PEDRO GOMES · AMANHÃ TUDO SERÁ PIOR

Views: 0

AMANHÃ TUDO SERÁ PIOR

Neste tempo sombrio, apenas uma coisa importa: salvar vidas, salvar todas as vidas que puderem ser salvas. É preciso fazer tudo o que estiver ao alcance das entidades públicas – em primeira linha – e de todos nós, para vencermos. A esperança não pode ser desesperada, mas determinada. Não sabemos se nos habituamos a um modo diferente de trabalhar, de conviver com os outros apenas pelas redes sociais ou pelo telefone, a este confinamento do qual depende a sobrevivência de todos. Os dias são longos e parecem iguais, escondidos nas rotinas que nos reinventam. Lá fora faz sol ou chove: pouco importa, pois o dia é prisioneiro da janela da sala. A ausência dói como nunca a adivinhámos. Um dia, muito mais tarde, vamos rir-nos, outra vez juntos, destes dias incertos, celebrando o amor e a amizade. Mas, choraremos por todos os que não tiveram a essa sorte e caíram no meio da tormenta que não escolhe ninguém. Já nos faltam as palavras para confortarmos os amigos que perderam familiares ou amigos, sem os podermos abraçar, encostar o nosso coração ao deles e murmurarmos: “estou contigo”. Temos de ser fortes, muito fortes, para descobrirmos novas formas de amor e de amizade à distância. Custa muito, mas tem de ser.
Os dias iguais não são iguais. A disposição e o humor variam em cada dia ou em momentos do dia. Por vezes, estamos animados, quase luminosos. Outras, parece que transportamos o mundo às costas, em que nada nos anima.
Vemos os noticiários, repetindo as notícias do dia, actualizadas ao minuto, vindas de todos os lados do mundo. O cenário é sempre o mesmo: mais mortes, mais infectados, novas incertezas. A vida parece já não ter valor. A dignidade na morte desapareceu, na enxurrada de corpos que enchem morgues improvisadas, às quais as famílias não podem ter acesso por razões sanitárias.
Que vida é esta? Interrogamo-nos, no limite da impotência, ao mesmo tempo que agradecemos silenciosamente a tanta gente anónima, que não aparece nas capas dos jornais ou nas principais notícias dos telejornais, que dá o melhor de si na primeira linha do combate à pandemia e nos serviços essenciais para que a vida em sociedade não pare: médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar das unidades de saúde, bombeiros, polícias, padeiros, empregados de supermercado, bancários, empregos dos correios e tantos outros, cujos rostos enchem o nosso coração, em todas as horas destes dias. A nossa gratidão não chega. Devemos-lhes tudo, eternamente.
Sabemos que não estamos sozinhos, como nos lembrou o Papa Francisco, na passada sexta-feira, numa oração pela humanidade em que apenas pudemos participar através da televisão e dos canais digitais. Num comovedor momento, em que a fragilidade física do Papa numa imensa Praça de São Pedro vazia, nos convoca à oração, independentemente dos credos e das religiões e à solidariedade, apesar do pouco que poderemos ter amanhã. Aprendemos, pouco a pouco, uma nova frugalidade, despojada de bens materiais. Como escreve Rui Pires Cabral, “amanhã tudo será pior/ainda, eu sei: o hábito, a inércia,/o sem remédio da vida – tão pouco/haverá para salvar”.
Que vida é esta? A pergunta não tem resposta. Não a conseguimos encontrar, pois as doenças ou esta pandemia não têm um sentido moral ou uma finalidade. Fustigam a humanidade, como as tempestades ou as catástrofes, seguindo o curso da natureza, ao contrário das guerras.
Não podemos ter medo, embora tenhamos medo.

(Publicado a 1 de Abril de 2020, no Açoriano Oriental)