Osvaldo José Vieira Cabral · A Resiliência esfumou-se?

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A Resiliência esfumou-se?
Há uma estratégia nacional, ao que parece combinada com o anterior governo regional, que nos vai guiar a todos nos próximos tempos.
Trata-se do Plano de Recuperação e Resiliência, que define como vão ser aplicados os fundos europeus de recuperação no país, incluindo nos Açores.
Quem tiver acesso ao documento constatará muitas coisas interessantes.
A primeira de todas é que, enquanto estamos todos, cidadãos, preocupados com a saúde e a economia, os autores que engendraram o referido plano de recuperação parecem apenas preocupados com a resiliência da administração pública regional!
São tantos os investimentos na área da administração pública, que pouco resta para ao desenvolvimento da capacidade produtiva da nossa economia, por forma a criar empregos e relançar a nossa base competitiva.
Depois, há outra incongruência de monta nos investimentos previstos no referido Plano, que somam 580 milhões de euros destinados à nossa Região, quando aquilo que foi anunciado inicialmente pelo Governo Regional eram 720 milhões de euros!
Na vinda do Plano do Terreiro do Paço para o Palácio de Santana a resiliência deve ter-se esfumado pelo mar em 140 milhões de euros…
Isto para não falar nos 198 milhões de euros para financiar a recuperação dos estragos causados pelo Furacão Lorenzo, especialmente o porto das Flores, que inicialmente foi anunciado com grande pompa que era “mais um comprovativo da solidariedade do governo da República”, mas, vai-se a ver, vem da… solidariedade europeia.
São 7 as áreas de intervenção prioritárias para as reformas estruturais nos Açores, no âmbito do instrumento de recuperação e resiliência: Qualificação e formação dos açorianos; apoio às empresas na sua transformação digital, resiliência financeira e missing links; o maior e melhor acesso aos cuidados de saúde; habitação; redes de apoio social; clima, energia e mobilidade sustentável e modernização da Administração Pública.
Todos eles estão quantificados, com especial destaque para a transição energética, que leva a maior fatia do bolo: 116 milhões de euros.
Não sei se estão a perceber: nós, cidadãos comuns, apoquentados com a capacidade de resposta do nosso sistema de saúde, onde se espera mais do que 300 dias, em média, por uma cirurgia, aliada à grave situação do desemprego, sobretudo na classe jovem, ou a enorme fila de precários que se gerou nos últimos anos, e eles preocupados com a transição energética!
Tanta gente aflita com o futuro das suas vidas depois desta pandemia e eles preocupados com a “Modernização e Digitalização da Administração Pública Regional”, que leva mais 25 milhões de euros, outros 30 milhões para a “Educação Digital” e ainda 30 milhões para o “Hospital Digital”.
De repente vamos ser todos funcionários digitais, doentes digitais e cheios de transição energética para enfrentarmos o que aí vem.
Ou muito me engano, ou quem idealizou tanta resiliência acha que vivemos num arquipélago virtual.
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MAIS DÍVIDA, MAIS DEGRADAÇÃO – O Tribunal de Contas acaba de divulgar o seu parecer à Conta da Região Autónoma dos Açores e as notícias, mais uma vez, não são nada boas.
Tal como era de esperar – não foi à falta de avisos -, foram cometidos muito abusos na gestão das finanças públicas, especialmente nas empresas públicas regionais, que se fartaram de fazer despesa sem pensar nas consequências.
Resultado: lá continuamos a contrair dívida numa trajectória ascendente, mais rápida que um foguetão.
Já vamos nos 2.120 milhões de euros (48% do PIB), sendo mais de metade dívida financeira, resultado dos constantes défices desde 2014, mas mais evidente a partir dos últimos três anos, numa correria à banca nunca vista para financiar os excessos dos gestores públicos.
O Tribunal de Contas deixa o aviso: ” O desequilíbrio estrutural das finanças públicas regionais, que é assim anterior à crise desencadeada pela pandemia de Covid-19, poderá agravar-se em resultado desta, dada a inexistência de margem orçamental para acomodar as despesas associadas às medidas extraordinárias implementadas com o intuito de conter o surto epidémico e de apoiar a economia”.
Aqui está uma má herança para o novo governo, que se vai ver a braços para equilibrar todo este reboliço financeiro dos últimos anos, quando é sabido que, pelo menos até à chegada dos novos fundos comunitários, vai precisar de tesouraria para acudir a famílias e a empresas.
Não vamos ter vida fácil nos próximos tempos.
Dezembro 2020
Osvaldo Cabral
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimedia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
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  • Um “bico de obra” que temos à nossa frente.