A exigência formulada pela frase, adotada por um movimento de cidadania há anos, que reivindicava a devolução da Calheta aos seus cidadãos é irremediável, já se sabe. Cerca de vinte anos depois, sob o aterro, onde outrora foi o histórico porto da Calheta de Pêro de Teive, à volta do qual nasceu Ponta Delgada, permanece ainda o mistério quanto ao seu futuro.
Dezenas de anos depois de acumulação de entulho, ainda recentemente, sob a administração camarária anterior, foi possível resgatar uma parte do espaço que, segundo julgo saber, seria devolvido ao usufruto público com zonas verdes de lazer. Começaram as obras de demolição, mas, eis que, nos últimos dias, foi anunciada a sua suspensão pela empresa promotora da obra que detém a concessão do espaço. Da justificação, nada se sabe. Para os cidadãos comuns, como eu, igualmente nada se sabe sobre os negócios ao longo dos anos que conduziram àquela situação deplorável. Quem são os responsáveis, os verdadeiros envolvidos, visíveis e invisíveis. É evidente que o enredo é de tal forma complexo que já perdeu ponta por onde se pegue, são tantas as pontas soltas…
De qualquer modo, ao cidadão comum nada disso interessa. Importa aos cidadãos de Ponta Delgada, e aos habitantes da ilha que têm esta cidade como sua, que a questão seja resolvida de uma vez por todas! Podemos já não identificar quem nos trouxe até aqui, mas quem está nos lugares de poder atualmente tem seguramente responsabilidades sobre o que por ora, ou daqui em diante, se faz.
Enquanto se renova o centro da cidade, sem que houvesse qualquer reivindicação ou carácter de prioridade para isso, a uns metros mais ao lado, em plena Avenida Marginal, temos uma frente nobre da cidade, cheia de entulho há décadas!
É como arrumar a sala de visitas de uma casa, prepará-la para receber convidados, mas, se os mesmos convidados espreitarem para outra divisão da casa, verão o lixo e o entulho despejado, dando conta da falta de brio do anfitrião que, hipocritamente, esconde a sujidade do seu desleixo.
No caso em questão, a imundície da ineficiência está para além do que a nossa compreensão e vista alcançam, protegidas por tapumes de latão que, ainda assim, só foram postos recentemente. Dantes, nem essa “dignidade” havia, tal era o à-vontade. Qual é a fonte deste à-vontade e o porquê desta pouca vergonha? Na cidade mais antiga e populosa da região, não há suficiente pressão por parte dos cidadãos para evitar uma mutilação do nosso património deste calibre? Ou – pior – nenhum valor se lhe reconhece? Um abandono duma parte nobre de Ponta Delgada justifica-se como? A quem interessa? Que poder nós elegemos para nos representar que não põe cobro a uma situação moralmente danosa para os habitantes da cidade e desta ilha?
Assumo a contradição, pois referi que já nada disso interessa. Porém, as perguntas impõem-se por si. Serão inevitavelmente respondidas no devir da história.
Por agora, o que importa acima de tudo é o rápido desfecho do (ana)crónico problema. Há-de haver jovens nesta terra que nunca tiveram o direito de conhecer aquele lugar de outra forma.
Exige-se que quem está nos lugares certos faça o que lhe compete com a delegação de autoridade que lhe foi outorgada. Nada mais.
A urgência da sua resolução é para ontem e nada tem a ver, como às vezes se diz, com a crescente afluência de turistas que nos visitam.
É inadiável, porque nós que aqui estamos temos o direito de viver numa casa limpa. Açoriano que se preze tem casa asseada e consciência lavada e recebe na sua casa seja quem for, desde que venha por bem!