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Poesia em Homenagem a Eduíno de Jesus
HOMENAGEM AICL 2019 A EDUÍNO DE JESUS.pptx
1. METAMORFOSE[i] PEDRO PAULO
esperei que nascesses
na praça pública
da garganta do pássaro
que cantasse no ramo de uma árvore
ou no ombro de uma estátua
esperei que florisses
na roseira do Parque Municipal
e o teu corpo branco
não fosse mais
do que um sonho vegetal
esperei que descesses
num raio de lua
e viesses
bailando em pontas (como uma sílfide nua)
deitar-te na minha cama
Na minha fantasia
de menino púbere
esperei que fosses uma melodia
uma flor
um raio de lua
Esperei por ti todos os minutos
do dia e da noite com
os nervos a alma ansiosa
afagando-te nas pétalas das rosas
ou mordendo-te na polpa dos frutos
2. SIMPLESMENTE[ii] carolina
amar-te sem juras nem promessas
sem noites de vigília
nem esta paixão que me buleversa
os nervos e me ensombra a vida
sem desespero sem romance
como se nada tivesse acontecido
sem as tuas lágrimas sem a minha angústia
plácida simples naturalmente
como florescem as ervas do caminho
3. XÁCARA DAS MOÇAS DONZELAS[iii] luciano
A noite é de estrelas
pelo céu brilhando
e as moças donzelas
as moças donzelas
rezando rezando:
Não vem um ladrão
não vem um banqueiro
ou um trovador
ou um cavaleiro
A noite é de estrelas
pelo céu ardendo
e as moças donzelas
as moças donzelas
dizendo dizendo:
Não vem um senhor
de alto coturno
não vem um polícia
ou o guarda noturno
A noite é de estrelas
pelo céu luzindo
e as moças donzelas
as moças donzelas
sorrindo sorrindo:
Não vem um amigo
ou um inimigo
não vem um soldado
não vem um mendigo
A noite é de estrelas
pelo céu redondo
e as moças donzelas
as moças donzelas
supondo supondo:
Não vem um vadio
ou um peregrino
ou um saltimbanco
ou um assassino
A noite é de estrelas
pelo céu profundo
e as moças donzelas
as moças donzelas
sozinhas no mundo
4. TOADA DO MENINO FEIO[iv] carolina cordeiro
Menino feio, da rua
(seria eu próprio, seria?),
tinha uns olhos de Lua
onde a Lua se acendia.
Menino de olhos de Lua,
menino que parecia,
sentado à porta da rua,
que não via nem ouvia.
Menino que me pasmava
pelo que lhe acontecia:
Enquanto ria, chorava,
e enquanto chorava, ria.
Menino sozinho e feio,
brincando sem alegria,
que estranho mundo era o teu?
que mistério te envolvia?
Menino feio, de bibe,
menino que fui, um dia…
Não sei agora onde vive…
Sei lá mesmo se vivia!
5. HIPOCONDRIA[v]chrys
1
Não é não
uma ilusão
da minha hipocondria
(ou seja lá o que for
da minha inquieta
imaginação
doentia
de poeta)
esta sina que a mim
me foi dada
de ir pelo não
semeando amor
e chegar ao sim
não colher nada.
2
Não me resta agora
senão esperar, amor, que venhas, lá de onde
não sei que fadário te esconde
e demora,
semear, por tua
mão, neste árido e agreste descampado do
Mundo, em nome
da Vida, a primavera, e acender por dema-
sia, para os poetas, no negrume
da noite, a Lua.
6. POEIRA DE ASTROS[vi] carolina
depois do sonho e do sonho
e do cansaço e da estrada
quando os olhos já não viam
nem os muros nem a estrada
depois dos beijos e risos
com a ampulheta parada
quando veio súbito o aviso
da noite inesperada
me perdi entre meandros
e rastros de luz inventada
em busca da poeira dos astros
que morrem com a madrugada
7. CONQUISTA[vii] chrys
Eu sou um homem de aldeia,
cheguei à cidade de botas amarelas.
fazem lá ideia
do que os homens da cidade riram de mim e delas!
Pois, apesar disso, a cidade, conquistei-a!
Hoje, sou o dono de um parque onde há um banco e aí durmo e sonho.
Tenho uma mansão em Newport, na Nova Inglaterra, e um yacht ancorado em Saint Tropez, e amanhã mesmo vou montar um negócio de baleias em Liverpool.
Ah, e digam lá vocês agora que eu sou um homem de aldeia!
Sou, isso sim, um armador grego, controlo a maioria dos casinos de Las Vegas, tenho 5% nos negócios de petróleo da Pérsia e já comprei (meu sonho antigo!) o aeroporto de Santa Maria.
Para começar, hoje em dia, já é um pé de meia.
(Só tenho medo que um dia o inspetor dos bancos dos jardins públicos
Descubra e me venha comunicar que o meu banco ali debaixo do plátano à beira do tanque onde nadam os pequenos peixes vermelhos que me vêm comer à mão pertence à Câmara Municipal.)
8. A ÚLTIMA FOLHA[viii] pedro paulo
A última folha
do outono, ainda
presa ao ramo que a prendia
à vida,
veio
um vento à toa,
desprendeu-a.
E aquela folha,
enfim desprendida
do ramo que a prendia
à vida,
agora
que está morta,
voa.
9. A ESTRADA[ix] luciano
Dizem os velhos que esta estrada,
seja curta ou comprida,
que só se chega ao outro lado
gastando a vida
e que depois do outro lado não há mais nada
Todavia, os jovens lá vão, em festa,
de braço dado
e aos beijos pelas sombras, às risadas,
pensando que, depois desta,
ainda há outras estradas.
10. A MENSAGEM DO POETA[x] carolina cordeiro
Na margem
do grande estuário do rio
que anuncia o
fim da viagem
cresce
(ainda) a árvore meta-
física em cujos ramos a Mensagem
do poeta
floresce
11. CHIARO-OSCURO[xi] pedro paulo
como se
de súbito
se acendesse
na noite
compacta
absoluta
o teu sorriso
ou :
um Anjo sus-
pendesse
o voo e
ficasse
parado no ar
perplexo
(como num ex-
voto) a
decifrar
nota a nota
sílaba a sílaba
cada
lágrima ardente
na maciez
do liso frio már-
more
do teu rosto
12. Origem[xii] chrys
Lá, onde o grande estuário
do rio da vida
pressagia a infinita
morte oceânica,
Cresce
a árvores marginal
em cujos ramos o canto
dos poetas floresce.
ouça-o e veja-o aqui em
2016 chrys diz cais da saudade de eduíno https://www.youtube.com/watch?v=G5iWY8RItmw&t=0s&list=PLwjUyRyOUwOKyMkaiepZif1C_4tvtkeRI&index=90
2018 poesia ao meio-dia no 30º na madalena do pico https://www.youtube.com/watch?v=wDOZ-7ClsbM&t=204s&list=PLwjUyRyOUwOKyMkaiepZif1C_4tvtkeRI&index=6
[i] Os Silos do Silêncio – poesia (1948-2004). Lisboa. Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda. 2005. pp. 50-51.
[ii] p. 58
[iii] pp. 63-64
[iv] p. 94 (1944)
[v] pp. 105-106 (1954)
[vi] p. 128 (1952)
[vii] pp.156-157
[viii] p. 272
[ix] p. 326 (1948)
[x] In Os Silos do Silêncio (Poesia, 1948-2004), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.
[xi] (INÉDITO)
[xii] In http://www.circuloarturbual.com/literatura/eduinodejesus/tabid/170/language/pt-pt/default.aspx