Views: 1
retirado de ChrónicAçores uma circum-navegação vol 2 2011
São Jorge é assim chamada em honra do santo do mesmo nome. O descobrimento e povoamento da ilha estão envoltos em mistério. A primeira referência data de 1439. Sabe-se que, por volta de 1470, quando já existiam núcleos de colonos nas costas oeste e sul e a povoação de Velas fora fundada, veio para a ilha o nobre flamengo Wilhelm Van der Haegen, que, no Topo, criou uma povoação, onde veio a morrer com fama de grandes virtudes, já com o seu nome convertido para Guilherme da Silveira.
Rápido deve ter sido o povoamento da ilha, com gentes vindas do norte do continente, bem como a sua prosperidade, pois a sua capitania era doada, em 1483, a João Vaz Corte Real, donatário de Angra, na Terceira, e Velas recebia foral de vila antes do final do séc. XV.
Ora desde que temos aquellas cartas, que precisam tão claramente a data em que el-rei mandou povoar as ilhas dos Açores, e isentou os seus moradores que estão e vivem n’ellas da dizima, é evidente que a ilha de S. Jorge, no anno de 1439, estava descoberta e em 1443 havia n’ella habitantes.
Semelhantes factos destroem as differentes opiniões sobre a descoberta e povoação, depois de 1450, que o auctor sr. J. Duarte menciona nos seus apontamentos, referindo-se a outros escriptores.
Estas ilhas foram mencionadas na Livraria Laurentina, de Florença, em grupos distinctos, dando-se ahi ao grupo de S. Jorge, Pico e Fayal, a designação de Insule de Ventura Sive de Columbis (Diccionario de Geographia Universal, 1.0 vol. pag. 16, art.o Açores). E no mappa catalão de 1375 teve a ilha de S. Jorge a indicação de San Zorze, significativa do dia do seu descobrimento. (Archivo dos Açores, vol. X pag. 279).
Parece, pois, que os portuguezes do seculo XV não foram os que lhe deram o nome e que d’estas ilhas já tinham conhecimento pelo infante D. Henrique, que os mandou navegar para estas paragens.
É por tanto de presumir que o nome dado à ilha de S. Jorge, proveio do mappa catalão de 1375, onde foi designada por San Zorze, allusivo ao dia do seu descobrimento, ou então é uma coincidencia muito notavel a descoberta feita pelos portuguezes em egual dia, 23 d’abril.
O primeiro documento sobre o povoamento de São Jorge é do testamento do Infante Dom Henrique, falecido em 1460, que diz: “…ordenei e estabeleci a igreja de S. Jorge na ilha de S. Jorge“.
Os primeiros povoadores, provavelmente, entraram na ilha na década de 1460 a 1470. João Vaz da Costa Côrte-Real, seu donatário a partir de 1483, esforçou-se pela sua colonização. Era também donatário de Angra.
Oficialmente foram criadas três vilas em São Jorge: Velas (1500), Topo (1510) e Calheta (1534).
21.2. AS CALAMIDADES EM SÃO JORGE
Sempre assolado por inúmera atividade vulcânica, pirataria e maus anos agrícolas (a fome causou mais vítimas que os terramotos), a ilha de São Jorge sofreu as maiores crises:
1580 — Erupção do vulcão da Queimada. Na noite de 28 de abril a terra tremeu 30 vezes e 50 no dia seguinte. No dia 1 de maio os tremores recrudesceram e nesse mesmo dia ocorreu uma explosão vulcânica no cimo da encosta sobranceira à Queimada. Outra explosão ocorreu posteriormente no alto da Ribeira do Nabo, 2 km a leste da inicial. Outra emissão de lavas teve a sua origem junto à Ribeira do Almeida. A erupção durou 4 meses com emissão de grandes correntes de lava que atingiram o mar e de muitas cinzas que recobriram a ilha, atingindo mesmo a Terceira. Uma nuvem ardente matou pelo menos 10 pessoas. Mais de 4000 cabeças de gado pereceram de fome e devido aos gases e cinzas que destruíram as pastagens.
1593 — Mau ano agrícola – Provoca fome na Terceira e S. Jorge – 1593 foi um mau ano agrícola, o que associado às consequências da guerra de 1580-1583, do saque e dos pesados tributos para manutenção da força de ocupação castelhana, causou miséria e fome generalizada entre a população rural da ilha. Há notícia de terem morrido muitas pessoas de fome. Em São Jorge também se morreu de fome neste ano.
1606 — Inundações nas Velas. Em fevereiro grandes chuvadas provocaram grandes danos na vila. Muitas ruas ficaram “de modo que se não podia andar a pé”.
1641 — Grande enchente de mar (maremoto?) nas Velas. A 21 de dezembro “empolgou-se o mar de tal sorte que dominando o Monte dos Fachos, com três mares” provocou grande destruição na vila, ferindo 50 pessoas e arrastando ao mar muitos bens. Terá sido um maremoto?
1668 — Tempestade – Causa grandes prejuízos na Calheta. A 23 de novembro uma violenta tempestade provocou “tal alteração de mar que este entrou pela dita vila derrubando casas” e obstruindo o porto com penedia.
1678 — Falta de cereais – Causa desaguisado entre as Câmaras da ilha de São Jorge e da ilha do Pico – Mais uma vez um mau ano agrícola torna escassos os cereais pelo que as câmaras de São Jorge e Pico se vêm na necessidade de proibir a sua exportação.
1713 — Inundações na vila de Velas. A 10 de dezembro, chuvas muito intensas entre a Urzelina e os Rosais provocaram grandes inundações, destruindo 27 casas na vila de Velas. A Ribeira do Almeida veio tão carregada de caudal sólido que criou uma praia que permitia a passagem a pé entre a vila e a Queimada.
1713-1714 — Mau ano agrícola, fome e peste – Um mau ano agrícola, a que não foi alheio ciclone tropical de 25 de setembro de 1713, levou a que em São Jorge fosse tal “a falta de mantimentos que chegou a morrer muita gente de fome”.
1732 — Cheias provocam 5 mortos. A 6 de dezembro grandes cheias provocaram destruição matando 5 pessoas. Os lugares mais afetados foram Urzelina, Figueiras, Serroa e Velas.
1744-1746 — Mau ano agrícola – Provoca fome e emigração em massa – Em resultado das cheias de 1744 e do mau ano agrícola que se seguiu, em 1746 faltaram os cereais, havendo fome generalizada nos Açores… [No Pico] o povo “recorreu a socas e raízes para manter a vida e faltando-lhe mesmo esse mísero alimento emigrou para as mais ilhas”. Em resultado da desnutrição grassavam as doenças, fazendo grande mortandade. Face a esta situação, por alvará régio foi autorizada a emigração para o Brasil, tendo partido pelo menos 1600 pessoas.
1755 — Maremoto atinge os Açores – O Terramoto de Lisboa de 1 de novembro de 1755 provocou o grande maremoto de 1755 (um tsunami) que atravessou a área oceânica onde os Açores se situam, afetando essencialmente as costas viradas a sul e sueste, direção de onde as ondas se aproximaram das ilhas. O maremoto fez com que “estando o mar em ordinária tranquilidade, se elevou tanto em três contínuas marés ficando quase seca a sua profundidade por largo espaço”. Assim, em Angra o mar entrou até à Praça Velha, causando grande destruição; no Porto Judeu o mar subiu “10 palmos acima da rocha mais alta”; na Praia, inundou o Paul e derribou 15 casas na costa até à Ribeira Seca, incluindo a ermida do Porto Martins. Morreram várias pessoas arrastadas pelo mar. Quase todos os portos dos Açores sofreram graves danos, ficando destruídas muitas embarcações. Em Ponta Delgada o mar subiu pelas ruas estragando muitos edifícios. Na Horta, o mar entrou pela Ribeira da Conceição, chegando aos moinhos de água “na altura de 8 palmos”.
