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EM DEFESA DO PATRIMÓNIO
Muitos de nós, conscientes e apaixonados pela cidade de Ponta Delgada, interrogamo-nos sobre o que fizeram, ou estão fazendo, do antigo mercado? Que alterações estão a ser realizadas no centro histórico, em particular na praça do município? Porque foi retirada uma estátua e colocada outra no adro do santuário da Esperança? Como pode um particular alterar a fachada de azulejos de um edifício centenário? Como tudo isto acontece, sem se ouvir as pessoas?
O adro de uma igreja, a praça do município, a fachada de um edifício com história, não são pertença apenas dos seus proprietários, porque nos contam a história da comunidade e integram o seu património. Património é uma palavra cheia de história e memória, um vocábulo com raiz na palavra “pais” que nos remete para a herança que recebemos das gerações anteriores. Por isso, todas as vezes que esse património é destruído, adulterado ou preservado, a geração que o faz mostra o valor que lhe atribui. Falar de património, não passa apenas por estruturas edificadas, monumentos, castelos ou palácios. Basta ver o que a Unesco classifica como património, para concluir da importância do valor subjetivo e simbólico, imaterial, que lhe está associado, como acontece com o reconhecimento de rituais, danças, formas de ser e fazer ou cantares, como é o caso do Fado em Portugal. A manutenção do património é, sem dúvida, um dever comunitário e um compromisso implícito para quem assume responsabilidades políticas, na defesa do bem comum. Nada do que nos deixaram nos pertence, apenas somos guardiães desses bens, da cultura material ou imaterial, que nos distingue dos outros. Defender e preservar o nosso património não significa recuar ou parar no tempo, mas reconhecer a estrutura identitária que nos molda como povo, ou seja, a cultura, a história e as pessoas que nos antecederam. Sempre que, por razões de funcionalidade ou melhor adaptação às exigências do presente, é necessário intervir no património edificado, seja uma casa rural ou um edifício classificado, quem o faz tem de o estudar, conhecer e participar essa intenção à comunidade, porque o bem em causa não lhe pertence, mas faz parte da herança que todos recebemos.
Alguns apenas consideram necessário o estudo do património, quando se trata de objetos arqueológicos ou com muitos séculos de vida. Não, o património é todo o lugar, espaço, saber ou equipamento que nos permite melhor conhecer quem somos e porque estamos aqui, porquê a nossa cidade tem esta forma ou esta ocupação urbana. Ler o património é como reconhecer numa carta, a vontade de quem a escreveu. Assim acontece com a herança recebida. Pode acontecer que a intervenção seja, “supostamente”, para melhorar o quotidiano das pessoas, mas mesmo nessas ocasiões nenhum responsável político pode achar que tem o direito de por e dispor, construir ou destruir, avançar num projeto ou alterá-lo a meio do processo. Todas as intervenções que “mexam” com o património têm de ser objeto de concurso, discussão pública, o mesmo é dizer, respeitar a história, envolver os cidadãos e ouvir a sua sensibilidade. O património não é uma cláusula de legislação nem uma questão que alguns insistem em trazer à discussão pública, representa defender quem fomos e somos e o que queremos deixar a quem receber, de nós, esse património.
(artigo publicado no diário Açoriano Oriental)
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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