Views: 0
ADIAR OU NÃO AS ELEIÇÕES REGIONAIS?
1. Vivemos circunstâncias impensáveis para a minha geração ou para a geração dos nossos pais. Há mais de cem anos que o mundo não era assolado por uma pandemia com as características do coronavírus Covid-19, que em pouco tempo impôs tão grande mudança nas nossas vidas e levou ao decretamento do estado de emergência pelo Presidente da República, já renovado por duas vezes. Daqui a alguns dias, decorrido o estado de excepção, a vida retomará o curso possível, com um conjunto de restrições que perdurarão por largos meses e para as quais temos de nos preparar. Para além da necessidade de uma urgente agenda para a retoma económica, teremos de ter uma nova agenda para o nosso dia-a-dia, mas também uma agenda para o funcionamento da democracia, garantindo que as instituições democráticas continuam a funcionar.
2. Este ano, por ser o último da actual legislatura, realizam-se eleições dos Deputados para a Assembleia Legislativa, cuja marcação compete ao Presidente da República, ouvidos os partidos com assento parlamentar. Nos termos do artigo 19º, nº 2 do Decreto-Lei nº 267/80, de 8 de Agosto (Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores), as “eleições realizam-se, normalmente, entre o dia 28 de Setembro e o dia 28 de Outubro do ano correspondente ao termo da legislatura”, tendo as eleições sido realizadas, habitualmente, no mês de Outubro.
Numa circunstância normal, as eleições seriam marcadas para uma data entre 28 de Setembro e 28 de Outubro próximo, com os partidos e as forças políticas já numa fase de pré-campanha eleitoral, desmultiplicando-se em acções e iniciativas destinadas a divulgarem as suas propostas aos eleitores, num clima de liberdade e de autenticidade democrática. Porém, atravessamos momentos incertos quanto às consequências futuras da pandemia, sendo certo que as actividades que eram normais sofrerão uma profunda alteração, desde logo quanto às dinâmicas habituais das campanhas eleitorais, que impõem contactos directos com os eleitores que pressupõem a reunião de um elevado número de pessoas, incompatível com uma necessidade geral de contenção social.
3. Perante estas circunstâncias, as eleições regionais deveriam ser adiadas por um período de 3 a 6 meses, assegurando uma igualdade na pré-campanha e na campanha eleitoral, entre os partidos e forças políticas e, especialmente, entre os eleitores. Fazer uma pré-campanha eleitoral e uma campanha eleitoral com sujeição a restrições nos contactos e nas reuniões compromete irremediavelmente a plenitude da democracia e perturba a democraticidade do acto eleitoral.
Como democrata, gostaria de nunca ter de propor uma solução destas, mas ela é a única que assegura a livre participação dos eleitores no processo eleitoral, tendo sido seguida já em 48 países do mundo, de acordo com o survey realizado pela International Foundation for Electoral Systems (www.ifes.org), desde a França que adiou a segunda volta das eleições autárquicas até ao Reino Unido que adiou para 5 de Julho do próximo ano as eleições locais.
O adiamento passa por um consenso regional entre os partidos com assento parlamentar, com a concordância do Presidente da República, e a transposição desse acordo político para uma anteproposta de Lei a apresentar à Assembleia da República, para uma mudança cirúrgica e excepcional da nossa lei eleitoral, já que o parlamento regional dispõe de iniciativa legislativa exclusiva nesta matéria.
A decisão deve ser tomada imediatamente, em nome da certeza e da estabilidade democrática.
(Publicado a 22 de Abril de 2020, no Açoriano Oriental)