1757 — Grande terramoto de São Jorge: O Mandado de Deus. Em 9 de julho de 1757 um dos mais violentos, senão o mais violento, dos terramotos de que há memória nos Açores atingiu a ilha causando destruição generalizada e formando muitas das atuais fajãs, entre elas a da Caldeira de Santo Cristo. O terramoto ficou conhecido na tradição popular pelo Mandado de Deus. Dos grandes deslizamentos resultou um maremoto que atingiu todo o Grupo Central. Pelo menos 1053 pessoas morreram em São Jorge e 11 no Pico. O terramoto foi tal que a norte desta ilha, distância de 100 braças, pouco mais, se levantaram dezoito ilhotas, umas maiores que outras. Apareceram todas na manhã do dia 10 [de julho]. É navegável o mar entre as ditas, e a ilha. Nas Fajãs dos Vimes, São João e Cubres, se moveu a terra, voltando-se do centro para cima, de sorte que nelas não há sinal [de] onde houvesse edifício. No Faial o sismo foi sentido sem causar grandes danos.
1761 — Ciclone tropical atinge o Grupo Central – A 29 de setembro de 1761 foi a Terceira atingida por um temporal “por efeito do qual ficaram derribadas muitas casas e arrancada muita quantidade de árvores”. Copiosas chuvas fizeram transbordar as ribeiras.
1779 — Ciclone tropical atinge o Grupo Central – Na noite de 30 para 31 de outubro levantou-se um rijo temporal que trouxe à costa 7 navios e arruinou as muralhas da Horta.
1792 — Enchente de mar vila de Velas. A 23 de janeiro deste ano, foi “tão impetuosa a bravura do mar” que derrubou a muralha de proteção, destruiu uma casa e danificou outras, ameaçando atingir a praça defronte da Matriz de Velas.
1808 — Erupção do Vulcão da Urzelina. Depois de várias semanas em que ocorreram muitos sismos, no dia 1 de maio a terra tremeu tão frequentemente que se contavam oito tremores por hora, alguns tão fortes que espalharam o pânico entre a população. Por volta do meio-dia foi ouvido um grande estrondo acompanhado pelo aparecimento de uma grande nuvem de fumo por sobre os montes sobranceiros à Urzelina. A breve trecho, a nuvem engrossou e subindo ao mais alto ceo fez arco sobre parte da freguesia de Manadas e da Urzelina…já mostrando nas redobradas e negras nuvens uns incumbrados montes, umas medonhas furnas. A erupção destruiu muitas casas, vinhedos e campos cultivados. A 17 de maio, quando o vigário acompanhado por populares tentava salvar algumas coisas da igreja da Urzelina, uma nuvem ardente abateu-se sobre o local queimando mortalmente trinta e tantas pessoas: uns com os couros das mãos e pés pendurados, outros tão inchados e pretos que se não conheciam, outros com as pernas quebradas, e alguns expirando, todos pedindo Sacramentos, e apenas os receberam alguns logo expiraram. Existe no Arquivo Histórico Ultramarino uma aguarela mostrando a erupção vista do Faial. A erupção ficou conhecida na história dos Açores pelo Vulcão da Urzelina.
1812 — Mau ano agrícola – Provoca grave crise alimentar em São Jorge e Terceira. Um mau ano agrícola em 1811, agravado por uma forte tempestade em dezembro, levou a que no início de 1812 grassasse a fome em São Jorge. Em março na Câmara Municipal de Velas recebeu-se uma proposta de importação de milho para “sublevar a misérrima necessidade e falta de mantimentos que atualmente padece o povo”.
1842 — Cheia – Provoca grandes danos nas Velas. No domingo da Trindade grandes chuvadas provocaram inundação de parte da vila de Velas. Na praça junto à Câmara a enxurrada foi tal que em algumas casas saiu a “água pelas janelas de sacada”.
1846-1847 — Fome. Um mau ano agrícola, associado à grande densidade populacional de então, leva à “penúria de cereais e falta de batata” sendo necessário recorrer à “Comissão de Socorros de Boca” de São Miguel para evitar a catástrofe alimentar.
1856 — Mar invade a vila de Velas – Provoca naufrágio. A 6 de janeiro, Dia de Reis, “levantou-se o mar com tal fúria que produziu uma terrível enchente”. A escuna Leonor que estava surta no porto naufragou provocando a morte a todos os tripulantes que estavam a bordo. O mar levou casas e barcos e galgou a zona da Conceição, chegando às paredes da cerca do convento de São Francisco (hoje Centro de Saúde), que parcialmente derribou.
1857-1859 — Fome. Um ciclone tropical atingiu o Grupo Central no dia 24 de agosto de 1857 provocando a destruição total dos milharais, então a principal produção alimentar da ilha de São Jorge. Daí resultou penúria generalizada, pelo que no início de 1858 “estava no concelho de Velas, toda a ilha, e suas vizinhas, manifestada a fome com as suas negras cores”. Os anos seguintes foram também maus anos agrícolas pelo que a crise alimentar se manteve até 1859. Foi preciso recorrer a subscrições públicas, incluindo uma nos EUA, organizada pela família Dabney, para evitar que se morresse à fome.
1877 — Fome. Um mau ano agrícola em 1876, associado à grande densidade populacional de então, leva, mais uma vez, à “falta de cereais e fome” em São Jorge, sendo necessário recorrer à importação de milho e trigo para evitar a catástrofe alimentar.
1893 — Furacão – Provoca grande destruição no Grupo Central – A 28 de agosto a maior tempestade de que há memória nos Açores atingiu o Grupo Central, provocando grande enchente de mar e arruinando casas, igrejas e palheiros. Também os portos foram severamente atingidos com perda de muitas embarcações. A destruição dos milhos nos campos causou fome generalizada no ano seguinte. A ilha de São Jorge foi severamente atingida, particularmente o Topo. Os danos do Furacão de 1893 ainda são visíveis nalguns pontos da costa, nomeadamente na antiga, e hoje abandonada, Igreja Velha de São Mateus da Calheta, na Terceira, e nas ruínas da Baía do Refugo, no Porto Judeu.
1899 — Grande enchente de mar. Na madrugada de 3 de fevereiro, uma grande tempestade marítima atingiu as costas viradas a sul. Em São Jorge, o mar galgou a terra matando uma pessoa nas Velas e provocando enorme destruição na Conceição e zonas adjacentes.
1899 — Furacão atinge o Grupo Central – A 17 de outubro um furacão atravessou o Grupo Central provocando destruição generalizada das habitações e perda de colheitas e de gados. Em São Jorge verificaram-se os maiores danos.
1964 — Crise sísmica dos Rosais, em São Jorge – Uma crise sísmica abalou a parte oeste da ilha de São Jorge, provocando grande destruição nos Rosais e nas Velas. Ficaram danificadas mais de 900 casas e 400 destruídas. Espalhou-se o pânico na ilha, levando à evacuação de grande número de jorgenses para a Terceira e outras ilhas. Esta crise esteve associada a uma erupção submarina ao largo da Ponta dos Rosais.
