Views: 0
vem correr comigo, à bi rua (junho ‑
dezº 1970)
vem correr comigo. cabelos soltos ao vento.
pernas fustigadas pelas espigas,
como um poema lançado ao fogo.
o cheiro a campo e feno.
calma na aldeia de campos povoados.
gente afanosa que semeia o que se colhe
as terras adubadas pelo suor.
as mãos calejadas pelo trabalho.
o pó a entranhar‑se
nas rugas da cara.
os dias belos, verdes e azuis, cinzentos, iguais a tantos.
os cães ao longe guardando os rebanhos.
a fome e os verdes prados.
o sol a pino, como pá ou picareta abrindo estradas,
fazendo brotar água das f(r)ontes dos lavradores.
a brisa que não corre na sombra que se escolhe
a merenda frugal comida de criança para homens feitos.
a enxada até sol‑pôr.
vidas penhoradas por frutos que não serão colhidos.
ao longe passam carros sibilantes.
por cima enormes monstros dos ares
atroam a calma, violam a aldeia. o sino assustado repica a medo.
pendurados nos fios há pardais. nas fundas há pedras.
as velhas sentadas ao sol que entra nas portas abertas.
enxameiam moscas. crianças chafurdam na lama.
cães encostados às próprias sombras
sacodem as moscas, coçam as pulgas
(em todas as elites sociais há parasitas!)
cabeças inquisidoras, dos lábios o cumprimento,
saudação oculta, comentários inconvenientes.
fica a pairar o murmúrio.
chapéus nas cabeças, mãos que se levam ao chapéu.
e nós só queríamos os verdes campos
a vontade contida de correr e saltar
a liberdade dos pássaros‑homens
feitos aves.
as noites claras e límpidas, estrelas como teto.
a terra a pulsar sob nossos corpos.
com um frémito percorrendo formas, o seu calor.
coladas as bocas, juntas as mãos
o nosso bafo entrecortado
por teto as estrelas.