PAULA SOUSA LIMA Acerca das palavras XXXII – gramática implícita

AMIGOS, cá vai a crónica de Sábado, no Açoriano Oriental.
Acerca das palavras XXXII – gramática implícita
De há uns tempos para cá, tenho publicado (não “postado”, que há palavra portuguesa) no Facebook pequenos textos onde exponho medonhos erros de língua, erros esses que vou “pescando” aqui e ali e para os quais proponho a justa correção. Dos muitos “gostos” (não “likes”, pois há, novamente, palavra portuguesa) que tenho recebido, não pequena parte acrescentam comentários – e deveras interessantes, devo dizer. Forma-se, naquele espaço da rede social, uma espécie de tertúlia de gente interessada na nossa língua, que, muitas vezes, de forma direta ou indireta, formula esta pergunta: porquê? Por que razão tantos falam e/ou escrevem de forma tão errada?
Uma das comentadoras do Facebook, entusiasta da língua portuguesa, não duvido, deu esta explicação: quem comete os tais medonhos erros é burro e atrasado mental. Não me vou aqui pronunciar sobre a falta de bom-senso de quem assim falou, até porque já muita gente lhe demostrou o seu repúdio; interessa-me, tão-somente, esclarecer o que já na “rede” esclareci: quem comete erros de língua não é burro nem atrasado mental, pode ser mesmo muito inteligente e capaz, simplesmente não teve boas referências linguísticas. De facto, ninguém aprende a falar pelos livros nem tendo aberta ao lado uma gramática. Aprende-se a falar mimeticamente, isto é, por imitação dos discursos ouvidos recorrentemente no dia-a-dia, portanto aprende-se a falar de forma natural e espontânea. A partir desta imitação, vão-se, intuitivamente, desenvolvendo “regras”, as quais passam a configurar a chamada gramática implícita, que todos possuímos muito antes de conhecermos as regras prescritas pela gramática normativa.
E é a gramática implícita que nos “regula” quando falamos, não a gramática aprendida nos bancos da escola, infelizmente. De facto, os modelos que copiámos na infância e que, muitas vezes, continuam presentes ao longo da nossa vida vão ter sempre mais poder do que aqueles que nos são ensinados formalmente, na escola. Ou, dito de outro modo, o que uma pessoa ouviu e continua a ouvir dos pais, vizinhos, colegas, amigos, enfim, daqueles que fazem parte do seu “habitat natural”, vai ser mais relevante do que uma série de regras ouvidas duas vezes por semana na aula de Português. Fala com correção aquele que sempre ouviu falar bem, fala erradamente aquele cujo ambiente foi/é composto de maus falantes, de gente que fala mal porque também viveu num ambiente propício a uma deficiente gramática implícita. E, as mais das vezes, a escrita reproduz discursos orais, logo se uma pessoa fala com erros, também os comete na escrita.
Não há, portanto, nada a fazer? Há, claro que há. Ensinar, persistir no ensinar, corrigir, persistir na correção. E mostrar que falar e escrever de forma correta é fundamental para bem se fazer compreender e para se ser um cidadão completo. Mas substituir a gramática implícita pelas regras corretas da gramática formal depende, sobretudo, da vontade de cada pessoa. Em não querendo alguém modificar a maneira como fala e escreve, em desejando continuar a falar e a escrever como sempre falou e escreveu, pouco ou nada há a fazer. Não deixa de ser relevante, e muito, que a pessoa com défices no falar e no escrever mude de ambiente linguístico, o que, supostamente, acontece na escola. Porém… Ah, isso é que é complicado. É que na escola há apenas professores de Português. Dos restantes, muitos estimam a nossa língua, falam e escrevem com correção. Mas também bastantes há que displicentemente usam a língua de Camões.
Tanto queria eu deixar uma mensagem de esperança, mas. O bom uso da nossa língua, a luta contra gramáticas implícitas plenas de erros, isso depende de tantos quereres…
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