1973 – Crise sísmica no Pico e Faial – A partir de 11 de outubro começaram a ser sentidos numerosos sismos nas ilhas do Pico, Faial e S. Jorge, com particular destaque para a freguesia de S. Mateus e o lugar da Terra do Pão, na ilha do Pico. A 23 de novembro, pelas 12 h 36 registou-se um violento sismo (grau 7/8 da escala Wood-Neumann) com epicentro próximo a Santo António, no Pico. O sismo provocou graves danos, com muitas casas parcialmente destruídas, muros caídos e estradas obstruídas, nas freguesias de Bandeiras, Santa Luzia, St.º António, e S. Roque, na costa norte do Pico, na freguesia de S. Mateus, na costa sul do Pico, e ainda nas freguesias de Conceição, Matriz e Flamengos, na ilha do Faial.
1980 — Terramoto de 1980 nas ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa – Pelas 16h42 (hora local) do dia 1 de janeiro de 1980, ocorreu um sismo com intensidade 7.2 na escala de Richter, uma profundidade hipocentral de 10-15 km e com epicentro situado no mar cerca de 35 km a SSW de Angra do Heroísmo. Provocou destruição generalizada dos edifícios na cidade de Angra do Heroísmo, na vila de São Sebastião e nas freguesias do W e NW da Terceira, nas freguesias do Topo e Santo Antão, em São Jorge, e ainda no Carapacho e Luz, Graciosa. Morreram 71 pessoas (51 na Terceira e 20 em São Jorge) e ficaram mais de 400 com ferimentos. Ficaram danificadas mais de 15 500 casas, causando cerca de 15 000 desalojados.
1998 — Sismo de 9 de julho, Faial, Pico e São Jorge – Pelas 5:19 da madrugada um sismo de magnitude 5,6 na escala de Richter com epicentro a NNE da ilha do Faial provocou a destruição generalizada das freguesias de Ribeirinha, Pedro Miguel, Salão e Cedros na ilha do Faial e fortes danos em Castelo Branco (Lombega), Flamengos e Praia do Almoxarife, também do Faial. Também atingidas foram várias localidades da ilha do Pico. No extremo oeste da ilha de São Jorge (Rosais) o sismo provocou grandes desabamentos de falésias costeiras. Morreram 8 pessoas, todas no Faial. Ficaram desalojadas 1700 pessoas.
21..2. A CRISE DE 1808
Na obra “Ilha de S. Jorge (Açores): Apontamentos para a sua História, de José Cândido da Silveira Avelar”[1] está compilado um conjunto de descrições da erupção e dos acontecimentos que a rodearam. A mais extensa e circunstanciada deve-se ao padre João Ignácio da Silveira (1767 – 1852), então cura de Santo Amaro, que escreveu uma relação que o Dr. João Teixeira Soares publicou com algumas notas no Jorgense, n.º 6, de 1 de maio de 1871, e foi transcrita no Archivo dos Açores, vol. V, páginas 437 a 441. Foi aquele escrito, com algumas variantes, que João Duarte de Sousa seguiu na narrativa do fenómeno, de página 188 a 193 dos seus Apontamentos. Eis o seu conteúdo:
Na noite amanhecendo para o domingo do Bom Pastor, primeiro dia do mez de maio do presente anno de 1808, tremeu a terra tão frequentemente que se contavam oito tremores por hora, e d’estes foi um sobre a madrugada tão grande, que fez levantar o povo das camas. No mesmo dia, estando já parte do povo na igreja deprecando a Deus nosso pai, houve outro abalo tão forte que fez fugir todo o povo da egreja, das 11 para as 12 do mesmo dia houve outro tremor, e juntamente um estrondo tão grande que a todos amortiso, e de repente se vio levantar uma grande nuvem de fumo sobre o mais alto monte da freguezia da Urzelina, no pico d’ António José de Sequeira, e bem defronte da egreja de S. Matheus cuja planta e centro da freguesia era o mais agradável da ilha, e por isso mesmo muito frequentado de muitos sujeitos bons e maus de todas as ilhas, e em breve tempo engrossou e subindo ao mais alto ceo fez arco sobre parte da freguezia das Manadas e da Urzelina, indicando um terrível castigo já mostrando nas redobradas e negras nuvens uns incumbrados montes, umas medonhas furnas.
Da bocca daquele vulcão saíam estrondos tão fortes e medonhos sem intervalo que convidavam aos habitantes d’esta ilha para Juízo. Correu todo o povo a deprecar a Deos, porém logo o povo da freguezia da Urzelina se assustou deixando o seu vigário o rev. José António de Barcellos só no adro da sua igreja, e logo no mesmo dia choveu tanta areia de tarde que ficaram as casas chamadas do mato cobertas de areia e os campos d’ahi para cima em parte ficaram com altura de 7 palmos, e as vinhas dos Castelletes até à ermida de Santa Rita, da freguezia das Manadas, ficaram cravadas e as casas quasi abatidas com o pezo, sahindo immediatamente línguas de fogo do centro que chegavam aos ceos, deitando pedras ignitas de 8 palmos, em distância dum quarto de legoa, outras de 16 palmos em quadro e outras menores, subindo à mesma altura cahiam como densos chuveiros.
Chegou a triste noite, então é que desfaleceram os habitantes desta ilha vendo todo o fogo e pedras ignitas, que sahiam como coriscos e quase que pareciam cair sobre os povos, e as vidraças das egrejas pareciam quebrarem-se aos eccos d’aquelle pregoeiro que nos ameaçava de morte.
Até à terça feira, 3 do mesmo mez, rebentou o fogo em 7 logares, ficando a bocca ou vulcão perto da Ribeira do Arieiro, em cuja tarde abrandou o fogo: e na madrugada da quarta-feira, 4 do mesmo mez, arrebentou o fogo entre as Ribeiras, acima da fonte da Fajã, e da mesma sorte fazendo nuvem de pó de enxofre e terra que parecia arder todo aquelle logar.
Logo fez procissão o vigario da Urzelina para a parte da Fajã com o Senhor Santo Christo e Senhora das Dôres e a poucos passos encontrou-se com o padre José de Sousa Machado, que trazia em procissão a Senhora da Encarnação acompanhado de varias pessoas, mas quasi suffocadas do muito pó enxofrado que estava cahindo. reunidos àquela procissão algum tanto animados, chegaram à ermida da Senhora do Desterro, ainda, que com muito trabalho porque do cruzeiro para cima cahia muita terra sulfúrea e tão pegajosa que muitas arvores cahiram com o peso d’ella e o fétido entontava aos viajantes.
Passados mais 7 dias rebentou o fogo nas areias da freguezia de Santo Amaro, onde abrindo duas bocas vomitava fogo à maneira de duas grandes ribeiras de matéria fluida, e com tanta força que no segundo dia se achava a mais de um moio de campo de mistério que encaminhando-se às casas fez pôr parte do povo em fugida, o vigário, o rev. Amaro Pereira de Lemos, esteve falto dos sentidos e a irmã, D. Anna Maria de Lemos, esteve douda.
O vigário das Velas e ouvidor, o rev. António Machado Teixeira, temendo fosse o fogo à villa mandou deitar pregão para que se retirassem, e que mandava o Sacramento para a Beira e d’aqui resultou um levante que se não pode explicar.
