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SOBRE O CONTRATO SOCIAL DO PATRIMÓNIO_1
Defensor, desde há décadas, da Herança Cultural, sempre me pareceu natural e importante que, num estado normal de convivência de interesses, se encontrassem formas de compatibilizar o interesse público e o interesse privado.
A classificação de uma coisa como património cultural é antiga e tem evoluído, seja nos conceitos seja na abrangência, por efeito da própria ideia de Património, só que isso raramente foi incluído, como devia, na evolução legislativa, muito menos quando se trata de encontrar formas, em Portugal, de compensar um proprietário, pelo facto de deixar de ser dono em absoluto.
É pena que assim aconteça pois, se um bem, por quaisquer razões que se entenda, deixou de ser uma coisa “anónima” para passar a ser algo que faz parte de uma lista municipal, regional, nacional ou internacional, é porque a comunidade, digamos assim, entendeu que era demasiado importante, interessante, relevante, valioso, para continuar “anónimo”.
Vai daí que o dono, individual ou colectivo, privado ou público, deixa de poder fazer o que entenda, inclusive destruir, esse bem, o tal “utendi, fruendi et abutendi”, que um advogado e jurista meu conhecido, usava sempre, em saudosas discussões no serviço, sobre este tema, porque ele também ganhou outro valor, perante a comunidade.
Coisas desde o direito de preferência, em caso de compra e venda do bem, ou as célebres questões do demolir, acrescentar, alterar ou pintar de cores estapafúrdias, passam a ter de ser analisadas, verificadas, autorizadas. O bem patrimonial em apreço passa a ter, na prática, dois donos, a partir do momento em que é classificado.
Seria natural que, a acompanhar esta lista de regras a respeitar e de exigências a cumprir, existissem formas de ajuda, de apoio, de colaboração, assim uma espécie de palmadinha nas costas, em jeito de retorno.
Nos Açores, por via da autonomia, o Governo Regional enveredou por esse caminho, a seguir ao terramoto de 1 de Janeiro de 1980, ao criar, em lei, apoios que iam até aos 50% de subsídio de fachada e cobertura ou relativos a elementos excepcionais, em edifícios arruinados pelo sismo que importava recuperar e manter. O modelo foi, depois, estendido aos imóveis classificados, em geral, e continua.
No continente português, entretanto, isso nunca aconteceu. A regra, por lá, sempre foi a de que se classifica, despeja-se um rol de responsabilidades em cima da pessoa, e não se dá nada em troca, embora também seja facto que o interesse pela coisa se mantenha baixo.
Várias vezes aconteceu os técnicos irem ver onde estava e em que estado estava um certo bem classificado, mais de dez anos depois do acto legislativo, afinal dando de caras com o sítio da coisa, pois a dita cuja já não existia.
Ou aquela outra história de um munícipe lisboeta que, querendo abrir uma janela num prédio classificado, acho que na Baixa Pombalina, pediu autorização para a fechar… A resposta da Câmara foi negar essa autorização, exigindo que janela devia continuar (ninguém terá ido lá ver..) e o dono, alegremente, “manteve” a janela.
Como se percebe, é assunto para continuar…
(A partir de texto sábado 10 de Dezembro de 2022 no Diário Insular e Açoriano Oriental)
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