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Outra recordação duradoura, indelevelmente associada à infância passada na casa da Rua de Maria Pia (19534-1959(, é a dos saltimbancos que apareciam, uma ou outra vez por ano, já não recordo exatamente quando, creio que na época da Páscoa ou natal, para fazerem as suas acrobacias na rua em troco duns tostões. Eram em geral famélicos e escanzelados e divertiam-nos com as suas habilidades. Iam desde os palhaços a um outro a vomitar fogo, a outros marchando em cima dumas “andas” que chegavam ao primeiro andar onde eu os observava, e outros números que a memória deixou escapar. Nunca excediam uma meia dúzia de artistas que assim ganhavam a vida: o que mais me espantava é que houvesse já mulheres naquele meio, numa era em que estavam quase totalmente apagadas da sociedade caseira que lhes era imposta.
12.22. DOMINGO DE PÁSCOA, 16 ABRIL 2006 CRÓNICA 17
Hoje não irei falar da estação festiva para muitos crentes pois – cada vez mais – deixou de ser um momento de reflexão. Similarmente ao Natal converteu-se num apelo ao consumismo de chocolates e amêndoas e ninguém se dá ao trabalho de pensar porque existem estas férias e feriados. É irónico que seja um não-crente, ateu até ao tutano, a falar disto, mas cada um é como é e não renego as origens cristãs embora professe um profundo respeito por todas as crenças e religiões desde que não sejam fundamentalistas ou exacerbadas por ódios ancestrais. Para mim a Páscoa é uma época de reflexão sobre o caminho terreno de cada um de nós (perdoem-me se isto começa a parecer uma homilia), sobre a inevitabilidade causal desta curta passagem, sobre a ineficácia de tentarmos deixar uma marca dessa passagem, sobre a futilidade de nos tentarmos afirmar enquanto seres vivos, sobre o materialismo exacerbado que nos preenche o quotidiano, sobre a falta de amor e caridade com que permeamos os dias, e a incapacidade de perdoar e ser perdoado.
Não, não era sobre isto que vos queria falar, sinto-me (como antigamente se dizia) um bota-de-elástico, démodé, ou (como se usa correntemente) um “cota”. Pois é, cada vez mais a vida se aproxima da ficção de Quentin Tarantino, realizador obcecado pela violência e brutalidade. Cada vez menos tenho paciência, mas é uma luta desigual, basta abrir um telejornal, folhear as páginas dum jornal ou fazer pesquisa sobre um qualquer tema e aí está o genocídio, a morte gratuita, o ódio racial, religioso ou económico. Cada vez mais me revolto por ser um ente isolado e minoritário neste mundo que me rodeia.
Quando vejo um Tribunal Português a entender que um castigo corporal a uma criança deficiente até faz bem, quando vejo os deputados a fazerem ponte em véspera de feriado e a não permitir a aprovação de leis por falta de quórum, quando sei da responsabilidade dos serviços secretos franceses em forjarem um documento falso (a falsa compra de urânio no Níger por Saddam Hussein) para impelirem os EUA mais depressa para a invasão do Iraque, quando sei que os franceses que nos deram a guilhotina e a Revolução Francesa estiveram coniventes no genocídio do Ruanda e mataram um fotógrafo português em Auckland no Rainbow Warrior, navio da Greenpeace, quando me questiono sobre as Torres Gémeas e danos do Pentágono em que nenhum avião ou destroços aparecem…, ou sobre o direito dos fanáticos israelitas usarem armas nucleares recusando-se ao Irão as mesmas (por que tem de ser excluído, só porque os seus representantes são fanáticos? E os dos EUA não?) … Não posso deixar passar esta oportunidade para saudar o atraso dos juízes do Supremo Tribunal (obviamente vivem no séc. XIX) pois ilibaram e absolveram a “educadora” que dava palmadas às crianças deficientes (a seu cargo) e as fechava em quartos escuros quando se recusavam a comer. Para além da decisão, em si mesmo incompreensível, o fundamento da mesma raia a loucura. O Supremo ao legitimar castigos corporais esquece o direito à dignidade, ignora a psicologia infantil e não tem em conta a sua honra.