As freiras foram para a igreja de Rosais; o ouvidor e outros clérigos para o Faial, o doutor juiz de fóra e outros para o Pico e o mais povo de quasi toda a villa foi para a Beira e Rosaes. Este levante foi sem maior necessidade, por que no dia em que o fizeram foram ver o fogo que já pouco corria e só por dentro da ribeira.
O alto da serra por onde o dito fogo passou ficou abatido e em grotas formidáveis, os caminhos quebrados de forma que não passavam carros nem gente por parte, as fontes secas.
Poucos dias depois retrocedeu ao primeiro logar em que tinha rebentado, defronte da igreja da Urzelina, com a mesma força que dantes, e perseverou doze dias, em que foram continuas as súplicas a Deus e por não sermos ouvidos do Senhor, por serem as culpas em maior número que as suas misericórdias, continuou o mesmo flagello. sahindo do vulcão (que dizem ter bocca em circunferência de um moio de campo) muitas areias, que arruinavam parte dos campos da referida freguezia de São Matheus e das mais circunvizinhanças, e chegou a cahir na ponta do Pico, em Angra e São Miguel, e para a parte da villa não cahio porque os ventos sempre cursaram pelo nor-noroeste.
N’este tempo todo o povo da Urzelina se ausentou desamparando todos as suas moradas, uns para as Manadas, outros para a Calheta. outros para Rosais e uns para Angra, isto o povo da Urzelina, ficando só o reverendo vigário no adro.
Observou-se que em quanto a maré enchia aquelle vulcão embravecia mais e deitava com mais força pedras mármores grandes, umas das gerais eram muito pretas e pesadas e feriam lume, e outras à maneira de vergas, de lagens e outras redondas, umas muito brancas e partidas reluziam pelo muito salitre que tinham.
Em uma noite estando o vigário da Urzelina em guarda de sua igreja, sendo já 11 horas e meia, pegou a observar umas ribeiras de fogo, que vinham correndo pelo monte abaixo, e tocando a fogo apenas acudiram 6 ou 8 pessoas, que acompanharam o Santíssimo para a ermida do Senhor Jesus, para onde na mesma noite fez trasladar todas as imagens, vasos sagrados e vestes sacerdotais.
Entraram logo a observar que os campos circunvizinhos ao dito monte se iam incendiando e levantando-se pedras como montes, que corriam ardentes até à planície das vinhas que faziam pasmar a quem tal castigo via.
Em 17 do dito mez de maio, vendo o vigário das Manadas, o reverendo Jorge de Mattos Pereira, que o da Urzelina se achava estrompado e com a sua gente dispersa veio com parte dos seus fregueses à igreja da dita freguezia de S. Matheus para salvar o que podesse da dita egreja, o que assim fez, e estando trabalhando na mesma de repente se levantou um tufão de fogo ou vulcão e introduzindo-se nas terras lavradas levantou todos aquelles campos até abaixo ás vinhas com todas as árvores e bardos, fazendo-se uma medonha e ardente nuvem e correndo até abaixo da igreja queimou trinta e tantas pessoas na egreja e nos campos, e vindo para a parte da ermida do Senhor Santo Christo tomou a luz ao sol de sorte que parecia uma tremenda noite e pensando o dito vigário da Urzelina que era a última hora de vida já trémulo tratava de consumir o Sacramento, mas em quanto se aprontou entrou a divisar uma pequena luz e esperando um pouco, vendo que ia esclariando, não quiz consumir o Sacramento e saindo a ermida logo se encontrou com o vigário das Manadas e um clérigo queimados e todas as mais pessoas que com elles entraram, uns por menos molestos foram para a sua casa e outros ficaram na referida ermida e casas vizinhas, por não poderem ir para as suas, vindo uns com os couros das mãos e pés pendurados, outros tão inchados e pretos que se não conheciam, outros com as pernas quebradas, e alguns espirando, todos pedindo Sacramentos, e apenas os receberam alguns logo expiraram (4.).
E vendo o rev. vigário que o fogo era cada vez mais e que se ia aproximando à dita ermida levou o divino Sacramento para as Manadas para a ermida de Santa Rita, em cuja tarde administrou os sacramentos a alguns dos seus fregueses, que ali se achavam queimados e a outros d’aquella freguezia das Manadas com licença do rev. vigário.
No dia seguinte consumiu o Sacramento o rev. vigário da Urzelina e a toda a pressa passou à parte do Norte por onde veio para o logar da Ribeira do Nabo para accudir a alguns dos seus freguezes, que para o dito logar se tinham passado queimados, isto por já não poder passar pelo sul pelos tufões de fogo que saíam da bocca d’onde corriam caudalosas ribeiras de fogo em matérias fluidas, que já chegavam quasi ao mar.
Agora se acha o dito vigário com os sacramentos na ermida de Nossa Senhora da Encarnação para onde voltaram os que andavam dispersos.
Até ao dia 16 do dito mez eis aqui o que se observou, apparecendo na falda do monte que se formou de pedra e areia, o mais alto da ilha, uma abertura d’onde sahia uma caudalosa ribeira de fogo que chegou a dividir-se em cinco, e transbordando todas arrasaram os principaes campos e sessenta e sete casas de morada, toda a canada dos Abreus até à canada onde o padre Bartholomeu Luiz morava, com vinhas e terras, ficou em mysterio, e vindo estas ribeiras ao mar levaram a igreja de S. Matheus, que hoje se acha em mysterio tão alto que hombrea com a torre da dita egreja, menos a dita torre e frontispício com um bocado do adro.
Até 5 de junho do dito anno, domingo do Senhor Espírito Santo, sahiu d’aquelle vulcão umas vezes pedra outras areias, em cujo dia sahiu com tanta força que chegou à villa, (7.) e desde este dia até à sexta-feira seguinte deitou tantas cinzas, que abrasaram as cearas de muitas freguezias, e cobriram os pastos de forma que alguns sujeitos varreram os pastos para ver se os gados comiam, mas nem assim podiam pastar e por esta razão morreram muitos gados.
Todas as boccas por onde rebentou fogo fumam, mas sem prejuízo (8.), ainda que estamos esperando a cada instante renovação do fogo, porque nossos corações nenhum arde de amor Divino.
Em todo o espaço do mez de maio, em que correu o fogo, nunca anoiteceu n’esta ilha, porque faltando a luz do sol ficava a do fogo.
O Dr. João Teixeira Soares escreveu uma narrativa da mesma erupção, que publicou no jornal Jorgense, números 21 e 22 de 15 de agosto e 1 de setembro de 1872, que foi transcrita no Archivo dos Açores, vol. V, páginas 442 e 443, firma-se naquela outra do padre João Ignacio e nas notas que ele havia feito. Desta narrativa destacam-se as seguintes considerações:
Desde aquelle dia (5 de junho) até ao dia 10 do mesmo mez teve logar a emissão de cinzas, que cahiram sobre uma grande área da ilha, chegando mesmo a algumas vizinhas.
Então cessou a atividade vulcânica, mas gradualmente; as crateras fumaram ainda por muito tempo, e por muitos anos se percebeu próximo às fendas, que na direção do oriente ao ocidente se abriram, uma maior elevação de temperatura, assaz denunciada pela vegetação herbácea que cobria o solo. As lavas conservaram também por annos gazes sulfurosos.
