Depois de ter sido absolvido pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (TJCPD) de insolvência culposa da antiga empresa municipal Azores Parque (AzP), a 19 de Abril do ano passado, José Manuel Bolieiro, antigo presidente da autarquia de Ponta Delgada e actual presidente do Governo Regional dos Açores, vai voltar a ser julgado no âmbito deste processo, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que anulou a sentença de primeira instância.
Num acórdão revelado esta terça-feira, a que o PÚBLICO teve acesso, o colectivo de juízes considerou procedente um recurso interposto pela advogada de defesa de Carlos Silveira (um dos dois únicos condenados), citando também para o novo julgamento o advogado Rui Melo Cordeiro, ex-presidente do Santa Clara, acusado de desviar fundos da falida sociedade municipal, e que tinha ficado de fora do banco dos réus no primeiro julgamento, devido a um acordo extrajudicial com a massa insolvente.
“Foi feita justiça no sentido de se aplicar o melhor direito ao caso concreto, algo que o tribunal de primeira instância não fez, por inércia, como é referido neste acórdão”, notou Paula Vilares, advogada de Carlos Silveira. O seu cliente acabou por ser um dos dois únicos condenados neste processo, que absolveu todos os restantes arguidos, nomeadamente os anteriores administradores camarários da AzP e o próprio elenco municipal.
A 30 de Dezembro de 2020, José Manuel Bolieiro, que assumira um mês antes a presidência do Governo Regional dos Açores, invocou a qualidade de membro do Conselho de Estado (CE), por inerência do cargo, e a necessidade do TJCPD requerer autorização ao órgão consultivo do Presidente da República para prestar depoimento no julgamento, como pedido pelo administrador da insolvência e admitido pelo próprio tribunal. Requereu ainda o exercício da prerrogativa legal de depor por escrito, mas a juíza acabou por prescindir do depoimento, a 24 de Janeiro de 2021, alegando a celeridade do processo. “Como a sentença foi anulada, vai voltar a fazer-se o julgamento e a prova. Vai-se voltar a ouvir todas as testemunhas e vamos novamente requerer a audiência de José Manuel Bolieiro”, garantiu Paula Vilares.
O início do fim da AzP começou a desenhar-se no final de 2018, quando Rui Melo Cordeiro iniciou contactos para a compra da sociedade camarária, que estava em vias de ser internalizada (extinta e integrada na autarquia) devido à sua grave situação financeira. O dirigente desportivo contactou o vereador socialista Vítor Fraga, que estabeleceu a ponte com o então presidente social-democrata da Câmara Municipal de Ponta Delgada (CMPD), José Manuel Bolieiro.
A empresa municipal foi vendida a 11 de Março de 2019, após um breve concurso público, à sociedade Alixir Capital, que tem o empresário de Singapura Glen Lau (principal accionista da SAD do Santa Clara) como beneficiário último. Por 500 euros, a AzP, com mais de 11 milhões de euros de passivo e um património de 500 mil metros quadrados de terrenos, passou para as mãos de uma entidade privada desconhecida em Portugal, sem contas registadas na altura.
Em escassos meses, uma parte substancial do activo imobiliário foi desbaratada, vendida muito abaixo do seu valor patrimonial tributário ou até sem qualquer pagamento. Completamente esvaziada foi ainda a conta da AzP, aberta pelos novos gestores, sem que houvesse qualquer pagamento aos credores. Tudo em vésperas da declaração de insolvência pelo TJCPD a pedido do Banco Santander, a 26 de Novembro de 2019.
Uma parte muito substancial destas verbas foi parar à tesouraria da SAD do Santa Clara e à sociedade Melo Cordeiro (MC), Unipessoal, empresa constituída a 15 de Janeiro de 2019, com um capital social de 50 euros e detida, na altura, em exclusividade, por Rui Melo Cordeiro, que passaria a ter, depois, Glen Lau como sócio.
Silveira e Saleh, administradores da AzP em nome da Alixir Capital, foram os únicos condenados pelo TJCPD. A sentença determinou que ficassem “inibidos do exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos”. Foram ainda condenados a “indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não-satisfeitos”.
A defesa de Silveira insistiu sempre que o seu cliente seria um mero testa-de-ferro de Melo Cordeiro, que foi quem o indicou para a presidência da AzP. Silveira defendeu não ter competências para gerir uma empresa desta dimensão, garantindo que tudo o que fez foi a mando de Cordeiro.