MALABARISMO MATEMÁTICO-POLÍTICO
À beirinha do Natal, como é hábito, reuniu-se a Assembleia Municipal da Horta para debater e votar, entre outros pontos, o Plano e o Orçamento do Município para 2023. Também como de costume os documentos foram aprovados. Não aconteceu nada de novo nem extraordinário na discussão dos assuntos, faltando intervenções políticas de fôlego, quer do lado da maioria, que do lado da oposição, mas eu não posso falar porque já por lá passei e não fiz melhor do que os que hoje se encontram a exercer funções neste areópago.
Houve, porém, um momento, singular, quando, no tempo reservado ao público, falou a primeira subscritora da petição sobre a preservação do passeio modernista da avenida. Expôs a argumentação já conhecida e teve, da parte do presidente da Câmara, a resposta que também já todos sabem qual é.
Mas surgiu um aspecto naquela troca de argumentos que me impressionou. Disse o presidente do Município que são conhecidas razões dos mais de mil peticionários, contudo, desconhece-se o pensamento dos mais de 13 mil faialenses que não assinaram a petição, insinuando que não acompanharão as razões nesta expostas.
Se me pedissem para sugerir para um manual de ciência política um exemplo eloquente que pudesse definir bem o que é demagogia, eu não hesitaria em indicar este episódio que aconteceu na nossa Assembleia Municipal.
Anda o presidente da Câmara a proclamar aos quatro ventos que a Frente Mar deu a volta à ilha em discussão pública – tendo até apresentado os respetivos números na sessão do Teatro Faialense, segundo os quais, entre visitas à exposição no Banco de Artistas, consultas online, sessões nas freguesias e participações escritas, 888 faialenses envolveram-se no processo – valorizando, assim, as participações e desvalorizando, naturalmente, quem não participa.
Como se explica, então, que, no que diz respeito à petição, chame à colação os mais de 13 mil faialenses que não participaram na assinatura do documento? Deveria falar apenas de quem assinou, ou não?
Na discussão pública do projeto, importam os poucos que participaram; na assinatura da petição, os que não participaram é que vêm à baila!
Seguindo a lógica do raciocínio do presidente da Câmara há mais de 13 mil faialenses que não se identificam com a Frente Mar, pois não participaram na consulta pública, que serão os mesmos que não se reveem na petição, porque não a assinaram.
Este malabarismo matemático-político só teria possibilidade de ser produzido por uma mente iluminada!
Quando dá jeito, invoca-se quem preferiu ficar em casa e não dizer nada; quando não dá, esses mesmos faialenses já não são tidos nem achados.
O presidente da Câmara, com um ar seráfico, gosta muito de usar a palavra “lealdade”. Na sessão de hoje da Assembleia Municipal usou-a duas vezes. Eu pergunto: foi leal ao proceder da forma como acabo de descrever?
Uma das desculpas (esfarrapada) do presidente da Câmara para justificar a sua falta de resposta aos peticionários foi o facto de a petição estar a ser analisada no âmbito da Assembleia Municipal e a este órgão competir dar a resposta.
Ora, momentos depois da versão apresentada pelo presidente da Câmara uma deputada municipal do PSD explicou que a petição foi dirigida à Câmara e, por isso, é a Câmara que tem que responder, pois a Assembleia Municipal apenas recebeu uma comunicação de que o documento fora entregue ao presidente do Município. Nuna Menezes acrescentou que, legalmente, uma petição é dirigida à Câmara e não à Assembleia, que não tem competência na matéria.
Então, das duas, uma: o presidente da Câmara desconhece a lei ou usou este artifício para fugir com o rabo à seringa.
Há lealdade neste procedimento?
Por fim e ainda a propósito das palavras queridas do presidente da Câmara, tenho ouvido milhentas vezes a palavra “diálogo”, saída da sua boca.
No que toca à Frente Mar, sela sempre as suas intervenções dizendo que a Câmara está disposta a dialogar com todos, mas a verdade é que no caso dos peticionários virou-lhes as costas pura e simplesmente. Aliás, sempre erguendo a bandeira do diálogo vai fazendo como quer.
Se o presidente da Câmara fosse um político coerente já tinha esclarecido tudo isto de uma vez por todas: bastava dizer que a obra vai avançar como está projetado, mas o presidente da Câmara não resiste à tentação de querer agradar a todos.
O argumento, hoje apresentado, de que mexer no projeto implicaria recuar 10 anos e levantar as calçadas do adro da igreja das Angústias e do Largo do Infante, mostra, mais uma vez, como a demagogia facilmente toma o lugar da lealdade.
A talho de foice e ainda sobre diálogo:
Na questão do reordenamento do Porto da Horta uma das frases que mais tenho escutado ao presidente da Câmara é que é necessário reunir a comunidade portuária e estabelecer pontes de diálogo.
Sendo presidente da Câmara, com toda a legitimidade que lhe advém do cargo, do que é que está à espera para encetar esse diálogo?
Ou diálogo e lealdade são apenas palavras para enfeitar discursos? |x