Dos phenomenos que relatamos, aquelle que nos parece dever chamar mais a atenção do geólogo, é o das nuvens ardentes. Sahiam das crateras depois de uma como syncope da atividade d’estas. Eram carregadas d’uma poeira húmida ou polme, que fazendo-as pesadas as obrigava a correr por sobre a terra, vertente abaixo, para o mar. Traziam uma terrível força de translação.
A introdução da mais leve parte nos órgãos da respiração causava a morte. Idêntico phenomeno apareceu como vimos em 1580.
A lava de 1808 é a mais tratável que talvez se conheça na história geológica. Muitas partes d’ella estão já convertidas em frondosas matas. A representação gráfica das crateras e lavas dum e outro vulcão esclareceriam notavelmente a sua historia e relações.
Na Revue Scientifique de la France a de l’Etranger, 2.ª série, 2.º ano, n.º 51, 21 de junho de 1873, página 1200, com o título Saint George (Açores) et ses eruptions, Ferdinand André Fouqué escreveu o que a respeito das erupções de 1580 e 1808 verificou nas duas crateras que visitou, e que o volume V do Archivo dos Açores, páginas 444 e 445, transcreveu.
Aquele naturalista, desembarcando na vila da Calheta no dia 8 de julho de 1872, dirigiu-se no dia imediato, acompanhado do Dr. João Pereira da Cunha Pacheco, ao lugar das ditas crateras, resultando do seu estudo o seguinte:
Estas nuvens eram carregadas de uma poeira húmida, desciam ao longo da vertente, rojando-se pela superfície do terreno. A este contacto venenoso as plantas murcham e morrem imediatamente. …
O poder asphixiante d’estas nuvens, a sua progressão perto da superfície do solo e o seu constante movimento pelos declives do terreno indicam como elemento principal d’eIas a existência de um gaz deletério e denso que, muito provavelmente, não seria senão o ácido carbónico.
A sua opacidade deve atribuir-se ao vapor d’agoa, meio condensado e a sua cor avermelhada ao pó vulcânico muito subtil arrastado e em suspensão naquela mistura de gazes e vapores.
Enfim a ação deletéria exercida rapidamente sobre as plantas provém sem dúvida do acido clorídrico e do acido sulfuroso expelidos juntamente com os vapores aquosos e arrastados por elles. As testemunhas da erupção de 1808 não fazem menção de chamas; as descrições que deixaram levam a pensar que a temperatura das nuvens ardentes era pouco elevada. A sua atenção foi principalmente excitada pela ação venenosa d’estes agentes.
Segundo uma narrativa, provavelmente um pouco exagerada, os homens e os animais morriam mal respiravam aqueles vapores pestilenciais. É evidente, portanto que as nuvens ardentes de 1808 eram muito mais húmidas e com uma temperatura muito mais baixa que as de 1580.
Sem dar plena fé do que se conta das nuvens daquela primeira erupção conterem em si globos de chamas, pode-se pelo menos afirmar que elas transportavam ao longe matérias incandescentes e que os efeitos destruidores eram devidos tanto ao seu poder calorifico como à sua natureza química propriedades bem diferentes das nuvens de 1808.
Todavia a identidade dos nomes dados pelos habitantes, com dois séculos de intervalo, àquelas singulares manifestações é na realidade justificada por muitas considerações. Nos dois casos com effeito, trata-se de massas vaporosas, opalinas, carregadas de matérias pulverulentas, de contornos arredondados como os de uma nuvem, que descem pelas encostas das montanhas à superfície do solo, e que mataram as plantas e os animais.
A existência de globos de fogo nas nuvens ardentes de 1580 é mais duvidosa, porque com muita dificuldade se compreende como gazes, cuja combustão produz chamas, possam transportar-se ao longe, ao ar livre, sem que imediatamente sejam inflamados. Admitindo além d’isso, que houve uma differença considerável entre as temperaturas das nuvens ardentes das duas erupções, não se pode achar n’este único facto rasgo bastante para os qualificar como dois fenómenos absolutamente distintos. Os effeitos caloríficos descritos foram presenciados por observadores inexperientes: a situação dos logares em que se produziram, a distância mais ou menos afastada das boccas de emissão, a rapidez variável de translação da nuvem vulcânica, as condições climatéricas particulares da atmosfera no momento de cada uma das erupções, e muitas outras causas, podiam ainda modificar considerável e diversamente a intensidade das ações devidas à intervenção do calórico.
É, pois, com razão que as testemunhas da erupção de 1808 conservaram a denominação usada em 1580, posto que não tivesse todo o vigor e precisão desejáveis. Phenomenos semelhantes aparecem perto d’outros vulcões (9.) mas talvez em parte alguma as nuvens ardentes se viram melhor do que nas duas erupções de S. Jorge. Insisto tanto mais no seu exame, quanto ellas me parecem fornecer a chave de alguns problemas fornecidos pelas exumações de Pompeia.
A situação estranha dos esqueletos descobertos no meio das ruas da necrópole vulcânica romana é muito difícil de explicar, na maior parte dos casos, invocando somente a analogia com os phenomenos que se observam nas modernas erupções do Vesúvio. Uma chuva de cinzas por mais abundante e carregada de humidade que seja, não pode, por exemplo ter, lançado por terra e soffucado um homem robusto, que encontrou a morte fugindo por uma rua pública, em companhia de suas duas filhas. Foi necessária a intervenção de um gaz deletério para matar todos três com espantosas agonias. De todas as lavas que tem corrido nos Açores, depois que os portuguezes as abordaram, a de 1808 é de todas a mais alterável. Os musgos e os liquens invadiram-na primeiro, depois a vegetação herbácea implantou-se n’ella e por fim os arbustos e as árvores. Atualmente certas porções estão transformadas em espessas matas, enquanto ali próximo muitas camadas de lavas de 1580 apenas começam a desagregar-se.
Na Corographia Açorica, página 94, João Soares de Albergaria de Sousa, que foi testemunha ocular da erupção de 1808, diz:
O vulcão de 1808, que vimos rebentar nas Lagoinhas, sobre a serra que fica ao norte e iminente à aldeia da Urzelina, também respirou no lugar d’Entre Ribeiras, uma légua ao noroeste e depois no das Areias; a primeira boca expeliu por largos dias grande quantidade de materiais; 7 dias apareceu o sol obscuro pela densidade da atmosfera, impregnada dos vapores vulcânicos; choveram cinzas; a ilha sofreu muitas e violentas concussões; o solo na vizinhança do vulcão abriu fendas profundas; os lábios dos hiatos abateram em lugares de 4 a 6 palmos. Este vulcão correu ao mar sem interrupção, deixando o chão coberto de lava em altura de 30 pés, pouco mais ou menos.
Como se vê, nem o Padre João Ignacio da Silveira, nem João Soares de Albergaria de Sousa, testemunhas da erupção, aludem ao pedaço de terreno rodeado de lavas que ficou incólume e que a tradição do povo atribui ao facto de nele pastar uma rês destinada ao bodo do Espírito Santo.
Também Francisco Ferreira Drummond, nos Anais da Ilha Terceira, tom. III, pág. 184, referindo-se àquele fenómeno diz que foi visto e sentido na ilha Terceira, caindo até cinzas por muitos dias, que se achava a cada passo, empacada sobre as plantas dos jardins, das hortaliças e campos mais remotos.
