PAULA SOUSA LIMA A CRÓNICA SEMANAL

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AMIGOS, aqui vai a crónica deste sábado:
Acerca das palavras XXXVI – De quem é a culpa?
Tudo o que corre mal há de forçosamente ter uma causa – ou um culpado. É assim que se pensa por cá, pelo país, pela Europa, por todo o Ocidente. Apontar o mal, seja-o realmente ou não, faz parte da nossa matriz cultural, como o faz apontar o culpado desse mal. No caso dos “males” de que padece a nossa língua, ou, melhor, o uso dela, têm-se apontado vários culpados, desde os nossos irmãos brasileiros à falta de leitura. Examinemos, então, tais supostos culpados, com o simples intuito de sermos justos.
A culpa é do Brasil? Bom, convenhamos que, com a chegada das telenovelas brasileiras, se foi sentindo uma aculturação de Portugal pelo país irmão. Isto é natural, mais natural, até, do que comemorarmos o Halloween, e ninguém, ou quase ninguém, se insurge contra a nova festividade. Eu sou confessa admiradora do Brasil, dos falares e da literatura brasileira, mas a verdade, não posso negá-lo, é que a língua portuguesa falada no Brasil enferma de alguns graves desvios à nossa norma. Também é verdade que nos temos apropriado de muitos erros brasileiros, usando-os displicentemente. Portanto, a culpa não é do Brasil, é nossa. Dir-me-ão que os mais novos, de tanto ouvirem o Português do Brasil, em vídeos, dele se vão apropriando ingenuamente. Pois, mas a culpa continua a não ser do Brasil, é dos pais das criancinhas aculturadas.
Vamos a outro potencial culpado, culpada, no caso: a falta de leitura. Não me parece que cada vez se leia menos, o que noto é que cada vez se lê mais “literatura” de má qualidade. Hoje, qualquer alma se julga artista e escreve um livrinho, que, quanto mais manhoso for, mais leitores terá. Normalmente, tais livros, associados aos de autoajuda e aos de mexerico, ou seja, aqueles que contam a vida de celebridades e afins, estão escritos num péssimo Português, logo não são bons modelos linguísticos. Ler seja o que for não é boa ideia, e, por vezes, nem os professores de língua materna se insurgem contra essas leituras indesejáveis, o que revela a falta de exigência da escola.
Ora examinemos essa falta de exigência do ensino como outra potencial culpada. São os professores atuais mais permissivos do que os de outrora? Se são, é porque lhes é exigido que o sejam. São menos cultos? Não, não são, não podem é fazer uso da sua cultura, não vá ela traumatizar os alunos e desarranjar as estatísticas. A escola, atualmente, dispõe de bons programas para a disciplina de Português, mas, se os meninos não “aderirem”, devem os docentes, de acordo com sugestões superiores, simplificar, aligeirar, “vestir” os conteúdos de roupagens lúdicas, engraçada, aliciantes, e estas roupagens, muitas vezes, desvirtuam o que é ensinado. Sim, aqui temos um culpado: a tutela, repito, a tutela.
E o professor? É culpado? O professor dá o seu melhor, inventa e reinventa, mas para que serve o seu esforço? Para pouco, para quase nada. E o que é que isto tem a ver com o mau uso da língua? Tudo. Em tempos idos, o professor era respeitado, era um modelo, e os alunos apreendiam duplamente: aprendiam os conteúdos literários, gramaticais, de escrita, e aprendiam a falar como o professor, pessoa reverenciada pelo seu saber. Hoje, o professor não é alguém a reverenciar, sequer a minimamente respeitar. Têm os alunos todos os direitos, inclusivamente o de pôr em causa o professor, e não o estimam o suficiente para imitarem o seu bom uso da língua. E o desalento do professor faz com que também ele, por vezes, deliberadamente abastarde o uso da língua a fim de ser entendido pelos discentes. Culpados? Todos nós. Uns porque fazem dos professores seres menores, outros porque se deixam fazer seres menores.
Não fui muito conclusiva? Fui, fui. Se, caro leitor/a, leu o texto com atenção, percebeu-o e ficou esclarecido.
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