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JUDITH TEIXEIRA: FINALMENTE RESSUSCITADA!
JUDITH TEIXEIRA: FINALMENTE RESSUSCITADA!
Injuriada, perseguida, censurada e, posteriormente, arrumada no baú das inutilidades, Judith Teixeira (1880 – 1959), escritora modernista, decadentista, permaneceu na sombra e o silêncio durante quase todo o século XX. O seu nome ficou associado à polémica sobre a (i)moralidade da arte – que passaria à história como «literatura de sodoma» – e que envolvia também António Botto e Raul Leal, mas, à exceção desse episódio, a sua contribuição para o modernismo português foi totalmente obliterada.
Depois de, em 1996, a editora & etc ter publicado numa única edição as suas três obras poéticas: “Decadência” (1923), “Castelo de Sombras” (1923) e “Nua. Poemas de Bizâncio” (1926), a que se seguiram algumas reimpressões avulsas de parte da sua obra bem como a publicação de alguns estudos críticos e esboços biográficos, este ano (2015), decorrido mais de meio século sobre a morte da autora, eis que, finalmente, se lhe fez justiça. A Dom Quixote, dando continuidade a essa tentativa de reparar a «amnésia cultural» de que os seus autores, Cláudia Pazos Alonso e Fabio Mario da Silva, falam no prefácio, acaba de editar a obra Poesia e Prosa – Judith Teixeira que inclui, além das três obras poéticas referidas, duas novelas (publicadas em 1927 sob o título de “Satânia”), duas conferências, uma já anteriormente editada (De Mim) e outra inédita (Da Saudade), e vinte poemas desconhecidos.
A autora, com qualidade mais do que apreciável, já há muito que merecia uma justa definição do seu lugar no panorama literário da sua época – anos 20 do século passado – , sobretudo, se tivermos em conta que no respeitante à dita «literatura feminina», segundo C. P. Alonso (opinião que subscrevo inteiramente), podemos considerar que «os três grandes vultos do modernismo português são sem sombra de dúvida Judith Teixeira, Florbela Espanca e, mais tardiamente, Irene Lisboa.»
«Imoral? Deixe dizer.»
A sua primeira coletânea poética, Decadência (1923), foi apreendida pelo Governo Civil de Lisboa e destruída, em nome dos bons costumes e da defesa da moral pública, pelo facto dos seus poemas não só desafiarem preconceitos vigentes acerca da sexualidade feminina, mas, principalmente, por existir nalguns deles um conteúdo implícito lésbico nem sempre disfarçado.
Em entrevista ao Diário de Lisboa, a 6 de março desse ano, quando confrontada pelo jornalista com o facto de se dizer que o seu livro era imoral, Judith Teixeira defende-se: «Imoral?! Deixe dizer. Oxalá essa fosse a última injustiça que os homens praticassem. No meu livro pode haver qualquer nota decadente, uma ou outra mancha de cor sensual, mais rubra, além da meta dos preconceitos, mas também lá se encontra muita ansiedade, muita dor, muita alma – e tudo é mera atitude literária.» A autora mostra-se ainda partidária da «necessidade de moralizar a sociedade», mas alerta: «Sabe que é difícil fiscalizar e definir com inteireza esta palavra moralista! E depois, qual é a craveira por onde vão medir a imoralidade dos delitos literários e artísticos?! É difícil. Bem vê que reputo ridículo, pelo menos, que se apreendam livros como os meus poemas e se deixem correr outros de um realismo brutal.
Veja Mirbeau, Pierre Louys, Zolá, d´Annunzio, Filipe Trigo, o marquês d´ Hoyos, os nossos maravilhosos Eça e Fialho, e até religiosos, como S. Francisco d´Assis e Santa Teresa, não excluindo a própria Bíblia e as epístolas de S. João Evangelista – e em todas estas páginas da mais bela arte, refulge o génio sensual, sem que por isso se tenha turvado o sono dos meus censores.
E depois, há que repetir – tantas vezes quantas forem precisas – que as atitudes de arte, nada têm a ver com as atitudes da vida.»
Resistente a moralidades, estéticas e cânones
Judith Teixeira foi discriminada e ostracizada pela sociedade conservadora da sua época (incluindo alguns dos seus pares do género masculino), que não tolerava desvios à norma do patriarcado heteronormativo, por ser mulher e ter rompido corajosamente com o paradigma de silenciamento e resignação das mulheres do seu tempo, e por se distanciar da poesia feminina da moda, escrevendo duma forma arrojada, luxuriosa, sensual, existindo nalguns dos seus poemas uma vertente lesboerótica projetada ou vivenciada pela poetisa.
Esboço biográfico
Da sua biografia pouco se sabe: natural de Viseu, filha de mãe solteira e de um pai cujo apelido só conquistou aos vinte e sete anos, Judith Teixeira, casou por duas vezes, primeiro, com um empregado comercial que a acusou de adultério e abandono do lar, depois, com um advogado e industrial bem instalado na vida.
Tudo leva a crer que além de não lhe terem faltado recursos económicos, fosse uma mulher requintada, de bom gosto, independente, livre, culta, muito à frente do seu tempo e bastante bem relacionada no circuito cultural e literário.
Sabe-se que, para além das obras editadas, Judith Teixeira publicou em vários jornais da época (sob o pseudónimo de Lena de Valois), contribuiu para a conceituada revista modernista, Contemporânea, e dirigiu, em 1925, os três números da revista Europa.
A partir daqui, deparamo-nos com uma quantidade de informações que não se podem confirmar (nem desmentir): segundo alguns, terá possuído um negócio de antiguidades, segundo outros, terá vivido durante algum tempo no estrangeiro (em Espanha?), há quem alegue que, serodiamente, teve algumas aventuras amorosas com homens (!)…
O que está provado é que morreu em Lisboa (Campo de Ourique), aos setenta e nove anos, viúva, sozinha, sem deixar filhos nem bens, silenciada e abandonada, quase desconhecida, não tivesse, ironicamente, alcançado alguma notoriedade pública aquando da apreensão do seu primeiro trabalho literário.
Cá para nós, o que interessa é que, pouco a pouco, lenta mas firmemente, o nome da poeta, que teve tantos anos votado a um absurdo esquecimento, permanecendo injustamente expurgado da memória coletiva e da história literária, tem vindo a ser reabilitado… Como diz o ditado: antes tarde do que nunca!
Roberto Y. Carreiro and 15 others
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