Foram igualmente pressentidos os terremotos na ilha do Faial, de onde vendo-se rebentar o fogo na ilha de S. Jorge, mandou a Câmara Municipal da Horta uma lancha com algum socorro e uma carta à câmara das Velas, oferecendo hospitalidade às pessoas que se quisessem nela refugiar (António Lourenço da Silveira Macedo, História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta, tomo 1, páginas 300 e 542).
21.3. A REAÇÃO DAS AUTORIDADES PERANTE A CATÁSTROFE
Abandonada a presidência da câmara das Velas pelo juiz de fora, Dr. António Augusto Pereira, que se retirou para a fronteira ilha do Pico apenas rebentou o fogo, os demais vereadores nomeados por carta régia de 9 de dezembro de 1806, capitão Amaro Teixeira de Sousa, sargento-mor José Soares de Sousa, capitão João Ignacio da Silveira, e procurador do concelho Jorge José Covilhão, encerraram-se na administração municipal, tomando providências cujos acórdãos relacionaram em um caderno, que o juiz de fora no seu regresso fez desaparecer para ofuscar os serviços daqueles patriotas.
Tendo o capitão-general D. Miguel António de Melo conhecimento do sucesso, mandou em carta de 18 de maio à câmara para distribuir gratuitamente pelos pobres 5 moios de milho: recomendou-lhe se implorasse a misericórdia divina, e que ela o avisasse da necessidade de maiores socorros, concluindo em prestar-se em ir à ilha se a sua presença fosse necessária. A câmara, por sua carta de 23 de julho agradeceu ao capitão-general a oferta do cereal e os bons desejos que nutria a favor do povo oprimido pelo fogo. E aproveitando os oferecimentos do capitão-general terminou pedindo que a maior esmola que v. ex. lhe fazia em atenção à suma pobreza em que ficava esta ilha, era representar a sua alteza real se dignasse abolir o regimento de milícias, cujo corpo é formado por uma grande parte dos empobrecidos com a queima: com os pobres que não vivem de outra cousa senão do seu jornal e outros muitos miseráveis que talvez apareçam com a farda para fazerem as guardas sem vestirem camisa pela não terem: a ocasião é oportuna, v. ex. está disposto a proteger esta ilha queira dignar-se fazer-lhe a maior de todas as esmolas.
O governador e capitão-general, como resposta, em sua carta de 21 de outubro ao juiz de fora, insultando a câmara, mandou que aquele magistrado em vereação severamente repreendesse os sujeitos que tal carta assignaram (!) que não tendo o escrivão da câmara registado aquela carta o suspendesse, como efetivamente foi suspenso o que o era, José Félix Rodrigues Mendes. E por desconfiar, ele capitão-general, tenha para tais absurdos concorrido com suas astúcias ordinárias António Sebastião Espínola, v. mercê o mandará prender à minha ordem pelo tempo que deixo ao seu arbítrio.!!!
Ao pároco da freguezia José António de Barcellos – diz em manuscrito o dr. João Teixeira Soares, publicado no jornal Velense, n.º 135, de 23 de julho de 1885 – verdadeiro pastor do seu rebanho, foram durante muitos anos pela junta da real fazenda dadas respostas de evasiva ás petições em que implorava o auxílio para a construção d’uma nova paróquia: e só no governo do capitão-general Francisco de Borja Garção Stockler pôde alcançar os auxílios que pediu, levantando à custa de fadigas e sacrifícios penosos a nova paróquia, sem outro galardão mais que o reconhecimento da posteridade.
Notas: Na semana antecedente a terra havia tremido por vários dias. Este fenómeno foi pressentido pelos irracionais que se achavam nas proximidades do logar em que ocorreu. Poucos minutos antes do acontecimento os gados que se achavam próximos, começaram a mostrar-se inquietos e aterrados correndo sem que houvesse tapumes que os pudesse aguentar para o lado norte da ilha. As pessoas que se achavam por aqueles sítios vendo a fuga dos gados, seguiram instintivamente o mesmo proceder, de uma delas houvemos esta informação. Foi este para os homens o mais terrível dos acontecimentos d’este vulcão. Manifestou-se pela primeira vez depois de começar o curso das lavas e foi então que produziu o maior estrago por ser ainda desconhecido. Por um pouco parecia que a atividade das crateras se suspendia. Seguiu-se a esta sincope a explosão d’uma nuvem escura que rojando-se pelo solo baixava pela vertente da ilha até ao mar com uma força prodigiosa arrasando e queimando quanto encontrava: o que d’ela respirava morria necessariamente. Os effeitos d’este fenómeno fazem lembrar os do simaun do deserto, assim não lhe ficaria mal o nome de simaun vulcânico. Segundo os assentos da paróquia foi n’este dia 17 levado ao mar pelos ares pelo referido tufão Francisco José de Sousa, casado, de 59 annos de idade e morador na freguezia. Morreram mais no mesmo dia queimados pelo mesmo tufão Anna da Gloria, solteira, de 49 annos de idade, Francisco Machado, casado, de 30 annos de idade, Luzia de Jesus, casada, Thereza lgnacia, viuva. de 30 annos de idade, João, solteiro, de 14 annos, José Silveira Borges, casado, de 42 annos, João Espinola, casado, de 55 annos. Os proprietários que mais perderam foram, acima do caminho, começando do poente, o convento das freiras desta villa, os filhos de José Monteiro de Castro, o capitão Joaquim José Pereira e seu irmão o capitão Manuel José da Silveira, abaixo do caminho o padre António Homem de Bettencourt. As lavas d’este vulcão, que apenas tem uma existência externa de 63 annos, são talvez as mais benignas que se encontram em toda a terra. Em logares, sobretudo nos declives, já se encontram frondosas matas. Se a incúria dos proprietários não fosse tão grande, já podia aquele solo estar na quasi totalidade arborizado. Esta igreja havia sido construída no primeiro quartel do século passado. Estava voltada ao oriente. A sua torre ainda hoje existe completa. A causa da chegada d’aquelles produtos vulcânicos a esta villa não foi devida tanto à força com que foram expellidos como a haver n’aquelle dia soprado o vento de leste o que até ali não sucedera. As emissões gasosas duraram ainda por muitos annos não só nas crateras e fendas do solo, mas nas próprias lavas. Ainda em 8 de julho de 1810, por occasião de se pretender limpar o poço de baixa-mar da freguesia, no qual haviam caído escorias da lava, morreram asfixiados dentro do mesmo por emanações sulfurosas: Manuel Ignacio Lopes, de 29 annos, casado: Manuel José de Sequeira, 23 annos, casado: António, filho de José António Fagundes, 15 annos, solteiro. Eram todos trez da freguesia de Santo Amaro e tinham ido àquela de faxina.
O vulcão de Santorini em 1866[2] produziu fumaradas ácidas com movimentos rotatórios singulares causando nas plantas efeitos devastadores análogos, aos das nuvens ardentes dos Açores.
21.4. DESASTRE DE 1964
15 de fevereiro de 1964 não foi apenas um dia em que a terra estremeceu com violência na Ilha de São Jorge. Abriu caminho para uma verdadeira revolução dos pacatos habitantes da ilha, dado que muitos acabaram por emigrar para as mais diversas partes do mundo, abrindo um caminho inesperado para África, em particular para Angola.
