PAULA SOUSA LIMA ASNEIRISMOS E REGIONALISMOS

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AMIGOS, cá vai a crónica deste sábado.
Acerca das palavras XXXV – regionalismos e asneirismos
Há o regionalismo e há o asneirismo, palavra esta segunda que não é da minha lavra, bem o gostaria, mas de uma amiga, a quem dedico esta crónica. Muitos querem legitimar os seus erros atribuindo-lhes a designação de regionalismo, o que pode dar muito jeito, mas pouco “cola”. Com efeito, distinguem-se muito bem regionalismos e asneirismos, conquanto existam asneirismos muito regionais, ou seja, próprios de determinadas regiões.
O regionalismo é uma expressão verdadeiramente deliciosa da língua, até porque faz diferenciar uma região de outra(s) e cria um sentido de pertença a um grupo – linguístico, cultural, local, enfim. Confesso-me adepta do regionalismo e avessa a uma língua assética, sem cor e sem paladar, feita de expressões que todos repetem, não consentindo, portanto, a diversidade nem concorrendo para a identidade de locais específicos – e especiais. O regionalismo, ao contrário, faz com que a língua tome matizes de particularidade, fazendo-a especial, dá cor e gosto ao falar, tem graça e confere história ao idioma. De facto, o regionalismo faz sempre parte de uma tradição, no caso linguística, situando o falante como herdeiro do falar dos pais, avós, bisavós, trisavós, tetravós… O regionalismo patenteia, outrossim, uma cultura particular e especial, pois as expressões ditas num local são marca da sensibilidade e da afetividade desse local. Não será por acaso que aqui, nestas ilhas contornadas de religiosidade, usamos a palavra “sagrada/o” para nos dirigirmos a alguém. Lembra as festas do Santíssimo e do Senhor Santo Cristo, é coisa nossa, que nunca devemos renegar. Outras expressões temos – e tantas – que são particularmente expressivas. Há alguma palavra melhor do que “desarida/o” para referenciar um estado de certo desnorteamento, de certo nervosismo, de certa agitação interior? Procurei palavras para caracterizar “desarida/o”, mas não encontrei nenhuma minimamente rigorosa, e os meus leitores bem dirão que “desarida/a” não é exatamente o que digo, é… Olhem, se arranjarem boa definição, digam-me.
Infelizmente, muito mais pomos a tónica no asneirismo, para o criticar, do que no regionalismo, para o louvar. E então, “desancamos” no “vaia” em vez de “vá”, no “vi-lo” em vez de “vi-o”, no “eles comerem” em vez de “eles comeram”, enfim, num sem número de deturpações muito próprias de quem não teve oportunidade de aprender a falar melhor – ou de quem, tendo oportunidade, não quer falar melhor, por razões que ultrapassam o meu entendimento. Muito de lamentar é o facto de nos focarmos muito nos nossos asneirismos, cuidando que somos a região do país onde se comete mais erros. Não tenhamos, caríssimos leitores, tal complexo de inferioridade. Ora reparem que aqui não se diz “há-des” nem “há-dem” nem “amandar”. Pois é. Muitos asneirismos percorrem o país, típicos de várias regiões e também transversais a todas as regiões – e são esses erros transversais que mais me preocupam e incomodam, pois vão corroendo a língua de forma globalizada.
Enfim, concluindo de uma forma que os leitores já vão, certamente, reconhecendo, faço os meus apelos: não se confunda regionalismo com asneirismo e combata-se sempre e insistentemente o segundo, pois conspurca a língua e conspurca-nos a todos – sobretudo ao ser confundido com o regionalismo.
Vamberto Freitas, Paula Cabral and 34 others
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