açores vão às urnas

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Que Açores vão às urnas?
Um escritor, um economista, uma antiga professora, um advogado e um artista plástico, todos açorianos, traçam o retrato do que veem. Eleições são no dia 25.
Quem sobe a Rua Pedro Homem, no centro de Ponta Delgada, pode não parar mas não deixa de virar a cabeça para confirmar que, à porta do número 45, está uma relíquia com mais de cem anos. “Para os turistas, a história dessa máquina é que era do meu bisavó, mas é mentira”, explica Mário Roberto a rir: “só o tripé é do meu bisavó, a máquina veio dos Pirenéus franceses pelo eBay”. A máquina fotográfica, toda feita em madeira, funciona à moda antiga num espaço que é ateliê, livraria e galeria de arte na maior cidade dos Açores. Em 2009, um amigo de um amigo levou o artista plástico a conduzir o antigo chefe de cozinha e apresentador de televisão Anthony Bourdain pelas ruas da Ribeira Grande, em São Miguel. “Levei o homem à Casa de Pasto Flor, que serve pipis, desmistificando a coisa, eu nunca comi pipis na minha vida toda, ele era enorme, estava cansado da viagem, perguntou-me umas coisas em inglês, autografou um livro e ofereceu-me, foi isto.” Os Açores dessa altura são os Açores de hoje? “Nem pensar, o turismo veio alavancar isto tudo, antigamente o centro de Ponta Delgada estava em ruínas, nos últimos anos as pessoas endoideceram com o turismo, acharam que era uma mina de ouro e começaram a aparecer muitos alojamentos locais”, explica o também ator açoriano.
500 MILHÕES DE EUROS A MENOS
Em quatro anos, o turismo triplicou impulsionado pela liberalização do espaço aéreo, que passou a integrar os circuitos das companhias aéreas de baixo custo. Mário Fortuna tem dedicado boa parte da sua carreira enquanto professor catedrático a estudar quem vem às ilhas. “Nas últimas estimativas que fizemos, o turismo já representava 12% do PIB dos Açores, que é muito mais do que o turismo nacional representa no PIB português.” Segundo o economista e também presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada, “os sectores que vivem do turismo representavam 20% do emprego na região e estimamos que com a pandemia o turismo continua a cair 80%, o o que significa que o turismo nos Açores pode perder até 500 milhões de euros este ano”.
O entusiasmo de Gabriela Silva ultrapassa em muito os 520 quilómetros em linha reta que separam Ponta Delgada de São Miguel de Ponta Delgada da ilha das Flores. “Gosto muito de receber pessoas, de conhecer pessoas e de conectar pessoas”, explica a professora aposentada que é também proprietária de um alojamento local na ilha mais ocidental de Portugal. Pode dizer que nasceu na ilha onde viveu toda a vida, mas, atualmente, quase ninguém nasce nas Flores, Corvo, Graciosa, São Jorge ou Pico.“Não há o direito a nascer nestas ilhas. O Estado paga para as mulheres terem os filhos no Faial, porque é onde há assistência médica compatível e isso cria diferenças entre uma mulher das Flores e outra qualquer no mesmo arquipélago”, explica a antiga dirigente sindical que foi deputada pelo PSD Açores nos anos 80.
Existem três hospitais na região, um em São Miguel, outro na Terceira e outro no Faial, para onde são encaminhados os doentes de todas as ilhas do arquipélago. No ano passado, e de acordo com o Serviço Regional de Estatística dos Açores, a despesa total com a saúde na região foi de mais de €340 milhões. “Sai-me mais barato ir ao continente à privada do que ir a São Miguel. Nos centros de saúde os médicos estão aflitos e só em caso de extrema necessidade vem cá o avião militar e os doentes são transportados para os hospitais, a saúde sai caríssima nos Açores”, sublinha Gabriela Silva.
ABANDONO ESCOLAR É FLAGELO
Em julho, a antiga professora primária fez a defesa da sua tese de mestrado em Filosofia para Crianças tendo como tema a autonomia. É por elas que se bate e é para a escola que quer voltar. “As crianças que são criadas de acordo com os princípios da paz estão mais preparadas para enfrentar a nova Humanidade, quero trabalhar isto com as crianças das Flores numa altura em que estamos todos mais afastados uns dos outros”, revela a antiga professora primária.