O acórdão do Supremo Tribunal vai longe demais ao afirmar: “Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo dum filho que se recusa a ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho…ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer?” O Supremo acaba por vir dar razão a todos os que alegam que a justiça está de rastos neste país. Bater é grave. Uma criança, e para mais uma deficiente mental não vê a conexão entre os seus atos e os castigos, que têm um valor muito limitado porque as crianças não reagem por compreensão, mas por medo. Em vez de se castigar deve-se levar a criança a sofrer as consequências do seu agir.
Quem se recusa a comer não deve alimentar-se até à próxima refeição, mas não deve ser fechado num quarto às escuras nem sofrer castigos corporais. Reservemo-los para quem os merece: os juízes do Supremo Tribunal. O exemplo dado pelos familiares ou educadores e a confiança neles são fundamentais para a determinação da educação. O educando sabe que o afeto dos educadores depende do seu comportamento.
Muitas vezes, os educandos pagam as incapacidades, insatisfações e fracassos dos progenitores assoberbados, por uma sociedade cada vez mais exigente, que lhes não deixa tempo ou espaço para poderem criar uma base de diálogo com os filhos, a vida. A falta de objetividade e de distância emocional, a falta de pessoal e de formação profissional serão motivos para desculpar a educadora em causa. A compreensão da situação não pode, porém, acontecer à custa da outra.
Neste julgamento os juízes agiram como bons pais para com a educadora e argumentaram contra a criança como maus pais. Dum modo ou outro deram um péssimo exemplo a um país recheado de abusos e violência doméstica contra jovens e mulheres, um país de esqueletos nos armários, muito fruto da geração nascida do medo e do silêncio que os 48 anos de obscurantismo e repressão criaram. Num país em que há pais e avós a matarem crianças por não terem paciência para as aturarem, esta decisão veio dar consolação aos que usam e abusam da pretensa posição de poder, como maridos ou pais. Para ser reposta a normalidade sugiro que os juízes sejam publicamente humilhados com uns açoites e fiquem uma semana de castigo no quarto escuro.
Tudo isto questiono, farto de violência, desde os putos norte-americanos que se chateiam e pegam na arma do pai e limpam o sebo aos colegas, aos condutores portugueses que se comportam como assassinos ou aos vendedores de armas que vão de terra em terra a fomentar mais uma guerra civil.
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ALF~ºANDEGA DA FÉ:
Após a longa viagem que temos vindo a recriar por estradas que perduram vigiando de longe as novas rodovias e vias rápidas, chegava-se à Eucísia com a sede imensa que só podia saciar-se na fresca água da Grichinha, fonte milagreira em plena terra das feiticeiras. A água potável vinha da fonte da Gricha que ainda hoje dá água. Por cima, perdura a mais romântica, pequena, mas carismática fonte da Grichinha, modernizada com tosca escadaria cortada na rocha, a poucos metros dum lampião que ali implantaram para alumiar as noites, acabando com as memórias dos namoros furtivos seculares ocorridos. Uma dúzia de degraus de xisto levavam agora os poucos turistas que se aventuravam até essa fonte de mil tradições, em plena aldeia das feiticeiras com meras dezenas de habitantes. Em férias não havia nem burros nem burras suficientes para transportar a água necessária. Era preciso acarretá-la em grandes quantidades para depois aquecer ao lume. Tomávamos banhos diários, um hábito deveras estranho para as pessoas da aldeia, que, raramente, o faziam (como a anedota que dizia “banho? Olhe senhor que tomei pelo natal”, e era Páscoa). Para os de imersão usávamos uma larga tina cinzenta, de latão, feita pelo ferreiro lá do sítio, e depois pintada de branco, onde se podia tomar banho de semicúpio. Tudo feito com tempo e paciência que isto de pressas era para os da cidade. Na aldeia tudo tinha uma velocidade diferente. Só voltaria a encontrar essa mesma vertigem quando me mudei para os Açores. Também no arquipélago o tempo era mais lento, como se tivesse parado na década de 1950 ou 60 e se recusasse a aceitar a inabalável voragem do progresso.
