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POSTAL DO DIA
Galopim de Carvalho: uma pessoa a sério
1.
Num tempo com tantas sombras, tanto bota-abaixo, tanta gente de mal com a vida não podemos desperdiçar nunca a possibilidade de dizer:
– Olhem, ali vai uma pessoa a sério, um farol que podemos fixar para nos reencontrarmos com o caminho certo e nos libertarmos das pedras do caminho.
António Galopim de Carvalho fez esta semana 90 anos.
E está no grupo das pessoas que nos faz melhores.
Quando o lemos, quando o ouvimos, quando o vemos com os seus olhos sempre espantados da imensidade do mundo, quando fazemos os cozinhados que ele nos propõe, quando pensamos e o pensamos…
Quando tudo isso acredito que muitos de nós pensam que vale bem a pena acreditar que o bem é mais forte do que o mal.
2.
O professor Galopim é uma criança grande.
É a sensação que tenho quando o vejo.
Não a criança em que nos transformamos quando envelhecemos, mas a criança que nunca o abandonou.
Ele continua a partir da pergunta, da dúvida e da falha.
É a partir delas que tem construído seu edifício, da mesma maneira que as crianças constroem as suas casas interiores com perguntas a que tantas e tantas vezes não conseguimos responder.
3.
Fez 90 anos, mas confessou a Teresa Firmino, jornalista do Público, que apenas sente a idade quando entra e sai do táxi.
Há uns dois anos esteve mesmo ao meu lado num restaurante nepalês. Julgo que estava com a sua mulher. Sorrateiramente, sem que ele notasse, tentei ver um bocadinho do que é.
Maravilhoso o seu modo de olhar.
A gentileza com que trata as pessoas em volta.
A forma como aprecia o que come, como cheira o que cheira, como vive na ideia de que talvez possa ser o seu último dia.
Não me interpretem mal, Galopim de Carvalho sempre foi assim – lembro-me de o seu filho Nuno o dizer numa conversa no Diário de Notícias – creio que estava também Pedro Rolo Duarte.
Sempre viveu como se cada dia pudesse ser o último, única maneira de viver na plenitude.
4.
O que construiu ao longo da sua vida foi enorme.
No Museu Nacional de História Natural.
No que passou aos seus estudantes universitários.
No que fez sonhar as crianças.
No que revolucionou o país no respeito por uma ideia de património arqueológico, geológico, histórico.
Mas o que continua a fazer é ainda mais raro.
No que nos conta.
Na simpatia com que todos os dias quase nos faz acreditar que é uma pessoa igual às outras.
Na coragem de não desistir de um combate.
5.
Querido professor António Galopim de Carvalho.
(meu amigo antes de ser)
Um dia, quando for grande, gostava de ser como o senhor.
Gostava de um ter os olhos grandes cobertos de perguntas – seria o sinal de que tudo valera a pena, que tudo fizera sentido.
Muitos
parabéns
.
E até breve.
Encontramo-nos no próximo táxi.
LO
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