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O que poucos decidem que Portugal seja é o que Portugal é
O aumento continuado das responsabilidades e exigências que caem sobre os professores, devido à acentuada transferência para eles de funções sociais que pertenciam anteriormente à comunidade social e às famílias, sem as necessárias adaptações organizacionais compensatórias, tornou extremamente penoso o exercício da profissão. Dizer que a profissão docente está em crise passou, assim, a lugar-comum, sendo que as respectivas condições de trabalho (violência, esgotamento físico e psicológico) são as causas que mais contribuem para o acentuar dessa crise. E dentro delas, o peso da burocracia ocupa, talvez, o lugar cimeiro. Quantos cidadãos terão uma noção aproximada da quantidade de planos e relatórios inúteis que os professores são obrigados a produzir, com enorme prejuízo da sua responsabilidade primeira, que é ensinar? Muito longe de ser exaustivo, porque há mesmo muito mais, deixo um pequeno registo exemplificativo: Plano Anual de Actividades (PAA); Plano Plurianual de Actividades (PPA); Projecto Educativo de Agrupamento (PEA); Plano de Acção Estratégica (PAE), no quadro do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE); Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital da Escola (PADDE); Projecto Curricular de Turma (PCT); Plano de Turma (PT); Plano Educativo Individual (PEI); Plano de Melhoria (PM); Plano de Recuperação de Aprendizagens (PRA); Relatório Técnico-Pedagógico (RTP); Relatório Individual das Provas de Aferição (RIPA); Relatório de Escola das Provas de Aferição (REPA); Relatório Crítico do Director de Turma (RCDT); Relatório Final de Execução de Actividades (RFEA). A última desta torrente pútrida de toleimas foi a moda da filosofia “Ubuntu”, alma mater de mais um plano: o Plano 21|23 Escola+. Cansados com esta amostra? Imaginem os professores, com a totalidade!
A malícia política que semeou obstáculos no trajecto profissional dos professores exprime bem a falta de decoro a que chegámos: cerca de cinco mil docentes, apesar de terem cumprido todas as exigências estatutárias (avaliação positiva, com observação directa de aulas, quando exigida, e formação contínua) estão impedidos de progredir aos 5.º e 7.º escalões, graças à existência das famigeradas quotas administrativas, que o Governo discricionariamente fixou. Muitos destes, por terem menções classificativas máximas, estariam a salvo do primeiro expediente arbitrário. Então, criou-se um segundo, mais miserável que o primeiro: em cada escola, só um limitado número de professores pode ter nota máxima; assim, concluído o processo, a classificação de muitos é aviltantemente reduzida, para cumprir a vontade de sucessivas pilecas políticas. Do mesmo passo, e na sequência da subtracção de vários anos de serviço efectivamente cumprido, temos hoje outros milhares de professores que já deveriam estar em escalões muito acima daqueles em que se encontram. Naturalmente que daqui resulta uma injusta penalização remuneratória, designadamente com considerável impacto negativo no cálculo das suas pensões de aposentação.
As análises que muitos fazem sobre a situação descrita, alegando que “nem todos podem chegar a generais”, ignoram que, enquanto são gritantemente diferentes as funções de um soldado e de um general, as funções de um professor do 1º escalão são exactamente iguais às funções de outro, do 10º. Fica assim actual, 120 anos depois, o que Eça de Queirós escreveu: “O que um pequeno número de jornalistas, de políticos, de banqueiros, de mundanos decide no Chiado que Portugal seja, é o que Portugal é.”
Faz-se muito e do melhor no sistema nacional de ensino. Infelizmente, sem o apoio de quem o governa. A dedicação, a entrega e o amor aos alunos são o apanágio dominante do espírito de missão da maioria dos professores. Apesar disso, são alvo de ataques sucessivos, como se a culpa do que corre mal lhes pudesse ser imputada.
Os professores estão saturados da natureza arrogante deste Governo, da incompetência do ministro da Educação, de obedecer à anormalidade normal, a ordens e modas imbecis, vindas ora do autoritarismo central, ora do caciquismo local. O sistema colapsará se não se alterarem drasticamente as políticas educativas.
