POGROM DE LISBOA a chacina dos judeus

PROGROM DE LISBOA, 19 DE ABRIL DE 1506 – 507 ANOS DE UMA DATA DE CRUEL MASSACRE. ( pequeno excerto de conto em fase de escrita )

« Vi que em Lisboa se alcançaram/povo baixo e vilãos/contra os novos christãos/mais de quatro mil mataram/dos que ouvera nas mãos/ os deles queimaram/ mininos espedaçaram/ fizeram grandes cruezas/ grandes roubos e vilezas/ em todos quantos acharam. »
Garcia de Resende ( Crónica de D. João II e Miscelânea)

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PROGROM DE LISBOA, 19 DE ABRIL DE 1506 - 507 ANOS DE UMA DATA DE CRUEL MASSACRE. ( pequeno excerto de conto em fase de escrita ) « Vi que em Lisboa se alcançaram/povo baixo e vilãos/contra os novos christãos/mais de quatro mil mataram/dos que ouvera nas mãos/ os deles queimaram/ mininos espedaçaram/ fizeram grandes cruezas/ grandes roubos e vilezas/ em todos quantos acharam. » Garcia de Resende ( Crónica de D. João II e Miscelânea) Corria então o ano de 5266 do calendário Hebraico, 1506 do Cristão. Lisboa e outras terras do reino eram assoladas por rudes secas, não chovia desde há muito. O pão escasseava, a água tinha uma cor terrosa e fétida, os animais morriam definhando os seus restos putrefactos a céu aberto; a pestilência atemorizava todo o povo, os poderosos davam-se a ares campestres para evitar os miasmas das cloácas. No ano anterior tinham morrido algumas centenas de pessoas, hirtas, esqueléticas, com uma cor negra na tez. A igreja já tinha encontrado explicações para estes males; atribuindo tudo aos afrontas que se faziam a Deus. Dos causadores se podiam apontar: moirama, negros, marinhagem ímpia de países não tementes e, judeus , eram estes últimos que mais culpados eram de maldades. Na Pascoela desse 19 de Abril de 1506 a Igreja de S. Domingos não tinha lugar para mais povo, os frades dominicanos Frei João Mocho e Frei Bernardo desdobravam-se no adro em proferir exaltações bíblicas, era preciso acontecer um milagre. O interior da igreja dava-se a uma penumbra sufocante, os corpos exalava um suor macilento que cavava lugar entre rosmaninhos esparsos e perfumes de especiarias novas. Os rostos dos crentes descarnavam-se de acreditar na demorada e tardia piedade, como se, também, necessário fosse, ter um fero rictus de impudicícia a reclamar sacrifício. Com o declinar do Sol os vitrais emudeceram de luz e o lugar do Santuário apresentava uma penumbra mais intensa. Um frade acercou-se junto de um destacado Crucifixo que encimava o altar; aproximando um brandão com chama muito viva. Um outro mexeu naquela parecida " Gólgota" amovível e um fugaz e estranho brilho pareceu mostrar-se de cintilâncias. O milagre tinha acontecido: os frades ergueram os braços numa exaltação desmedida, para logo caírem de joelhos num soluçar atordoador e contagiante " Milagre!...Milagre!... as gentes da frente rasgaram as vestes rojando-se ao solo. Um homem ficou esquecido de curvatura: balbuciando para os vizinhos que tudo não passava de uma ilusão criada pelas circunstâncias. Ao ímpio saltaram os frades esquecidos da benevolência cristã. Da multidão alguém grita; " Judeu"!... " Marrano"!... mate-se esse cão raivoso que escarnece das coisas santas. "Matem-se todos para que o nosso Santo Pai não nos dê mais martírios, por cada um que morrer é um dia de peste a menos". As mãos procuram e erguem aquele ser indefeso, rasgam-lhe as vestes, encontram-lhe as carnes como facas que sabem do seu ofício. Jogam-no com ululância predadora, pendência sanguinolenta como pano abatido de ventos. Dentro da própria casa dos confortos do Céu, o sangue jorra, no adro a alma é já um despego, o corpo uma massa informe olvidada de parecenças. Elevam-se os clamores na zona envolvente. O comércio da Betesga cerra panos. Os gritos de " Mata Judeu!..."Mata Judeu"!... ecoam como uma tempestade incontrolável. Frei João e Frei Bernardo caminhavam à frente da multidão incitando e brandindo com graves modos cristãos o lenho bento onde estava esculpida a imagem de Nosso Senhor. Quem desse morte aos judeus teria cem dias de absolvição dos pecados. Os ébrios babavam-se de incorporação de feras, afundando os punhais em tudo o que eram carnes assinaláveis. Os negros saltavam em piruetas dantescas tolhendo a fuga dos desesperados; manipulando piques e lanças. Os mais insensíveis dos criminosos corriam já dos acantonamentos náuticos e ribeirinhos com machados de abordagem que fendiam crânios num dizimar sem resistência. Depois havia as inúmeras riquezas que os judeus eram possuidores, as mulheres lindas que se podiam esturpar, nada poderia pôr limites à turba sob a divisa de Satã. O Rei, longe, corria montaria nos penhascos beirãos, o grosso das tropas estava a campo. Lisboa era o terreiro do Inferno. Duas enormes fogueiras no Rossio e na Ribeira das Naus maculavam de rasgos negros a placidez das sete colinas, alimentando-se de madeiras saqueadas nas casas. Os corpos davam-lhe combustão empilhando-se nas enormes piras, contorcendo-se ainda num último estertor, espalhando um cheiro temeroso e impróprio à vida. Os corpos tremeram, as lágrimas rolaram, o que seria da vida dos indefesos ? Quantos irmãos já teriam sido sacrificados? Ao quarto dia Yeruba aventurou-se a uma cornija que demandava de vista o Rossio. Os fumos tinham cessado. Muitas tropas a cavalo viam-se evoluir em várias direcções. A língua familiar fez-se ouvir na rua à mistura com um pranto que tinha a prática comedida de séculos de sofrimento. Falava-se em milhares de mortos, talvez nunca se soubesse verdadeiramente quantos foram sacrificados em nome de um pretexto aproveitamento clerical, ignobilmente lançado à superstição popular e culpando os judeus de males que a Natureza regia ; ignorância, maldade, crueldade e morte campearam sem detença três dias. A Sinagoga teve ofícios fúnebres permanentes: o " mishwah" a todos que necessitassem não poderia ser cumprido. Berenice vestia toda de branco, os cabelos murmuravam-se soltos como nas sopradas branduras do Vale de Tiropeão; da sua formosura davam as aves conta levando paz nova das colinas até ao Tejo. Uma calmia de pomares rasgava a manhã, um pomba suavizou-se nas suas mãos arrulhando como nas eras do Templo. Olhou o Oriente, as lágrimas caíram-lhe como bálsamo virgem. Um lamento redentor ecoou : Oh! ISRAEL, quantos dos teus filhos morreram por Ti..." José Movilha
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