POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA

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POEMAS DA ANTEMANHÃ – 1 Aqui, longe, num café de Lisboa, quase a beira do Tejo turvo das fragatas, a olhar um paquete que vai na direcção da barra, subitamente é como se eu também partisse. E só de pensar-me partindo embarco e, deslumbrado, imagino-me chegado às ilhas. Todo um mundo familiar ressurge nos meus olhos! E vejo-te, Mãe Terra; és tu, de nuvens e de aves marítimas coroada, no meio desse Atlântico – bravio abraço de águas salgadas que nos atira para o mundo, nos separa do mundo -. Sinto o cheiro saboroso do teu chão de lavas verdes; ouço mesmo o rumor surdo das ribeiras caindo das rochas abaixo (ou será talvez o mar batendo nos baixios da costa?)… Estou, Mãe Terra, nas tuas cidades, nas tuas vilas mortas, e, mais sobre oeste, tanto que ali a Europa acaba, na freguesia onde eu nasci. Vejo nitidamente os campos de milho e, no cimo, as relvas e o azul das hortênsias. Sigo pelo caminho habitual da beira-mar e uma figueira estende-me a sombra dos seus ramos.Com um molho de lenha à cabeça uma rapariga passa e olha-me com a naturalidade de quem sabe que voltei. Um menino leva as vacas para a relva e, como sempre, os velhos estão sentados à praça. Por caminhos de terra e mar parto e, logo, chego. Estou nas cidades e nas vilas, em todos os lugares de cada uma das nove ilhas. Os meus antigos companheiros, tantos deles por aí dispersos, outros, como eu, perdidos longe – na Europa, em África, nas Américas -, estão agora todos presentes. Penso que alguma cousa diferente vai passar-se, algum acontecimento extraordinário. Vejo-te, Mãe Terra! Vejo-te, mas eu sei, é só de imaginar-te que te vejo. É só de saudade a tua presença em mim. Estou longe… Longe, Mãe Terra! E a tua madrugada impede-a um muro hostil de braços estendidos cor de azebre. Pedro da Silveira, fui ao mar buscar laranjas 1, DRC, Angra do Heroísmo, 1999