Como sempre, tudo muda quando a Natureza nos sacode, porém este foi um dos mais trágicos acontecimentos que resultaria num outro, não menos grave para esta gente, que foi a independência da ex-colónia portuguesa, que os fez regressar às suas terras na condição de quase apátridas, apelidados de “retornados” e sem meios para recomeçar o que haviam. O sofrimento ainda não terá acabado para muitos dos jorgenses que estremeceram por cá e, depois, a milhares de quilómetros da terra que os viu nascer. Muitos, não cumpridas as promessas, regressaram à terra dois anos depois e outros foram-se ficando ou seguiram para os EUA e Canadá. Todos sofreram pelo caminho.
A crise sísmica iniciou-se em agosto de 1962 com pequenos sismos, sendo alguns deles um bocadinho fortes, conta Victor Hugo Forjaz, que se encontrava a estudar no Continente.
Recorda que, a partir de dezembro desse ano, a crise pareceu decair, porém, no dia 15 de fevereiro de 1964, às sete horas da manhã, recomeçou a crise e, em 24 horas, registaram-se 179 abalos, alguns macrossismos, alguns deles de grau VI ou VII, com tudo a acontecer envolto no meio de uma violente tempestade ciclónica com chuva e vento, o que ainda acabou por agravar, em muito, sobretudo as operações de salvamento das pessoas e entre elas os medos foram ainda maiores, atingindo pontos de sofrimento só entendível para quem os viveu.
“Esta crise de São Jorge, ocorrida em 1964, ocorreu essencialmente ao longo do mês de fevereiro” recorda o geólogo Victor Hugo Forjaz, que tinha, na altura, 23 anos de idade, e que foi testemunha ocular dos acontecimentos que se seguiram ao terramoto que mudou por completo a vida a milhares de jorgenses.
Entre os primeiros técnicos a chegar a São Jorge, encontrava-se o tenente-coronel José Agostinho, já então, uma autoridade na matéria e o jovem estudante Victor Hugo Forjaz, mas isso aconteceu apenas três dias depois dos eventos, devido ao mau estado do tempo e à falta de um aeroporto na ilha. No entanto, já antes, o nosso interlocutor conta que haviam sobrevoado a ilha, numa altura em que a rede sísmica existia apenas nas ilhas do Faial (Horta), Terceira (Angra do Heroísmo), e São Miguel (Ponta Delgada).
Durante as primeiras duas semanas os habitantes da ilha de São Jorge viveram no meio da maior confusão, com cerca de 500 sismos sentidos e como consequências imediatas, ficaram destruídas 900 casas de habitação, para além de outras de arrumos. Das 900 casas destruídas, cerca de 400 ruíram desde os alicerces, não ficando pedra sobre pedra, tendo sido evacuadas para fora da ilha, cinco mil pessoas.
Victor Hugo Forjaz releva o facto desta crise sísmica ter começado, epicentralmente falando, pelas zonas da Urzelina, depois, Manadas e Pico da Esperança, tendo depois mudado para a zona da Vila das Velas e, nos dias 18, 19 e 20 de fevereiro de 1964, “eu já me encontrava em São Jorge, no meio de ventos fortes e do lacrimejar atmosférico, ocorreu uma erupção no mar, a cerca de milha e meia de terra, em frente aos Rosais” – conta à DI Revista, o vulcanólogo.
“Com a erupção para Sudoeste, para o lado do Faial, deram em aparecer milhares e milhares de peixes mortos que deram à costa e aquele cheiro persistente típico de uma erupção vulcânica. Já uns dias antes, no início do mês, havia surgido o alerta do corte de um dos cabos submarinos que ligavam as ilhas”.
Na primeira missão, a 16 de fevereiro, Frederico Machado (que chefiava a missão), José Agostinho e Victor Hugo Forjaz, já se encontravam na ilha, tendo-se reunido a Tomás Pacheco da Rosa, faroleiro dos Rosais, que fora observador vulcanológico nos Capelinhos, durante a crise ocorrida no Faial, na década de 1959. Victor Hugo Forjaz disse ao DI que uma das caraterísticas negativas do que aconteceu com o terramoto na ilha de São Jorge também se prendeu com o formato da ilha, estreita e muito escarpada, o que criava um sentimento de aflição, com muitas pessoas a lançar-se autenticamente para os navios.
A evacuação retirou da ilha cerca de cinco mil pessoas, das quais cerca de um milhar ficaram temporariamente na ilha Terceira, o que criou, ao tempo, uma enorme perturbação social gerada pela falta de meios para albergar, de repente, tanta gente, sendo que aqueles que tinham parentes na ilha de Jesus resolveram o seu problema, mas muitos ficaram albergados em casas de pessoas que nunca tinham visto antes, com todos os incómodos que isso traz. Entretanto, entraram em ação o então Governador Civil do ex-distrito de Angra do Heroísmo, Teotónio Machado Pires, e o presidente da Câmara Municipal das Velas, Duarte de Sá, que utilizaram as embarcações “Espírito Santo”, “Santo Amaro” e “Terra Alta”, dando início a uma verdadeira epopeia marítima, acartando víveres para a ilha onde a vida ficou praticamente parada.
“Nesse tempo, eram apenas pequenas mercearias, não havendo supermercados nem sequer stocks de bens alimentares ou meios para os confecionar, como a farinha, que teve que partir da ilha Terceira no meio de grande tempestade num dos mais famosos barcos de carga interilhas do Grupo Central, o “Girão”.
Após sobrevoarem a ilha de São Jorge num Dakota da SATA, a equipa de técnicos teve ainda que viajar numa fragata da Marinha Portuguesa “enfrentando ventos ciclónicos e após diversas tentativas não foi possível desembarcar nas Velas, o mesmo tendo acontecido no porto da Urzelina, acabando por continuar a navegar até um cantinho da Vila da Calheta, e foi ali que ficou instalado uma espécie de quartel-general. “
A entrada na Vila das Velas foi “chocante”, conta Victor Hugo Forjaz.
“Parecia que estávamos a entrar numa daquelas pequenas cidades fantasma do faroeste. Não se vislumbrava vivalma. Apenas casas abatidas e janelas partidas e escancaradas; gatos, cães, vacas e outros animais domésticos por todos os cantos da Vila, presumivelmente assustados e em busca de comida. Enfim, uma verdadeira tragédia”.
Quando a crise acalmou, vieram as tendas da tropa, mas eram precisas muitas para recolher tantas famílias, o que levou a que fosse disponibilizado o navio “Niassa” para se deslocar às Velas transportando os equipamentos necessários para resolver os problemas mais imediatos que eram os de alojamento. Foi precisamente nesse navio, o “Niassa”, que as pessoas que desejaram abandonar a ilha foram levadas até Angola, com a promessa de receberem terras e gado, mas isso nunca foi cumprido, afirma Victor Hugo Forjaz.
Por isso, dois anos após a crise sísmica, muitas dessas famílias estavam de volta à ilha de São Jorge, e apenas as que emigraram para os Estados Unidos da América do Norte e Canadá, acabaram por assentar na diáspora, se bem que alguns, poucos, saíram com destino ao Brasil.
Para o geólogo, hoje não teria sido tão complicado como aconteceu em 1964 porque “há maiores cuidados na construção das habitações”, mas adianta que “ainda existem pessoas que estão a construir com pouca qualidade e, sobretudo, escolhendo localizações em zonas de elevado risco, perto do mar, em encostas que em caso de um sinistro com estas proporções poderão estar condenadas a ficarem destruídas constituindo grande perigo para os seus moradores, porque os terramotos nunca acabarão nas ilhas dos Açores, sendo sempre uma questão de tempo e muitas vezes sem aviso prévio”, pelo que todos os cuidados serão sempre poucos.
