PARA PENSAR do abandono de idosos e da solidão humana

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Do Abandono D Eidosos E Da Solidão Humana

 

 

1.1. A DOR DO ABANDONO…dezº 2013

Há dias (dezº 2013), António Quintela transcreveu um texto que divulgo e aqui adapto:

Era uma manhã de sol quente e céu azul, quando o caixão contendo um corpo sem vida foi baixado à sepultura. De quem se trata? Quase ninguém sabe. Poucas pessoas acompanham o féretro. Ninguém chora. Ninguém sentirá a falta dela. Ninguém para dizer um adeus ou até breve. Depois de o corpo desocupar o quarto do asilo, onde aquela mulher passou boa parte da sua vida, a responsável pela limpeza encontrou numa gaveta ao lado da cama, umas anotações. Um diário sobre a dor…a dor que sentiu por ter sido abandonada pela família num lar para idosos… Talvez o sofrimento fosse muito maior, mas as palavras só permitiram extravasar uma parte desses sentimentos, gravados em algumas frases:

Onde andarão meus filhos? Aquelas crianças sorridentes que embalei no meu colo, que alimentei com o meu leite, de que cuidei com tanto desvelo, onde andarão? Estarão tão ocupadas? Talvez não me possam visitar, nem ao menos para me dizerem olá, mãe?

Ah! Se soubessem como é triste sentir a dor do abandono… A mais deprimente solidão… Se ao menos pudesse caminhar…,Mas dependo das mãos generosas destas moças que me levam todos os dias para tomar sol no jardim… Jardim que já conheço como a palma da minha mão. Os anos passam e os meus filhos não entram por aquela porta, de braços abertos, para me envolver com carinho…. Os dias passam… E com eles é a esperança que se vai… No começo, era a esperança que me alimentava, ou eu a alimentava, não sei… Mas, agora…. Como esquecer que fui esquecida? Como engolir esse nó que teima em ficar na minha garganta, dia após dia? Todas as lágrimas que chorei não foram suficientes para desfazê-lo… Sinto que o crepúsculo desta existência se aproxima… Queria saber dos meus filhos…. Dos meus netos…. Será que ao menos se lembram de mim? A esperança, agora, parece estar atrelada aos minutos… Que a arrastam sem misericórdia…para longe de mim…

Às vezes, em sonhos, vejo um lindo jardim, que transcende os muros deste albergue e se abre em caminhos floridos que levam a outra realidade, onde braços afetuosos me esperam com amor e alegria… Mas, quando acordo, é a minha realidade que vejo… Que vivo… Que sinto… Um dia alguém me disse que a vida não se acaba num túmulo escuro e silencioso… Que a vida continua após a morte, de uma outra forma… Mas com certeza a minha matéria, a minha mente, o meu eu dessa vida que vivo agora, com o nome que tenho… Nunca mais existirá! E quando a morte chegar, só restará a saudade que com o passar do tempo se ameniza… (se é que alguém vai sentir saudade de mim, já que não sentem enquanto ainda estou viva neste asilo…) Sinto que a minha hora está chegando… Depois de partir, gostaria que alguém encontrasse estas minhas anotações e as divulgasse. E que elas pudessem tocar os corações dos filhos que internam seus pais em asilos, e jamais os visitam… Que eles possam saber um pouco sobre a dor de alguém que sente o que é ser abandonado… Pensai que a cada pai e a cada mãe Deus perguntará: O que fizestes do filho confiado à vossa guarda?

E aos filhos: O que fizestes aos vossos pais?

AMO OS IDOSOS. António Quintela

1.2. VEJO MUITA GENTE SÓ. dezº 2013

Também recentemente escrevia Miguel Gameiro:

Nas ruas, nos cafés, nos supermercados…gente anónima, sóbria, que se esconde nos cantos do silêncio porque simplesmente já não está lá ninguém para as ouvir. Gente que ansiosamente procura um olhar direto, apenas para uma conversa de circunstância…um minuto de companhia…pode ser sobre o tempo, o futebol ou sobre a reforma que desapareceu… Gente que se tornou fria, rude, porque a vida se encarregou de lhes tirar o resto. Os filhos que tiveram de partir à procura de um futuro, os outros que ficaram, mas que não querem saber…a solidão é uma merda. A verdade escamoteada é que andamos todos sós e olhando em volta não há mais ninguém, só a nossa imensa solidão, que nos consome até darmos conta de que a história narrada podia bem ser a nossa autobiografia. E não é única, nem um caso isolado. Repete-se em todos os pontos do globo com uma cadência, cada vez mais ritmada, pontuada, aqui e ali, pelo telejornal que dá conta de mais um/a idoso/a descoberto apodrecido no seu lar, meses após a sua morte. Que sociedade injusta e impiedosa vi crescer enquanto mantive os princípios sagrados de família que os meus pais me inculcaram, tal como antes os meus avós, bisavós e trisavós tinham feito.

Será que os esforços de séculos de todos os meus antecessores na família vão terminar com esta geração. Seremos nós os últimos dos que ainda se preocupam, amam e cuidam dos seus? Onde teremos falhado se inculcamos os mesmos valores com que fomos criados? Agora que já ninguém os segue nem lhes presta atenção…

Escrevi num dos livros ChrónicAçores:

Animais de hábitos, repetimos percursos e tradições que nos permitam qualificar na classe em vias de extinção, a dita família. Já na Austrália me queixava de desgostar de 3% do que me rodeava, que era a falta de vínculos familiares da maioria das pessoas, mas deparo-me hoje, em Portugal, com idêntica evolução, o dito progresso, que a todos consome e derrama gotas de ácido corrosivo em tecidos centenários que gerações perpetuaram, umas atrás das outras sem se questionarem.

Portugal sempre teve esta tendência suicida de copiar tudo o que de mau vem de fora.https://blog.lusofonias.net/wp-content/uploads/2020/05/do-abandono-d-eidosos-e-da-solidão-humana.pdf