Não posso precisar quantas vezes estive na Eucísia (talvez – pelo menos uma vez ao ano – todos os anos entre os 5 e os 17), mas lembro, em particular uma Páscoa, talvez em 1959, quando se juntaram os tios, primos e primas, do clã Magalhães, desde Alfândega da Fé ao Azinhoso, Mogadouro, ao Sendim da Ribeira, ao Porto e a Vila Real quando a enorme sala de jantar velha (que fora o quarto do meu bisavô) era pequena para tanta gente. Estava a abarrotar e até se conseguira encher a mesa comprida de doze lugares na sala de jantar nova dos meus avós. Havia duas cozinhas a funcionarem. As enormes salas de jantar cheias de gente. Essa será a única Páscoa que consigo evocar vivamente apesar de muito jovem. No dia seguinte a refeição foi na casa da Quinta cuja varanda era pequena para tanta gente como se pode ver na foto. A família toda junta, coisa importante e hoje raramente vista. Todas as outras celebrações pascais se perderam na voracidade do anonimato e da rotina. Ou então condensei-as todas numa só. Aquela perdurou, assim como a comunhão solene da primita na Páscoa de 1962, onde também estiveram todos, enchendo todos os quartos e camas disponíveis nesse outro enorme casarão do Azinhoso.
A Quinta é hoje Turismo Rural Bela Vista, explorado pela Beatriz Licínia, prima direita da mãe e da minha idade.
Ninguém podia esquecer a imagem bucólica do Vale da Vilariça (antes da construção da barragem nos anos 1970) quando da varanda de casa, nas traseiras, em frente a Sambade, me deleitava com ela enquanto devorava Júlio Verne e outras leituras de férias. Creio que li, entre muitos outros livros, toda a coleção de 78 livros de Júlio Verne (em versão ortográfica de 1886) nessas férias, na varanda de casa com vista para o vale da Vilariça. Apesar da velha orthographia oitocentista, nunca dei conta de que essas leituras embotassem os meus dotes de escrevinhador e – por isso – ainda me custa a entender os opositores do Acordo Ortográfico de 1990, devem ser muito retardados.
Vi rostos e tradições do tempo dos Cristãos Novos, ainda envergonhados da herança marrana. E todas as recordações da memória quase soçobraram quando assisti com pesar, numa tarde quente em 2004, ao desmantelar dos móveis da sala de jantar dos avós. Evoquei um leilão de escravos, sem saber porquê. Eram cobiçados pelas primas do Azinhoso, agora da cidade. Comparei aquilo a um ataque da marabunta sobre tudo o que aparentasse ser velho ou ter algum valor. Ali estava eu, impotente, sem os poder comprar para, seguidamente, os libertar. Eram ambicionados pela prima do Azinhoso e milionárias filhas, cujo único fito na vida é amealhar e comprar. Reproduzir dinheiro como quem multiplica coelhos. Ridículo foi ela ficar com as chávenas do serviço que a Sical oferecia gratuitamente nos anos 60 por pensar que tinham valor e eu fiquei com um serviço da Vista Alegre que ela desdenhou.
Nas traseiras da casa havia uma enorme ânfora, de metro e meio de altura que armazenava tudo. Até azeitonas. Ficava mesmo por baixo da lendária figueira – favorita da mãe – cuja data se perdia na memória dos vivos de então, e que sempre fizera as delícias da minha mãe. Depois, por volta de 2005, a ânfora centenária foi ostensivamente roubada por uma das primas ricas do Azinhoso na sua voragem de tudo arrebanhar. Que a leve para a cova e nela se proteja dos fogos do inferno.
Por entre as grossas paredes da parte de frente da casa, onde havia os janelucos, revivi memórias agradáveis de tempos e de gentes que já não voltam mais, admirei-me com os finos tabiques que separavam os dois quartos na casa dos avós. Regressei temporariamente a um passado alegre e sem preocupações. Senti saudades. Sei bem o significado da palavra como já não o experimentava desde que cheguei a Timor em 1973. São as saudades que mantêm os sonhos vivos, dissera-me a outra avó paterna, um dia.
