andante!
Imagino que estejam também programadas elegantes construções paralelepipédicas, de escuro basalto, no género da que existe no Largo de S. João, onde se servirão comes e bebes para enfartar a maralha.
Seria mais sensato colocar rodízios nas Portas da Cidade e na desditosa estátua, para facilitar a sua deslocação sempre que mude o elenco camarário e se respeite as tendências politicas, mais à direita ou mais à esquerda, da CMPD.
Aliás a posição das Portas permitiria ao transeunte, indígena ou forasteiro, identificar imediatamente a posição política da CMPD e berrar em conformidade, aplaudindo, condenando ou chorando num suspiroso e desesperado lamento.
Também se irá destruir o tanque fronteiro à CMPD, de construção recente por razões que a razão desconhece.
Talvez a circunspecta “requalificação” sirva também de modelo para uma futura requalificação do Terreiro do Paço, deslocando o Arco da Rua Augusta para a Rua dos Fanqueiros, colocando a estátua de D. José num plinto beirando o Tejo, num cúmulo de requinte talvez de esguelha, deixando a praça livre para cozinhar churrascos, jogar à bisca ou outras actividades lúdicas…
É dito pelo júri do concurso que “é, sobretudo, uma proposta surpreendente, pelo significado e simbolismo que encerra em si mesma; pela nova imagem urbana que atribui ao centro histórico, depurada e contemporânea;…”
Para o cidadão comum já nem é surpreendente continuar a gastar-se o dinheiro público com tanta ligeireza, substituindo um património histórico e cultural outrora valioso, por interesses pouco claros, de estética discutível e utilidade duvidosa.
Parafraseando o próprio júri do concurso a propósito de uma das soluções rejeitadas, também esta “não se traduz na efectiva melhoria da actual realidade ambiental e urbanística do local”.
É, na minha modesta opinião, a recorrente e chocante exibição de dinheiro a mais e sensatez a menos.
PS – Afigura-se-me muito mais importante e avisado o uso obrigatório de taxímetros, evitando abusos e defendendo os utentes, do que apenas deslocar os táxis da Praça Gonçalo Velho.

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Chrys Chrystello

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