In “Público” de 8.12,21
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- Maria João DiasEste texto define a razão da nossa úlcera gástrica, do nosso desespero silencioso, da nossa morte lenta em plenas funções. Está aqui bem espelhada e resumida, a nossa situação miserável como professores, exercendo todos dias e a todas as horas, as funções que rodeiam os alunos e as suas famílias. É um processo que se vai revelar catastrófico pois o cansaço e a exaustão já são claros na maioria de nós. Fazemos o melhor que podemos, só não sabemos por quanto tempo mais o conseguiremos fazer. Acabem-se com as grelhas e as aferições de tudo e todos. Os resultados finais em detrimento do processo de ensino e aprendizagem. Acabe-se com metas num mundo em que não chegamos todos ao mesmo sítio e à mesma hora.A escola precisa de ser simplificada para que a importante tarefa de ensinar volte a ser a prioridade.Basta! Pum! Basta!
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José Rodrigo CoelhoE ainda falta dizer tanto mais (…)!!1
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Luísa Andrade LaínsVerdade professor. Ainda acrescento a avaliação por competências de acordo com o Projeto MAIA para se alcançar o famoso Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória.7
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Marta Cunha CaldeiraÉ a burrocracia. E depois, o que realmente interessa, ocupa uma fracção do tempo. A malta assobia para o lado, uns ignorantes da condição, outros porque dá sempre jeito ter um bode expiatório. As famílias demitem-se diariamente do seu papel activo rei…See more- Like
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Cristina FilipeEu que o diga!!! Sou o verdadeiro exemplo desta estupidez! Tanto que já me estou a tornar numa pessoa desagradável!!!- Like
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Susana CorreiaObrigada, professor. Vou partilhar.- Like
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Susana GuerraPerfeito como sempre!- Like
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Maria De Fátima MoreiraPartilho.- Like
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Anabela Prates(In)felizmente descreveu a nossa realidade diária.- Like
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Teresa Joaquim100% de acordo. O texto espelha com toda a veracidade a situação atual da educação e dos professores- Like
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PORDATA – Salário mínimo nacional
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je veux ZAZ
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patético um padre a benzer um supermercado
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Governo dos Açores adquiriu antigas instalações da Cofaco na Horta – Jornal Açores 9
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“Hoje assinámos a escritura de compra a venda dos imóveis da Cofaco, que já estão a ser vistoriados pelo LREC [Laboratório Regional de Engenharia Civil] e por empresas para levantamento topográfico,” explicou aos jornalistas o secretário regional do Mar e das Pescas, Manuel São João, após a assinatura da escritura, no Cartório Notarial da Horta. […]
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Tomás Quental · O que é o PS nos Açores?
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O que é o PS nos Açores?
O Partido Socialista nos Açores, estranhamente, decidiu suicidar-se politicamente, depois de ter sido afastado do poder regional. Não aguentou a pancada. Em vez de reorganizar-se, rejuvenescer-se e recuperar os bons ideais originais, em grande parte há muito colocados no fundo da “gaveta”, o Partido Socialista desistiu e abandonou os verdadeiros socialistas açorianos. Isso ficou claro nas últimas eleições autárquicas, em que perdeu o lugar primeiro que detinha no conjunto das autarquias açorianas. No município de Ponta Delgada, o maior do arquipélago, então, o desastre foi total. Mas o Partido Socialista não aprendeu a lição. De modo algum! Prepara-se para novo e ainda mais clamoroso desastre nas próximas eleições legislativas nacionais antecipadas, com os propostos representantes para a Assembleia da República. Falta ao Partido Socialista nos Açores dirigentes como os saudosos Francisco Macedo, Angelino de Almeida Páscoa e Avelino Rodrigues, a cujas memórias presto a mais sentida e justa homenagem. Já soube o que era o Partido Socialista nos Açores, mas actualmente não consigo entender o que seja.
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uma civilização americana antiga
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In Southern Illinois, situated along the Mississippi River in Collinsville, an ancient settlement that we call Cahokia rose to great power between 800-1200 CE. Nicknamed America’s Forgotten City or The City of the Sun, the massive complex once contained as many as 40,000 people and spread across nearly 4,000 acres. The most notable features of the site are hand-made earthen mounds which held temples, political buildings, and burial pits.