21.5. VELAS, 17 de fevereiro
Sob a presidência de Duarte Sá, foi possível efetuar a 17 de fevereiro uma reunião extraordinária da Câmara Municipal das Velas, tendo sido decidida a constituição de diversas comissões. A primeira, denominada “Comissão Central”, era constituída pelo presidente e vice-presidente da edilidade, aos quais se juntaram os vereadores António Cristiano da Silveira e Manuel da Silva Bettencourt; “Comissão de Transportes”, constituída pelos comandantes da Polícia e da Guarda Fiscal, e que tinha como função obter e colocar em funcionamento todos os meios de transporte necessários para organizar as mais diversas tarefas; “Comissão de Instalação, constituída pelo chefe de equipa da Junta Autónoma dos Portos e presidente da Junta de Freguesia das Velas, “destinada ao estabelecimento de sítios de recolha das populações”, “Comissão de Assistência Médico-Social”, de que faziam parte o delegado de Saúde, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, que ficaram responsáveis por todo o serviço de assistência às pessoas que necessitassem de apoio médico e social; a “Comissão de Assistência” era dirigida pelo presidente da Comissão Concelhia da União Nacional e Assistente Social, com o fim de proceder à “recolha, preparação e distribuição de géneros alimentícios às populações; a “Comissão de Comunicações” era formada pelo Delegado Marítimo e chefe da Estação Telégrafo Postal, mantendo os serviços de comunicações e de escuta permanente; as “Comissões de Freguesia” foram lideradas pelos párocos com o fim de atenderem diretamente às populações e estabelecerem contacto com a Comissão Central para o envio de assistência e, se necessário, de observadores.
Com Fernando Silveira, em São Jorge 01/03/2004 – 09:29
21.6.1. REGRESSANDO AO TURISMO NO CHARUTO-ILHA
Quanto ao Povoamento das ilhas sabia já que o Faial e Pico tinham sido doados, antes de 1466, ao flamengo Josse Van Huertere (Joz de Utra, nome posteriormente transformado em Dutra), casado com Beatriz de Macedo e sogro do famoso Martinho da Boémia. Na sua companhia teriam vindo muitos flamengos, dentre os quais se destacou Wilheim Van der Haagen (Guilherme da Silveira), que, passou às Flores e desta para a Terceira e S. Jorge, promovendo, desse modo, o povoamento. A rua dedicada a este homem carece de importância e está na vila das Velas a demonstrar que a História continua a merecer lugar secundário nas mentes dos homens.
Pois bem, a ilha de 246 km² com 65 km de comprido e 8 de largura máxima sempre lhe parecera um enorme charuto abandonado no oceano, ao lado da perna de galinha (Pico) e já longe do cachalote (S. Miguel). Distando 21 milhas da Terceira, 19 da Graciosa e 10 do Pico, dispunha apenas de dois concelhos: Velas e Calheta. Nas Velas ainda se podem observar várias casas solarengas de rica traça que atestam a sua riqueza patrimonial apesar dos muitos sismos que ficaram na história. As Igrejas da Matriz e N. Sr.ª da Conceição nada têm de extraordinário, o mesmo se podendo dizer da Igreja de Santa Catarina na Calheta, mais interessante é a de Santa Bárbara nas Manadas, a da Queimada sendo também digna de visita a Torre Sineira na Urzelina, ou o que resta da igreja derrocada pelo violento sismo de 1 de maio de 1808.
A cordilheira central atravessa a ilha a todo o comprimento e deixa apenas nas suas franjas as interessantes fajãs, exercício de vontade dum povo que lutava pela sua independência económica arrebanhando a terra que a natureza criava. Beleza agressiva e de acesso capaz de cortar a respiração a qualquer um, a ida às Fajãs que dispõem de estrada alcatroada é em si mesma um exercício de desafio das leis da natureza e não aconselhável a quem tenha vertigens ou seja impressionável. Conhecida pelas suas fajãs (terras baixas, à beira-mar, resultantes de materiais desprendidos por quebradas ou acumulados na foz de uma ribeira e assentes quase sempre num banco de lava muito resistente, são extremamente férteis e habitadas e cultivadas com fantásticas piscinas naturais que são autênticos aquários, onde se nada rodeado de peixes que não se incomodam minimamente com a presença humana) a ilha tem uma grande variedade de circuitos pedestres. A que mais impressionou pela positiva e sua beleza foi a do Ouvidor, mas pela perigosidade da estrada a de São João ganhava a todas mesmo à dos Cubres (e daqui era ainda necessário ir a pé uma hora para a maravilha da ilha, a do Santo Cristo).
O ilhéu do Topo é único e impressiona pela beleza que a natureza proporciona sem estar conspurcado pelo Homem. No outro extremo da ilha há uma maravilha paradisíaca: a reserva ou parque natural das Sete Fontes em Rosais, cujo farol abandonado deveria ser recuperado pois tem uma localização inigualável e umas vistas excelentes. Ali se faria uma excelente pousada com vista para um pôr-do-sol inolvidável. As formações geológicas em volta do farol são espantosas pelos caprichos da mãe natureza. O mais estranho no Parque Natural das Sete Fontes, foi encontrar os tão diferentes e originais porcos do Vietname e os omnipresentes e engraçados gamos.
A ida ao Pico da Esperança foi coartada pelas nuvens pois nunca passara do seu sopé intermédio e não pudera ir aos 1053 metros onde há oito anos se despenhou, sem sobreviventes, um avião da SATA onde ia um primo seu. A ilha tem inúmeros miradouros estrategicamente colocados e mais úteis quanto a paisagens deslumbrantes do que muitos dos miradouros que existem em São Miguel, por exemplo. A reserva da Silveira só permitia o acesso a pé e como a estadia era de cinco dias ficou adiada a sua exploração.
É nas Velas, de frente para o imponente Pico, que a ilha se centra, mas os seus segredos e encantos estão por todo o lado. S. Jorge é um exemplo de que o Homem pode viver em conformidade com a Natureza, se cada um souber ocupar o espaço que lhe é designado. O verde e o azul predominam, as estradas estão orladas por hortênsias. Lá em cima, à noite, os cagarros mantêm animadas conversas e alguns parecem crianças a chorar. Demorara duas noites a descobrir o que era aquele som original. É indescritível, mas ao mesmo tempo belo e melancólico. Durante a noite apenas se viam as suas sombras acompanhadas daquele lânguido som, a pairar por sobre a piscina do hotel, contigua às arribas e ao mar. A nota mais forte das primeiras impressões era o calor abrasador, o calor maior já sentido em mais de três anos no arquipélago, mas os termómetros não aparentavam mais do que os valores normais entre os 20 e os 27 °C. Essa sensação iria permanecer mesmo durante a noite em que o ar condicionado ficava ligado e durou todos os dias da estadia. Interrogado um local no Topo este disse que de facto a ilha era mais quente que as outras, mas no inverno também era bem mais fria.
Uma ilha sofrida, mas bela, agreste, mas acolhedora pelas suas gentes simpáticas e despretensiosas. ….
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Vulc%C3%A3o_da_Urzelina#cite_note-0
[2] Veja-se a nota de M. de Corona inserta nas Comptes Rendues de l’Academie des Sciences, Tomo LXIV, 1867.