Foi doloroso voltar a percorrer os salões, os quartos nos baixos, ao lado das lojas, a enorme sala de jantar com vista para o Vale da Vilariça, o salão onde dormi pela última vez em 1988 (ou 1992?) agora que a casa estava esventrada de móveis. Os olhos humedeceram ao visitar os baixos onde dormi, em criança, nas férias da Páscoa quando os primos e os tios também lá iam. As lojas, no andar térreo, onde dantes se acumulava o azeite e seu vasilhame estavam limpas e vazias, já ninguém matava o porco, ninguém colhia o azeite. Já não havia colchas nem lençóis de linho para a procissão pascal, depois dos dias de silêncio e de dieta forçada. Nesses dias ninguém comia carne pois era um pecado que nos levava a todos para a autoestrada do inferno. Felizmente Bento XVI acabaria por decretar em 2008 que o Inferno não existe. Ufa, que alívio. Era a vingança de tantos temores infantis sempre ilustrados por imagens do catecismo que graficamente me haviam implantado por volta dos sete anos e que ainda me arrepiavam, mesmo sem crer. Tanto remorso inútil, tanto arrependimento desnecessário por que passara, tanto sentimento de culpa supérfluo.
Há sessenta anos, ainda existia a vergonha de se dizer que se descendia dum abade, cónego ou padre, tão comum a tantas famílias da região. Uma mescla de respeito, medo e veneração ao Cristianismo, que se impusera primeiro aos mouros da rica Alfandagh, para depois ser temporariamente mesclado com judeus que fizeram desta uma zona bem rica, antes de sofrerem os efeitos da conversão forçada e a clandestinidade, quando não a morte, o exílio ou a Santa Inquisição. Hoje, séculos depois do êxodo judaico, a região está mais pobre do que nunca, sem a riqueza assinalável que a história descrevia no tempo de romanos e de mouros, sem as riquezas dos judeus que tornaram esta terra fértil. Perderam-se também as histórias de princesas e mouras encantadas, sem avós que as contem pois já não há netos ou netas nas terras abandonadas.
Depois de falar em clero, nobreza e fidalguias não podia eu, ironicamente, deixar de evocar a retrete ali existente em tempos da minha infância e juventude. Era um buraco circular, aberto em tábuas de madeira, que descarregava para uma espécie de quarto fechado que não era senão uma fossa sética no andar térreo, mesmo por baixo da varanda das traseiras, com vista para o Vale da Vilariça. Não era preciso autoclismo, uns tantos jornais ou o luxo urbano do papel higiénico.
A “nova” casa de banho (ora transformada em pombal desde que a janela empenada se recusou a fechar e deixou entrar as pombas) foi construída no quarto que eu ocupava quando ia para lá. Data do final da década de 1960 quando ainda não havia água canalizada. Só mais tarde chegou o gás butano em botijas para aquecer o precioso líquido. A burra ia, dezenas de vezes ao dia, com os cântaros à fonte buscar água para bebermos e nos lavarmos. Não havia fonte artesiana ou outra, nem em casa, nem nos terrenos que desciam a encosta. As águas municipais só haveriam de chegar décadas depois, já, ia alta a revolução dos cravos.
Acalentei a utopia de recuperar o velho casarão, fazer obras, modernizando o interior e os confortos, sem perder a traça original e a sua simples fachada oitocentista onde sobressaiam janelucos pouco maiores que seteiras. Depressa me apercebi que, mau grado a idade, jamais deixara de ser um sonhador. A dura realidade trazia-me sempre de volta à mesquinha contabilidade dos números e cifrões. Aprendi que custava menos construir uma casa nova, de raiz, do que recuperar aquela. Para nenhuma hipótese tinha financiamento capaz. Além disso, havia o problema das partilhas que se arrastam por décadas. Todos querem acrescentar uns míseros tostões aos vinténs que já têm. No caso vertente, nem isso, apenas havia uma parte interessada. A outra apenas se manifestara contra a venda sem apresentar alternativas. Na sofreguidão de tudo querer, seria responsável pelo abandono e incúria a que a não-venda votara a casa. Tudo por causa de um primo direito meu, co-herdeiro juntamente com a minha mãe, que por entender que o casarão valia mais, não vendera quando havia outro primo interessado. Assim se desvaneceu a hipótese de ser restaurada e permanecer na família. Depois de ruir não faltará muito para acontecer o mesmo ao resto da aldeia.
