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PORQUE É QUE O EXPRESSO NÃO PUBLICOU O TEXTO DE ERNESTO RODRIGUES ?
( Professor associado com agregação da Faculdade de Letras de Lisboa, onde lecciona a cadeira de LINGUAGEM DOS MEDIA )
O caso Pedro da Silveira teve até agora três momentos:
1) Em que Valdemar diz que o Poeta Pedro da Silveira é informador da PIDE;
2) Em que Ernesto Rodrigues demonstra que Pedro da Silveira é um pseudónimo do informador da PIDE Duarte Gusmão;
3)Em que Valdemar se retracta e diz que o Poeta Pedro da Silveira não é informador da PIDE.
Porque é que o Expresso não contou a história completa e sonegou aos leitores o momento 2?
Estamos perante UM EXPRESSO ENVERGONHADO
Por ERNESTO RODRIGUES:
Em notícia da revista do Expresso (9 de Outubro de 2021, p. 38) sobre o centenário da Seara Nova, destaca António Valdemar o seareiro Pedro da Silveira (1922-2003), poeta, tradutor e investigador, que acusa de informador da PIDE. Surpreenderam-no as “delações políticas” de quem era “considerado indefectível militante antifascista e histórico oposicionista do salazarismo e do marcelismo”, e reproduz dois documentos não assinados por qualquer Silveira, ou que provem a sua tese. Acrescenta: “A deslocação de Pedro da Silveira ao Brasil era conhecida, mas atribuída a uma viagem para efectuar pesquisas literárias em bibliotecas e arquivos. Os documentos devidamente identificados – e a integrar numa investigação mais aprofundada – revelam a componente negra da realidade.” Centrais, o cartão de sócio da Casa dos Açores e fotografia da placa há umas semanas colocada na casa lisboeta onde o Açoriano viveu entre 1970 e 2003. Tudo parece claro – se não fosse um mau serviço prestado a semanário sério e mancha (agora apagada) na memória de quem terá celebrações centenárias no próximo ano.
Antes de argumentar contra essa tese, duas notas: o movimento de repúdio começou, ainda no sábado, com Teresa Martins Marques, no Facebook, a que juntei a primeira prova, em trabalho de Heloísa Paulo, que também me serviu para alertar o Expresso. Aguardei contacto deste semanário, que chegou nesta tarde de 12: irá fazer mea culpa.
Trata-se, pois, do reconhecimento de um «grave equívoco», já não só «provável equívoco», como diz Luís Miguel Queirós em título do Público do dia, 12, alertado pela «polémica nas redes sociais», onde não poucos estranharam chamada de primeira página do Expresso – “Antifascista da Seara Nova informava a PIDE”.
Os informadores da PIDE não assinavam com o próprio nome, e só alguma distracção burocrática os identificava; sabe-se, confirmado por agentes da PIDE e notícia do Diário Popular de 19-11-1976 aproveitada em A História da PIDE, de Irene F. Pimentel, que a então DGS destruiu no 25 de Abril os ficheiros com essas correspondências.
Dois: longa seria a única viagem do poeta, entre 1961 e 1965. Não se faz prova, nem seria tão prolongada.
Na carta enviada ao Expresso, informei que Pedro da Silveira era pseudónimo de Duarte de Vilhena Coutinho Feio Ferreri (ou Ferrery) de Gusmão, “ou simplesmente Duarte Gusmão, que chegou ao Brasil em 2 de julho de 1960, depois de haver solicitado asilo na Embaixada Brasileira em Lisboa. Gusmão, como era mais conhecido pelos outros exilados, morava num hotel e tinha sempre dinheiro disponível para as empreitadas oposicionistas, o que despertava a atenção de alguns dos opositores exilados, […]. Nos seus relatórios, assinados com a alcunha de “Pedro da Silveira”, oferecia diversas informações acerca de reuniões e contactos realizados pelos diversos grupos exilados, nomeadamente aqueles vinculados ao General Humberto Delgado e ao Capitão Henrique Galvão.”
Citei a investigadora Heloísa Paulo (“O exílio português no Brasil nas décadas de cinquenta e sessenta”, Cadernos Ceru, v. 23, n. 2, 2012, p. 46-47), que L. M. Queirós secunda, e Teresa Martins Marques e eu confirmámos junto da própria, a par do depoimento que lhe deu Camilo Mortágua (2009). Reafirma a sua tese e Mortágua em artigo de 2014, “A militância oposicionista portuguesa exilada na América Latina e a diplomacia de Salazar: a presença do regime no exílio”, ambos online.
Dissertação também digitalizada de Viviane de Souza Lima (Solidariedade Atlântica. Movimento Brasileiro em Apoio às Independências Africanas, entre Percursos e Conexões (1961-1975), Belo Horizonte, 2017, p. 141-146) cruza outros depoimentos e informação vital no Ministério dos Negócios Estrangeiros [MNE] e em instâncias brasileiras: “Na pasta de documentos da PIDE que reúne os relatórios escritos por Pedro da Silveira, intitulada ‘Relatórios da pessoa mencionada no despacho n.º 18’, consta um ofício de Duarte Gusmão encaminhado ao ministro da Justiça do Brasil em que o português solicita a suspensão de sua condição de exilado político no país e a concessão de um passaporte para estrangeiro extensivo à América, Europa e África.
