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Deus nos salve da Secretaria da Saúde
Quando se quer passar uma mensagem, há uma regra básica no mundo da comunicação que os políticos deveriam aprender: verdade, transparência, segurança e clareza.
Por três vezes a Secretaria Regional da Saúde fez tudo ao contrário quando quis passar uma mensagem de serenidade e segurança no caso do coronavírus.
Na primeira, aquando do jacto privado com chineses que aterrou em Ponta Delgada, cometeu erros de comunicação de palmatória, ao banalizar a informação com um comunicado escrito, em vez de aparecer um rosto credível perante os jornalistas, contendo informações pouco claras e até contraditórias.
Foi obrigada a emitir novo comunicado para clarificar o primeiro, quando devia saber que nunca há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão.
Foi o primeiro sinal de que as autoridades de saúde pública da região não estavam preparadas para lidar com um fenómeno novo.
A segunda vez foi aquela desastrada conferência de imprensa, na semana passada, da Secretária da Saúde e do Director Regional da Saúde.
Ou seja, dois políticos a tentarem passar uma mensagem de tranquilidade sobre um assunto para o qual não dominam.
A governante leu um papel com uma redacção que parecia da 4ª classe.
O Director Regional foi diferente, apresentando-se com um discurso mais escorreito, comunicativo e de improviso.
É a diferença em ser-se enfermeiro com experiência, com uma linguagem que se deve utilizar com os utentes, mas não deixa de ser um profissional a exercer um cargo político.
Resultado: nenhum cidadão pode ficar tranquilo com um cenário destes.
Em vez dos dois titulares políticos, ou ao lado deles, devia estar a verdadeira autoridade de saúde pública desta região (quem é? onde anda?), os especialistas em saúde pública, os médicos e enfermeiros que estão na linha da frente para tratar dos casos suspeitos.
Esses sim, são os rostos que nos dão confiança e tranquilidade, porque representam a verdade profissional da saúde pública.
A Secretária Regional é uma figura política, fora da área, até com um passado conhecido como gestora que enterrou a Saudaçor, ia enterrando o Centro de Saúde de Ponta Delgada e, mais recentemente, perdeu credibilidade ao anunciar que todos os micaelenses tinham já médico de família, quando sabemos que não é verdade.
A conferência dos dois políticos é reveladora do padrão obsessivo que se apoderou da governação nos últimos anos: controlar tudo e tratar tudo como se fosse problema político.
O coronavírus não é um ‘coronapolítico’, é um caso de saúde pública e deve ser entregue aos profissionais de saúde pública e não aos políticos.
A terceira vez foi agora no caso do primeiro suspeito na ilha Terceira.
Muita informação correu sem autorização, papéis a serem afixados nas paredes do hospital a admoestar os trabalhadores, demora no resultado das análises e – mais uma vez, uma contradição – as análises a serem enviadas para Lisboa, quando na dita conferência de imprensa tinha sido dito que seriam efectuadas no laboratório do hospital da ilha Terceira.
É muita desorientação junta.
Quando os enfermeiros vêm dizer que não foram tidos nem achados para a elaboração dos planos de contingência, então temos outro problema grave de partilha de conhecimentos com os profissionais.
O governo tem de perceber que são os homens e mulheres da saúde pública que devem dar o rosto para tranquilidade dos cidadãos e deixarem-se de politiquices.
Os políticos têm medo que os profissionais de saúde ponham a boca no trombone, como é usual nos bastidores, para se queixarem da falta de recursos, humanos e materiais.
Vai daí, não deixa que eles assumam as rédeas da comunicação. É outro erro.
O pior inimigo destas crises de saúde pública é a falta de credibilidade e transparência, meio caminho andado para se criar o alarmismo e o pânico.
Todos os dias vemos nas televisões, lá fora, médicos especialistas a darem a cara.
Veja-se, ainda, a nível nacional: quem aparece para as informações oficiais não é um Secretário de Estado nem a Ministra, é a Directora-Geral da Saúde, uma reputada especialista em saúde pública, com um discurso sereno, confiante e conhecedor.
A ministra trapalhona é outro exemplo de como os políticos não se devem meter em coisas que desconhecem.
Confira-se o que ela disse na semana passada, ao avisar que quem provenha de regiões onde há transmissão do coronavírus “deve ter cuidados especiais, designadamente mantendo-se isolado”!
Veio a ser corrigida pela própria Direcção-Geral da Saúde e depois pediu desculpas.
Aliás, foi a Directora-Geral que, anteontem à noite, num programa televisivo, anunciou, primeiro do que as autoridades açorianas, que o segundo caso suspeito nos Açores era negativo. O que diz bem da rapidez e eficiência de comunicação da Secretaria da Saúde…
Outro exemplo: na região costumamos a ter crises de outra natureza, nomeadamente as sísmicas.
Quem dá a cara para nos tranquilizar são os especialistas, os vulcanólogos, que nos explicam a evolução da crise e o que está a ser feito.
Foi, durante muitos anos, o professor Víctor Forjaz, e é, agora, o responsável pelo CIVISA, professor João Luís Gaspar, dois bons comunicadores e conhecedores da matéria.
Não são os governantes que nos vêm explicar a crise sísmica.
Na vizinha Madeira, quando os governantes aparecem para falar do assunto, rodeiam-se dos especialistas em saúde pública para esclarecimentos mais profissionais.
Na Madeira já há equipas de profissionais de saúde pública, há longo tempo, fora dos gabinetes, reunindo com escolas, empresários e hotéis para explicar os procedimentos a tomar em caso de suspeitas.
Por cá, os empresários pedem orientações pela comunicação social, porque ninguém contacta com eles.
Na Madeira há muito tempo que se tomou a decisão de, em caso de foco de infecção num cruzeiro, fica de quarentena no porto.
Nos Açores, só agora é que a Secretaria da Saúde está a pedir “planos de contingência” aos portos e aeroportos.
Na Madeira está praticamente pronta uma Unidade de Medicina Nuclear, com mais capacidade de resposta, e o Hospital Dr. Nélio Mendonça montou, junto às Urgências, uma sala de triagem avançada para situações excepcionais, relacionadas com casos de suspeita.
Cá, nem o hospital maior, o de Ponta Delgada, tem uma sala de pressão negativa! Uma falta imperdoável.
Os cidadãos têm razões para se interrogarem: se o Serviço Regional de Saúde não dá resposta a mais de 12 mil açorianos que esperam anos a fio por uma cirurgia, como é que, de repente, está preparado e com recursos suficientes para travar uma epidemia?
E aos profissionais, foram dados os equipamentos necessários e formação adequada para lidarem com o fenómeno?
Como é que vão responder a casos em grandes espaços colectivos?
Numa empresa ou num hotel com centenas de turistas fazem o quê? Vão todos para a Terceira?
A história dos 80 quartos – ao que parece, alguns sem ar condicionado – resolve o quê se houver um surto colectivo?
Todos nós, cidadãos, confiamos nos profissionais de saúde, que já deram provas de elevada qualidade.
O problema são os recursos que lhes dão e os administradores fechados todo o dia nos gabinetes, mais preocupados em reduzir o número de fotocópias e com reuniões extravagantes para mudar o logotipo do hospital…
É nos profissionais de saúde que confiamos, não nos políticos.
Se o governo quer transmitir uma imagem de tranquilidade e segurança, faça-nos um favor: retire do circuito a Secretaria da Saúde.
Março 2020
Osvaldo Cabral
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimédia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)