Os Açores têm a maior taxa de abandono escolar do território português: 27%. Os livros de Joel Neto fazem parte do Plano Regional de Leitura. Os Açores são o pano de fundo dos seus dias e da sua escrita. Há nove anos, o escritor açoriano e a mulher, natural de Lisboa, trocou a calçada do Bairro Alto pelo verde de uma pequena localidade na ilha Terceira. “A paisagem aqui é redentora, éramos o mais urbanos possível e hoje assistimos aos ciclos da natureza, temos um pomar, um jardim grande, três cães, uma horta que é biológica por acaso”, conta. A natureza que encontra quem procura os Açores contrasta, na opinião do escritor, com o resto. “A política açoriana tem desafios muito urgentes do ponto de vista da pobreza e da educação com o abandono e o insucesso escolar que é mais do triplo dos valores nacionais, é dramático”, lamenta o escritor.
13 PARTIDOS NAS REGIONAIS
Nas últimas três semanas, a televisão pública regional tem transmitido debates entre os candidatos dos diferentes partidos que concorrem às eleições regionais de 25 de outubro. O escritor e ex-jornalista diz que tem acompanhado a pré-campanha mas mostra-se desiludido com aquilo que diz ser “profundamente paroquial e meramente eleitoralista”.
Entre as 13 forças políticas que vão estar no boletim de voto dos açorianos, há três novos partidos: o Aliança, a Iniciativa Liberal e o Chega Açores. Na opinião de Joel Neto, “os Açores são uma terra muito fértil para a extrema direita porque somos mais conservadores do que a média dos portugueses e a sociedade açoriana está depauperada de massa crítica”.
A ligação entre os nove pedaços de terra que compõem o arquipélago e a dispersão territorial é para o economista Mário Fortuna uma questão central na discussão dos partidos. “A Sata tem um problema estrutural de fundo na sua organização e gestão. Para salvar a Sata, o próximo governo tem de reestruturá-la e separar a empresa das suas componentes separáveis”, defende o docente.
Nas últimas eleições regionais, três em cada cinco açorianos não votou. Os níveis de abstenção preocupam Elias Pereira, atual membro do Conselho Superior da Magistratura. “Estuda-se as causas da abstenção, mas não se estuda quem vota. O problema da abstenção é grave para a autonomia, se não mostrarmos que ela é muito importante para nós, não reconhecemos qualidade na autonomia”, alerta o advogado: “Importaria muito que a abstenção fosse corrigida nestas eleições, mas não sei como se leva as pessoas a votar naturalmente e sem pressões.”
Sobre os possíveis cenários, depois de contados os votos e apurada a abstenção, Elias Pereira acredita numa nova vitória do PS. Se os socialistas, no poder há 24 anos nos Açores, não conquistarem a maioria absoluta poderão tentar apoio do lado oposto do espectro político: “Pela votação dos orçamentos que temos visto na Assembleia Regional, é muito provável que o PS se junte ao CDS-PP, com o PCP vejo com alguma dificuldade”, garante. O comentador político considera que “o Chega é a incógnita que ninguém consegue desvendar por causa do círculo de compensação”. Elias Pereira antevê um cenário mais complexo para os sociais-democratas. Caso o PSD vença as eleições, “terá de fazer uma ‘geringonça’ mais alargada com o PS e outros partidos”, ressalva.
A ÚLTIMA VEZ DE VASCO CORDEIRO
“É uma meia vitória, seguramente”, respondeu esta semana Rui Rio, líder nacional do PSD, quando nos Açores lhe perguntaram se era já bom resultado para o partido tirar a maioria absoluta aos socialistas. A resposta, transparente e pouco habitual, mostra à evidência que só uma enorme surpresa ditaria uma mudança na cor do governo regional: o PS governa os Açores há quase 24 anos — quase todos em maioria absoluta. Na eleição que se segue, o atual presidente é recandidato. E, como diz a história do arquipélago, a reeleição é quase segura.
Se a tradição ainda for como era, a ambição social-democrata de aumentar a votação tem na mira a eleição seguinte: é que em 2024 Vasco Cordeiro não pode recandidatar-se — chega ao limite de mandatos permitido pela lei, três. E o PS terá de se apresentar nas urnas com outra cara — melhor oportunidade para o PSD entregar resultados. É isso que joga agora José Manuel Bolieiro, o candidato ‘laranja’. Um bom resultado agora punha-o bem posicionado para o futuro.
(SARA SOUSA – Expresso de 10/10/2020)
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