No documento, com data de 8 de janeiro de 1964, Gusmão afirma à autoridade brasileira ter um convite para lecionar uma cadeira de História e Filosofia em uma universidade estrangeira e, por isso, não teria planos de retornar ao Brasil. // Um outro fato que confirma a ligação entre Duarte Gusmão e Pedro da Silveira é que o pedido encaminhado pelo professor ao Ministério da Justiça do Brasil é anexado a um relatório do informante Pedro da Silveira, relativo à primeira semana de janeiro de 1964, e ambos são encaminhados pela Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa. Mas o indício mais forte é o oficio que acompanha os documentos e descreve o teor deles. // O texto do ofício afirma que ‘a pessoa mencionada no despacho n.º 18’ é a autora do ofício ao Ministério da Justiça, assinado por Duarte Gusmão, e do relatório de espionagem, feito por Pedro da Silveira. Segundo o mesmo documento, é intenção da mesma pessoa ‘seguir para o Senegal, naturalizando-se cidadão daquele país, exercendo função num estabelecimento de ensino. Insinuou que não deixaria de colaborar com as autoridades portuguesas na mesma base em que o vem fazendo’. Para esse trabalho, são importantes os relatos que Silveira/Gusmão fez das atividades dos grupos de ativistas pró-independência africana do Rio de Janeiro no tempo em que esteve na ativa.”
L. M. Queirós retoma este decisivo argumento, mas a história já vem contada em Camilo Mortágua, Andanças para a Liberdade, vol. II. 1961-1974, 2013, p. 223- 253, fechando com a certidão de óbito de Duarte Gusmão. O apêndice intitula-se “O incrível ‘Despacho 18’”, com fotografia do herói, habituado a dar jantaradas aos oposicionistas e a pagar, mesmo, parte da renda do apartamento de Humberto Delgado. Vivendo em hotel desde 1964 e sem emprego, era de desconfiar deste «verdadeiro democrata antifascista», como se diz em carta de 3-1-1964 a Delgado. Artista consumado, começou por assinar Eduardo Costa, António Pinto dos Santos e, finalmente, Pedro da Silveira.
Último argumento insofismável: se a fotografia de membro da Casa dos Açores (1958) reproduzida no Expresso acompanha o Espólio 39 da Biblioteca Nacional, fácil é ver a assinatura digitalizada do poeta. Já para conhecer as 34 caixas do seu espólio precisamos de subir aos Reservados e conhecer a sua letra larga, tão diversa da do informador Silveira, visível na p. 246 de Mortágua e em documentos do MNE que Heloísa Paulo nos facultou, aqui reproduzidos.
A luz da razão apagará este pesadelo. E teremos, creio bem, aquele renovado elogio de António Valdemar ao verdadeiro Pedro da Silveira, “Um erudito do século XX” (Diário de Notícias, 20-V-1982).
[Em 13, nota do Expresso desculpava-se, seguida de explicações de A. Valdemar, a que contrapus, nas redes sociais, onde já saíra o texto anterior:
«O jornalista António Valdemar reconhece o erro que cometeu ao confundir o poeta e colaborador da “Seara Nova” Pedro da Silveira com um informador da PIDE que utilizava o mesmo nome. O Expresso, e o autor do artigo “Pedro da Silveira: informações para a PIDE”, publicado na Revista de 9 de outubro de 2021, pedem por isso desculpas a todos os leitores, visados, familiares e amigos de Pedro da Silveira por este lamentável erro.»
No Expresso online de hoje, há demasiadas explicações e derivas para justificar o injustificável e para dizer o evidente: António Valdemar foi induzido em erro por um professor universitário que não identifica e, como reconhece, ignorava os artigos de estudiosas brasileiras. Rasura, mesmo, a informação mais importante de Viviane de Souza Lima: « O texto do ofício afirma que ‘a pessoa mencionada no despacho n.º 18’ é a autora do ofício ao Ministério da Justiça, assinado por Duarte Gusmão, e do relatório de espionagem, feito por Pedro da Silveira.» Ignorava mais, e já escrevi: a assinatura de Duarte Gusmão (reproduzida aqui em posts anteriores), a bibliografia de Camilo Mortágua, o elementar pidesco (os informadores não assinavam com o próprio nome).
Sem tanta explicação, o Expresso reconheceu, em email que me enviou ontem, 12, o «grave equívoco» em que incorreu.
Na edição de 16, em papel, um Expresso envergonhado comete as seguintes falhas:
1. A confissão do erro vem ao fundo da primeira coluna, e não à direita, com o destaque que a acusação teve no dia 9.
2. Remete para a p. 35, Cartas da Semana, acompanhado, ainda, de uma reprodução pidesca, já em 9, que em nada apoia a tese inventada por Valdemar.
3. Não vem a minha carta, enviada ao jornal no próprio dia 9, às 23,07 h, em que alertei para o erro. Nem a carta acima, que pretendi enviar a 11, sem obter resposta, e, finalmente, enviei ao director-adjunto Miguel Cadete, a 12, após a notícia saída no Público – diário que, aliás, escamoteou a autoria das primeiras informações saídas no Facebook, que o articulista L. M. Queirós reduziu a uma polémica nas redes sociais.
4. Enfim, era na revista – lugar do crime –, e não no primeiro caderno, que o Expresso deveria ter reconhecido o erro. Porque não o reconheceu, ao menos, em editorial? Tudo escondido, vergonhoso, lamentável.]
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- ActiveLuísa RibeiroNão me será fácil voltar a comprar o Expresso.1
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