BRINGSIDE.ME
Cahokia Mounds of Illinois: An Unparalleled Native American City
In Southern Illinois, situated along the Mississippi River i
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A democratização da pobreza segundo Alfredo Flores
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A democratização da pobreza segundo Alfredo Flores não é bem assim!
Há uma velha canção nem sei se radical se idiota que diz que a Revolução não é um jardim de flores de rosas enfim
Portugal terá algo como 878 anos ( à volta de …) e nunca por nunca foi um país rico mas foi sempre um “país outro” nascido com Templários contra um dos 2 papas de então assim como contra um castelhano imperador esse sim poderoso riquíssimo e decididamente expansionista
Não Portugal não nasceu porque um filho bateu numa mãe ( duvidosamente é filho dessa mãe) mas sim a partir de um projeto de uma parcela de uma das elites dominantes a Templária aliada a elites locais
O projeto foi o Expansionismo luso que a destruição pelo tal Filipe francês dessa parcela forçada a recuar do centro para a periferia lusa até reforçou!
O luso processo nunca foi simplista nem fechado em si na Lusitana tribo mas garantidamente foi um processo aberto onde uma burguesia judaica aceitou miscegenizar com as comunidades cristã islâmica até uma expulsão que só sucedeu ali por voltas de 5 de Dezembro de 1496 ( Portugal chegou ao Congo por voltas de 1482, cerca 14 anos antes note-se) e como se sabe só parcelarmente dados a alheira e os cristãos novos sendo que os que saíram geraram o futuro rival que foi a Holanda mas valendo ser o primeiro passo do empobrecimento
Em 1580 o Portugal reino foi tomado pelo “vizinho do lado” e o empobrecimento de Portugal vive o seu segundo passo de empobrecimento
O terceiro grande passo dá-se no tempo em que um odiado mestiço ( por o ser) o marquês de Pombal punha em causa o desgraçado negócio da escravatura ( 1.o no mundo dito civilizado de então) e dinamizava a industrialização mas sendo forçado a responder ao terceiro processo de empobrecimento ( o terramoto de 1755)
Em 1807 dá-se o quarto processo de empobrecimento com as invasões primeiro francesas e depois britânicas que espoliaram como puderam o país mas sobretudo o tornaram ideologicamente dependente dos dois impérios o britânico e o francês
O quinto processo de empobrecimento surge com a I guerra mundial bem em cima da lusa luta de libertação contra o monarquismo vaticanista o que originou a fascização salazarenta
Esta é o sexto processo de empobrecimento ( pobretes analfabetos e alegretes) que gerou um império de pés descalços já sem a primeira jóia da coroa o Brasil 1822 que permitiu que Portugal chegasse ao 25 de abril com 2 milhões de emigrantes no mínimo 60 km de autoestradas em 48 anos de fascismo umas ridiculas 20 mil empresas ( todas nascidas só depois da autorização do salazarento e seus capangas) sem habitação adequada sem água sem luz sem aquecimento e a maior taxa de analfabetismo da Europa em concorrência com a Grécia
Ainda assim Portugal que entregou de borla as colónias aos soviéticos e americanos ( quem geria em 1979 os angolanos petroleos ? Esse império do mal estadounidense de mãos dadas com o sol da vida soviético!) Mas conseguiu integrar 500 mil cidadãos brancos mulatos e negros
Em 1983 depois do desastre sacarneiristabalsemista ( por onde ficou a marinha mercante lusa?) o país estava na banca rota e um bloco central maçonico la abriu uma janela mas a porta da CEE foi entregue ao opusdeista Cavaco silva e assim nasceu o pobretismo esmoler vaticanista que ainda hoje se mantém com as inovações que foram o SNS e recentemente o crescimento acelerado do SMN
Como se vê o Alfredo Flores tem muito a ler …( e havia bem mais a escrever como a destruição do sindicalismo anarco sindicalista pelo fascismo salazarento.. )
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