PAULA SOUSA LIMA ” OS VELHOS “

Recensão crítica de Santos Narciso ao livro “Os Velhos”, de Paula De Sousa Lima.
Este será lançado já amanhã, às 18:00h, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada e apresentado por Vamberto Freitas.
Não perca, mais uma incrível obra de Paula de Sousa Lima.
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Mais um grande, grande livro de Paula de Sousa Lima. Mais uma memorável edição Letras LAVAdas.
Esta semana na minha página “Leituras do Atlântico”:
Os Velhos
Que livro! Recebi-o há poucos dias e, como sempre faço, antes de o colocar na estante, ao lado de muitos outros que aguardam vez para serem lidos, abri-o, numa página à sorte, par ver o estilo e procurar conhecer um pouco daquilo que podia esperar da sua leitura. Aconteceu, simplesmente, que não fui capaz de o deixar e em três ou quatro dias – também pela noite dentro – li-o todo. “Os Velhos”, de Paula de Sousa Lima, edição Letras LAVAdas.
Vai ser apresentado no auditório da Biblioteca Pública de Ponta Delgada, já no próximo dia 12 deste mês de Maio (quinta-feira), pelas 18 horas, com o saber e mestria do nosso maior crítico literário e “apóstolo” da Literatura Açoriana, Vamberto Freitas que, como ninguém, saberá analisar este romance no plano literário e no enquadramento social de uma realidade difícil – de tão antiga e actual – que torna este “Os Velhos” numa verdadeira voz, forte e contundente, não aconselhável a quem tenha medo de confrontar o comodismo do viver com o realismo do provir.
Paula de Sousa Lima, com três pensamentos, um de Stendhal: A velhice, essa época em que se julga a vida e em que os prazeres do orgulho se revelam em toda a sua miséria; outro de José Saramago: Sentir como uma perda irreparável o acabar de cada dia. Provavelmente, é isto a velhice; e o último, de Gustave Flaubert: As recordações não povoam nossa solidão, como dizem; ao contrário, fazem‑na mais profunda, mergulha o leitor em duas Sequências, cada uma delas com três andamentos, nas quais conjuga o antes e agora de duas grandes realidades resumidas a duas palavras: Velhice e Solidão. Solidão na família e solidão no que se chama de lares: “Isto é um depósito de velhos, de gente imprestável e inconsequente, de gente cujo corpo já não tem nada que funcione minimamente bem, tudo em nós vai falhando, estamos todos a morrer lentamente, e é essa lentidão que nos contorna de tristeza e tanto repugna a quem nos rodeia.”
A forma como a autora encarna medos e angústias – “A noite é o tempo de todos os terrores”, a força que faz desprender de cada momento de vida e a capacidade de levar o leitor a interrogações fortes, íntimas e inquietantes, fazem com que este “Os Velhos” seja muito mais do que um romance. Atrevo-me a dizer que este livro é um tratado em que Sociologia, Antropologia e Psicologia andam de mãos dadas num produto final que é muito mais que simples Literatura. Há aqui uma espécie de “crime e castigo” que fica magistralmente firmado “Onde se encerra o livro” – “acerca da fortuna da Doutora Helena e do que foi o lar de idosos após a sua destituição do cargo de directora, por terem necessariamente de rolar cabeças, e foi a dela”
Doutora Helena, a personagem que encarna o pior que se pode fazer na destruição da identidade duma pessoa, Maria de Fátima, Ernestina, Jeremias e tantos outros, nos seus “antes e depois”, autênticos “murros no estômago” de quem lê e se sente parte integrante desta sociedade adormecida por aquele “o que há a cumprir-se forçosamente se cumprirá”.
Paula Sousa Lima não precisa de qualquer apresentação. Nascida em Lisboa, vive nos Açores desde os seis anos, com uma passagem por Moçambique.
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas e Mestre em Literatura Portuguesa, tem exercido funções de docente tanto no Ensino Superior como no Secundário, dedicando-se também à investigação, da qual resultaram artigos sobre literatura, língua e didáctica, publicados em revistas das especialidades.
Mantém, desde há vários anos, uma colaboração assídua em jornais, com crónicas e artigos sobre literatura e língua. É co-autora de uma obra de gramática (Explicações de Português), publicada pela ASA. No âmbito da actividade literária, publicou vários contos e poesia em jornais e nas revistas NEO e Insulana, Transeatlântico e Grotta, e alguns romances, entre os quais Os últimos dias de Pôncio Pilatos (casa das letras 2011), O tempo adiado (Asa 2009),Variações em Dor Maior e Crónica dos Senhores do Lenho.
É autora de O Outro lado do mundo (Prémio Daniel de Sá 2016), Pretérito Mais que Perfeito e O Paraíso, entre outros.
E ainda há cerca de dois anos apresentava o seu livro “Penso, Logo Escrevo”, com chancela Letras LAVAdas, e também nunca esqueço o seu belo livro “Mas Deus não dá licença que partamos”, uma obra que verdadeiramente me marcou.
Em Paula de Sousa Lima há também outra coisa que me encanta. A forma como escreve, essencialmente a forma como pontua o texto, num encadeamento que nos obriga a não “ler de cor”, nem “de corrida”, porque em cada “virar de frase” há uma surpresa que nos espreita e encanta. E é a pontuação, aquele segredo que ela cultiva como ninguém, que às vezes nos alenta para longos parágrafos que acabamos por ler sem lhe notar o tamanho, precisamente porque a palavra lhe flui ao ritmo do pensamento em que facilmente nos embrenhamos.
Este é, pois, mais um grande romance de Paula de Sousa Lima. E chamo-o grande porque grande é o problema que aborda e que não pode ser escamoteado: os maus-tratos aos idosos e as diversas formas que assumem. “foi a sua chefia prestimosa, o lar andou sobre rodas, é o que tenho a dizer, mas isto dos maus‑tratos, olhe, já se sabe lá fora, ainda ha‑de vir nos jornais, que estamos sempre debaixo do olho de todos, está na moda esta coisa dos idosos e dos maus‑tratos, a Helena é a responsável pelo lar, portanto também pela segurança dele, e segurança parece que não há, isto é um imbróglio, lamento, lamento muito, mas acho que a Helena só tem uma coisa a fazer, renunciar ao cargo, até porque é a maneira mais airosa de se sair desta situação, vão abrir inquérito, ai se vão, e a Helena, se não renuncia, bem, fica em maus lençóis,…”
Para mim, e como já referi, este é muito mais que um romance. É uma espécie de diário em que infortúnios e felicidades do passado povoam solidões de presente, daquelas solidões sem sono e sem querer “comprimidos, muitos comprimidos”, preferindo as noites de olhar para o relógio e sentir medos até dos brancos do tecto e das paredes que parecem mover-se até asfixiar.
E, como leitor, só desejo que este romance pudesse ser por todos lido e contado como mais um castelo de sonhos para que não seja verdade que “não existirão, como nunca existiram, jarras com flores, nem cores nas paredes dos quartos, nem janelas escancaradas ao sol, nem gargalhadas na sala de convívio.
Os velhos continuarão descrentes e tristes, quase imóveis e com a vontade tolhida. E sobre eles continuará a planar a solidão”.
Santos Narciso
Ana Cláudia Oliveira
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