Tal como gerações de nativos da aldeia em tempos idos, também eu me fui no vórtice impiedoso que a vida de cada qual impele. Entrementes, a existência tem de ser envelhecida onde existe trabalho e não onde as memórias e o respeito pelos antigos mandam. Sem querer, sem quase o pressentir o destino viera e ditara-me novo rumo. De um dia para o outro deixei os sonhos de parte (nunca os devia ter retirado do baú das memórias de infância, deviam lá ter permanecido adormecidos para sempre. Muitos foram perpétuos acompanhantes pelas quatro partidas do mundo, Timor, Macau e Austrália). Foi assim, que um dia parti, de novo. Embarquei dessa ilhoa transmontana onde vivi de 2002 a 2005, para arribar no meio do Oceano Atlântico, num arquipélago da antiga Atlântida, mais conhecido pela sua história de fogo e outras calamidades, meros montes cataclísmicos flutuando à deriva entre a Europa e a América.
Deixei para trás os vestígios de roedores e suas marcas fecais onde outrora pousaram mãos de crianças. Tantas ali nasceram e todas morreram já, sendo a minha mãe a última dessa geração. Há toda uma miríade de insetos e pequenos animais, que, lentamente, se empossam da habitação. Os bichos sabem, que vivalma ali entra agora que eu partira… Fui eu, com o meu profundo amor à terra e à memória dos avoengos, quem manteve o espírito da casa sempre vivo, com os sonhos e deambulações peripatéticas por projetos de reabilitação imobiliária. Ideias que nunca sairiam do papel para onde nem sequer chegariam a ser transpostas.
Contra o silêncio e ausência dos proprietários e verdadeiros herdeiros. A casa dos meus sonhos fora fantasiada pelos meus bisavós e seus descendentes, toda a prole se fora sem deixar rasto e idêntico fim estava reservado ao vetusto casarão. Não adianta sonhar. Dificilmente a casa aguentará muitos mais invernos. Acabará por tombar como os seus anteriores donos. Cairá para o lado, para dentro ou para fora. Desabará como um baralho de cartas, assim sem aviso ou alerta. Não o saberei logo que hoje estas notícias demoram a chegar de aldeias desabitadas, como dantes as notícias do mundo demoravam a chegar lá. Se cair para a rua terão de levar as máquinas e escavadoras para retirar todos os pedaços dos meus sonhos, perdidos e escaqueirados em mil pedaços, sem cola que os salve.
Evoco com saudades o tempo em que a avó materna, as tias-avós e primas faziam a matança e em outubro enviavam as primeiras alheiras; na Páscoa, os folares e bolas de carne; e no verão, a compota de ginjinha. Seguiram-me para todos os países menos para a Austrália que ali não podia entrar comida estrangeira. Comera alheiras e ginjinha feitas pela família em Timor e Macau. Ainda sentia no palato o sabor distinto, que sempre me acompanhara como um cordão umbilical. Há paladares como os odores, nunca se apagam do subconsciente.
Há muitas experiências de vida que seria útil partilhar e trazê-los de volta a um tempo em que a família era alargada, mas mesmo assim convivia nas festas de natal e Páscoa. Lembro-me da série Família Forsythe e creio que aquilo que se passou na mudança do séc. XIX para o XX está a suceder a um ritmo bem mais acelerado. Qualquer dia só nos conhecemos virtualmente através do Facebook ou qualquer outro instrumento virtual. Talvez seja melhor e assim haja menos intrigas e desavenças familiares. É mais difícil brigar com estranhos, em especial se não soubermos que são da mesma família… Bem, resumindo foi um Natal à moda antiga.